sexta-feira, 23 de novembro de 2007

QUEM DEFENDE O MENINO?


Minha crónica do "Público" de hoje:

"Grande é a poesia, a bondade e as danças... / Mas o melhor do mundo são as crianças.” Quem o disse foi Fernando Pessoa. Mas quem concorda são os dirigentes dos grandes clubes de futebol. Estamos a assistir a um Sporting-Benfica em que, em vez da bola, quem é jogado é um miúdo de oito anos, de seu nome Bruno Silva, residente em Braga.

Eu sabia que havia torneios internacionais de sub-18, mas fiquei a saber que também há de sub-8. Pois o puto, que é um craque no meio-campo, distinguiu-se no recente “Mundialito” realizado no Algarve, logo concentrando as atenções dos “olheiros” dos maiores clubes (no Brasil, olheiro significa o bandido que olha o que se passa num banco para preparar o assalto). O Sporting, cuja fama na formação de jogadores é bem conhecida em Manchester, firmou em Maio passado um acordo com os pais do Bruno, em que previa a continuação de treinos e jogos na sua equipa (o Bragafut) com a cobertura de alguns custos e a transferência aos 12 anos para a escola leonina de Alcochete. Não sei a legalidade deste tipo de situações em que um menor é prometido a alguém tal como acontecia na Idade Média, quando as princesinhas ficavam logo à nascença com o marido indigitado. Mas o pior veio a seguir e é mesmo um abuso: dois dirigentes do Benfica em Julho passado assediaram o miúdo, convidando-o a participar num torneio em Espanha. O papel que o pai assinou para isso era afinal uma inscrição nesta época do mini-atleta pelo Benfica na Associação de Futebol de Lisboa, a 350 quilómetros de casa. Quanto ao Bragafut não foi ouvido nem achado.

A criança não pode agora nem jogar no clube onde treinava e jogava nem cumprir o acordo com o Sporting. Tem crises de choro e, por indicação da escola, está a receber apoio psicológico. Isto é o futebol português no seu melhor. Nós que pensávamos que já tínhamos visto tudo com os subornos dos árbitros (quando acaba a tragicomédia do “apito dourado”?), as fugas ao fisco (o fisco penhorou os passes de sete jogadores do Boavista por conta de impostos em dívida) e demais escândalos públicos (alguns dos quais andam por aí em livro e em filme) afinal tínhamos mais isto para ver.

O presidente do Benfica, numa conferência de imprensa sobre o caso, afirmou: “O Benfica não obrigou ninguém, nem enganou ninguém, no processo que envolve o Bruno Silva. Não vamos pactuar com oportunistas e muito menos com mentirosos". Concordo com a segunda parte, não vamos. Continuou: "Esse jovem esteve no camarote presidencial, foi ao balneário com o Simão, levou bolas e a camisola do jogador.” Essa é boa: o petiz deve pagar com juros a visita ao camarote e ao balneário, as bolas e a camisola. Levaste bolas? Estás inscrito! Levaste camisola? Vais suá-la até ao fim da época! Um cliente assina ou compra qualquer coisa por engano tem um prazo para anular ou devolver excepto quando é um miúdo que, sem uma boa equipa de advogados, está indefeso perante profissionais da marosca. Só encontro paralelismo na venda de apartamentos a anciãos que são aliciados com prémios a irem a reuniões em hotéis. E rematou o Presidente do Benfica. “Estou convicto de que este caso será exemplar para determinados encarregados de educação." Antigamente dizia-se que quem não era do Benfica não era um bom chefe de família. Agora temos o presidente do clube a educar as famílias nacionais. Ou pior: a armar em chefe dos chefes de família.

Eu confesso que sou da Académica mas não vou ver um jogo há muito tempo. A última foi quando levei o meu filho, tinha ele oito anos, a ver um Académica-Salgueiros para ele aprender algum vernáculo que não tinha aprendido em casa. Nessa altura vibrava-se porque não se sabia quem ia ganhar. Hoje recuso-me a participar numa farsa em que os resultados estão combinados e eu sou o último a saber. Recuso-me a contribuir para negócios escuros que envolvem futebol, construção civil e autarquias. E recuso-me a ter o mínimo que ver com a exploração de mão-de-obra (ou, melhor, de pé-de-obra) infantil e da boa fé de famílias ingénuas.

8 comentários:

Armando Quintas disse...

O combate ao trabalho infantil foi uma das bandeiras do extinto estado social, andou-se por ai com tanta fiscalização e azafama das autoridades mas só proibiram parte do trabalho infantil, ele não foi completamente irradicado, a juntar a este caso temos os casos de modelos menores, manequins, actores de televisão e mais umas quantas coisas, que parece que afinal não é trabalho infantil, estas crianças são convencidas pelos país muitas vezes pela ganancia dos mesmos, e os estudo normalmente acredito que começam a ficar para trás, este é apenas mais um caso de portugal no seu melhor!

