sábado, 3 de novembro de 2007

HISTÓRIA DOS BALÕES

Agora que se aproxima o Dia Nacional da Cultura Científica, celebrado em mais um aniversário do nascimento de Rómulo de Carvalho, recupero uma minha recensão do seu livro "História dos Balões", publicada em tempos na "Gazeta de Física" (fiz ligeiras modificações). O livro é recomendado pelo Plano Nacional de Leitura para o 8º ano de Português.


Pertenço a uma geração de gente que era nova (quer dizer, mais nova) quando a colecção «Ciência para Gente Nova» da falecida editora Atlântida de Coimbra, era praticamente a única colecção portuguesa de divulgação de ciência. Aqueles livros, pequenos mas muito motivadores, valiam mais do que os manuais de física e química dos liceus (o livro do Dr. Teixeira, lembram-se?), que tentávamos decifrar. Naqueles livrinhos para gente nova percebíamos tudo. O autor, como era bem manifesto, esforçava-se para que não só percebêssemos como gostássemos de ter percebido. A ciência não parecia acabada, em afirmações rígidas, mas sim vestida num contexto histórico, de descoberta, de tentativa e erro. Hoje em dia, a casa onde era a livraria Atlântida na baixa coimbrã passou a ser uma casa de pronta a vestir e o papel da editora de divulgação científica foi tomada por outras editoras, como a Gradiva. A escola antiga, com os laboratórios repletos de balanças, já tem sensores e computadores. Está tudo mais moderno. Até nós deixámos de ser a gente nova que éramos. Mas aqueles livrinhos, pese embora a poeira dos anos, mantêm-se modernos, vivos como estão na nossa memória.

Foi Rómulo de Carvalho não só o autor como o responsável pela longevidade dessas publicações para gente nova. O seu estilo, a sua sensibilidade, a sua alegria de saber sobrevivem às perturbações do tempo. Pois, para grande regozijo nosso e proveito da gente nova, a editora Relógio de Água, está a reeditar a colecção «Ciência para Gente Nova». Apareceu já a «História dos Balões», que quero justamente publicitar. O autor, num prefácio pequeno mas justificativo, explica que a ideia da reedição daquele “texto datado” não é dele mas do editor. Mas datado é tudo o que acontece e deixa marcas e só não têm data aquelas coisas que ou não acontecem ou, esquecidas, não deixam marca. Queremos dizer-lhe que não só comprámos (na altura, pedimos emprestado o exemplar da biblioteca do liceu) como voltámos a ler. O livro tem a data de hoje. A «História dos Balões» contém um relato resumido da «Passarola» do luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão. Esse acontecimento de há trezentos anos faz parte, pela sua importância, dos almanaques mais actuais. Só para dar um exemplo, no livro Guiness dos Recordes (edição de 1993) lá vem: o primeiro voo de balão de ar quente, ainda que não tripulado e mal concluído, foi português. Realizou-se na Casa das Índias, no Terreiro do Paço, em Lisboa, no dia 5 de Agosto do ano de 1709. Tal facto pode-nos orgulhar bem mais do que a proeza de um tal bombeiro Vieira que aqui há anos bateu um recorde qualquer de andar muito tempo de bicicleta. Rómulo de Carvalho explica como é que o acontecimento da Passarola foi visto na Áustria: a rainha portuguesa da época, a esposa de D. João V, era austríaca, tendo uma princesa austríaca imaginado logo a rainha a visitar os Alpes de balão. Rómulo de Caravalho conta-nos, com humor evidente, como é que um diplomata português ridicularizou o invento: havia o perigo de os mouros, de posse de balões, invadirem facilmente o Algarve. Uma estampa sugere que o Padre Gusmão julgava, ingenuamente, que o balão subiria melhor se tivesse magnetes para atrair um fundo metálico... Não é delicioso? Gusmão, que foi doutor da Universidade de Coimbra, não conseguiu mais e melhor do que aquela proeza pioneira de mostrar que algo mais pesado do que o ar podia subir no ar. Morreu relativamente novo em Toledo, onde está sepultado. Eu não saberia isso se não tivesse lido a «História dos Balões» em novo e relido agora.

Depois lá vem a odisseia dos irmãos Montgolfier e o resto da história dos balões. As ilustrações fazem lembrar os livros de Júlio Verne, de entre os quais um se intitula precisamente «Cinco Semanas em Balão». Os intérpretes principais têm direito ao nome em maiúsculas para lhes fixarmos facilmente os nomes. O princípio dos balões, baseado em Arquimedes, está lá bem explicado, com números e tudo. Trata-se, portanto, de um livro curioso com pormenores sobre a história dos balões e balonistas para quem tenha a chama da curiosidade bem acesa.

Há, porém, uma outra coisa de que discordamos no prefácio do autor. Então, caro Doutor Rómulo de Carvalho, a história dos balões já teve um fim? Que o autor não quisesse ou pudesse actualizar essa história, está no seu pleno direito, mas proezas recentes como por exemplo a travessia do Pacífico num balão de ar quente, em tempo recorde, não fazem mais do que continuar essa história. Isto para não já falar dos instrumentos meteorológicos que são colocados a grande altitude a bordo de balões, ou do balão astronáutico que está planeado para explorar Marte. De resto, só agora é que o balonismo se está a transformar num desporto acessível ao comum dos cidadãos, embora ainda seja perigoso. Para os muito novos, a Gradiva lançou uma «Ciência com Balões», que ensina mil e um truques com balões de soprar. Os balões são moderníssimos!

- Rómulo de Carvalho, "História dos Balões", Relógio de Água, 1991.

1 comentário:

paulu disse...

Também tornei a ler a «História dos Balões» em adulto. Apanhei o livro distraído numa banca da feira do parque Eduardo VII, e não escapou. Acho que o reli com ainda mais gozo do que quando era miúdo.

É um texto tão datado como as aventuras e experiências do padre Gusmão. Passe meio milénio, haja mundo e gente, e ainda haverá quem o leia. Todavia, estou desconfiado que o fascínio que nos desperta não é só mérito do professor Rómulo de Carvalho. Estou convencido que o poeta António Gedeão também lhe deve ter dado uma dicas.

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