Manuel Rocha disse...

O Armando convirá que Portugal não está sózinho neste capitulo. Em qualquer parte do Mundo os jovens talentos têm sempre uma infância "estranha".Olha-se para o mundo da música instrumental ou para o desporto de alta competição e percebe-se isso perfeitamente. O que aflige é que aconteça o mesmo entre quem defende tão acérrimamente os direitos das crianças. No entanto há aqui uma outra questão que julgo pertinente: com que idade ao certo nos auto-determinamos ? Não andaremos a exagerar quando se decreta que se é "criança" até aos 18 anos ? Uma criança com 10,11 ou 12 anos não poderá saber o que quer fazer na vida ? E se souber ? Têm os adultos o direito de lhe tolher os passos ? Porque uma coisa é pôr a criança a "render", e outra bem diferente é dizer-lhe que a EB 2/3 de Não-Sei-Onde é melhor escola de vida que os courts de ténis do Jamor. E não é necessáriamente assim, pois não ?
De resto, parece-me que a polémica em torno das questões da educação tem andado arredada dessa perspectiva: decretou-se que só a escola educa para a vida e que por isso é obrigatório andar na escola até não sei quando. Olha-se para os resultados e não se gosta do que se vê, e não é só em Portugal. Mas parece que ninguém questiona a bondade do modelo.

Paulo Soares disse...

O caso tem contornos estranhos mas, mesmo assim, o artigo do Carlos Fiolhais pode muito bem incluir-se na secção de 'Indignações superficiais'. Em relação ao que deveria ser mais importante - a responsabilidade paternal - nada é dito! O pai do mocinho assinou papeis à esquerda e à direita, com o SCP e o SLB, e agora sente-se atacado pelos lobos maus. Tanta ganância em por o filho a render rapidamente só poderia correr mal como correu.

É claro, há ainda aqueles que querem colocar as crianças numa redoma de vidro vigiada e controlada pela 'bondosa' mão do estado. Eventualmente lá chegaremos, com juntas a decidir quem são os bons e os maus pais, os bons e os maus professores, os bons e os maus sindicalistas e, finalmente, os bons e os maus cidadãos.

Mr. Shankly disse...

"Mas o pior veio a seguir e é mesmo um abuso: dois dirigentes do Benfica em Julho passado assediaram o miúdo, convidando-o a participar num torneio em Espanha"

Isso é o que o pai diz. E como diz o paulo, não tem agido de forma a tornar credíveis as suas palavras. Como é que um pai de uma criança de 8 anos a vende ao Sporting (que fica à mesma distância de 350 km que o Benfica, ou será um quilómetro a menos? Faz diferença, se for a pé) e depois negoceia até às tantas da manhã só para o miúdo ir a Espanha com um bando de gente que ele (pai) não conhece de lado nenhum, jogar por outro clube? Os dirigentes são uns sacanas, é verdade, mas mais grave é que os pais não protejam os próprios filhos. Mas isso não o chocou, Carlos Fiolhais.

Mr. Shankly disse...

"Nessa altura vibrava-se porque não se sabia quem ia ganhar"
O seu filho tem mais de 40 anos?

RJ disse...

Eu sou sócio da AAC-OAF, e sou daqueles que vai aos jogos todos.
O que o Carlos Fiolhais chama de farsa confirma-se. O futebol nos anos 90 era muito mais emocionante, principalmente na segunda de honra, onde a AAC andou muitos anos.
Nos últimos anos temos sido roubados sistematicamente. Uma pessoa vai à bola para se ditrair um bocado e sai de lá ainda mais stressado.

Quanto aos "negócios escuros", não esqueçamos o facto do Engº Simões, presidente da AAC, ser arguido em 8casos de corrupção passiva, envolvendo promotores imobiliários, a autarquia coimbrã e a Académica.

Nuno disse...

Triste, muito triste e reflexo dos jogos de bastidores e quem sabe relações de captura entre dirigentes de futebol, políticos e magistrados é apanharem árbitros e dirigentes miseráveis e subornos de 500 euros ou 500 contos enquanto os peixes graúdos como Loureiros e Pintos nada acontece!

Anónimo disse...

Gostei da parte das famílias ingénuas. Ingénuas mas com um grande estomâgo.

AS FÉRIAS ESCOLARES DOS ALUNOS SERÃO PARA... APRENDER IA!

Quando, em Agosto deste ano, o actual Ministério da Educação anunciou que ia avaliar o impacto dos manuais digitais suspendendo, entretanto,...