domingo, 4 de novembro de 2007
The meaning of life
O post Beyond Belief 2007 originou um debate muito interessante no espaço devotado à participação dos nossos leitores, especialmente interessante para mim porque trouxe a lume alguns temas destacados na revista Seed e outros que aquecem o debate nos blogs de ciência norte-americanos.
Uma das nossas leitoras referiu uma recente alocução de Bento XVI no 25º Congresso Internacional dos Farmacêuticos Católicos, em que o Papa apelou aos participantes para serem objectores de consciência em relação a medicamentos que «têm por objectivo opções claramente imorais». Bento XVI inclui nessa categoria medicamentos que não respeitem todo o ser «desde a sua concepção até sua morte natural» e medicamentos desenvolvidos de forma irresponsável, isto é, sem respeitar o que Bento XVI considera serem «normas éticas fundamentais».
Esta alocução, para além de me deixar dúvidas sobre o que seja «morte natural» - os avanços da ciência permitiram desde há décadas, especialmente desde a descoberta da penincilina, que, felizmente, cada vez menos pessoas morram de forma «natural» -, levanta muitas outras questões, algumas das quais abordarei num próximo post.
A questão fundamental que pretendo abordar agora tem a ver com o sentido da vida, cujo «respeito» está subjacente a todo o discurso de Bento XVI, e que é discutido de forma muito original no artigo na Seed que deu título ao post - também inspirado no filme homónimo dos Monty Phyton.
No artigo, Radu Popa, geobiólogo e autor do livro «Between Probability and Necessity: Searching for the Definition and Origin of Life», refere que não há uma definição de vida com a qual todos os cientistas concordem. Para Popa, é «absolutamente inadmíssivel» que o «objecto mais importante» de uma ciência não tenha definição.
Uma opinião diversa tem a filósofa Carol Cleland, que trabalha com o Instituto de Astrobiologia da NASA e que considera que os cientistas devem deixar de procurar uma definição de vida e devem sim construir uma teoria da vida, tal como os químicos o fizeram em relação aos elementos e os físicos ao electromagnetismo. Para Carol, definições dizem respeito a linguagem e conceitos, não têm a ver com conhecimento verdadeiro.
A posição de Carol sobre o tema foi apresentada ao público científico em geral na conferência «The Nature of Life», organizada em 2001 pela American Association for the Advancement of Science, AAAS - que publica a revista científica de maior impacto, a Science -, e de certa forma revolucionou a comunidade científica.
A maioria dos cientistas concordava em termos gerais que a vida era um sistema químico auto-sustentado capaz de evolução e que é a origem deste sistema evolutivo que marca a origem da vida. A partir daí, os compostos químicos organizaram-se em células, em espécies e em linhagens que sobreviveram e se alteraram ao longo de milhões de anos. Como refere Gerald Joyce do Scripps Research Institute em La Jolla, Califórnia:
«A história começou a ser escrita em moléculas. E é por isso que a biologia é diferente da química».
Mas química de facto é diferente da biologia noutro sentido que Carol e Christopher Chyba, um astrónomo de Princeton que se doutorou com Carl Sagan, apontam de forma acutilante. Para ambos, quando as pessoas tentam definir vida, escolhem algumas características de seres vivos e fazem dessas características a verdadeira essência da vida. O que também para ambos é errado já que «Não queremos saber o que a palavra vida significa para nós. Queremos saber o que é a vida».
Neste sentido, consideram que os cientistas que hoje em dia tentam definir vida, incorrem nos mesmos erros em que caíram os alquimistas da Idade Média. Estes tentavam definir as substâncias pelas suas propriedades, sem qualquer compreensão da química subjacente. Assim, por exemplo, a água era definida de acordo com as suas características, nomeadamente a propriedade de dissolver determinados sólidos. Nem o gelo nem o vapor de água eram água para os alquimistas. Por outro lado, consideravam ser água uma série de substâncias que hoje sabemos não terem nada a ver com água, como sejam a «água forte» ou acqua fortis, na realidade ácido nítrico, a mistura de ácidos cloridrico e nítrico a que chamaram acqua regia - por ser capaz de dissolver metais nobres como o ouro - ou mesmo a acqua vitae ou acqua ardens, as bebidas destiladas que consideravam capazes de prolongar a vida dos que as consumiam.
Mas mesmo que os alquimistas procurassem uma melhor definição de água, o conhecimento disponível não lhes permitiria sair dos erros em que incorriam, o que foi apenas possível com o nascimento da química. De acordo com Carol, este exemplo frisa porque considera que se deve estabelecer uma teoria da vida e se deve abandonar a procura de uma definição. De facto, dizer que «água é H2O não é uma definição. É uma descoberta».
Tudo isto recordou-me o Tractatus Logico Philosophicus de Ludwig Wittgenstein, «Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo», nomeadamente no que diz respeito aos limites da linguagem do quotidiano nos termos «natural» e «vida».
Em relação a estas palavras, certamente que a sua compreensão é limitada pelos pré-conceitos que fazem muitos pensar que o que estas palavras significam para eles corresponde de facto ao que «vida» e «natural» são. O que em princípio não teria problemas se essas pessoas não achassem que todos deveriam acatar as suas definições como a verdade acabada sobre o tema e não apelassem à desobediência civil para as impor.
Van Rensselaer Potter, que introduziu em 1971 o neologismo bioética - no livro Bioethics: bridge to the future -, pretendia com a conjugação «'bio' para representar o conhecimento biológico, a ciência dos sistemas vivos, e 'ética' para representar o conhecimento dos sistemas de valores humanos» estimular o diálogo entre as ciências exactas, as ciências sociais e a filosofia. Diálogo que considerava essencial para «ajudar a humanidade no sentido de uma participação racional e cautelosa no processo da evolução biológica e cultural».
Na realidade, os progressos científicos e tecnológicos muito rápidos que se verificaram a partir de meados do século passado, tão rápidos que não permearam a sociedade, introduziram uma série de problemas novos, nomeadamente no que se refere às ciências da vida, em que a falta deste debate permitiu que se instalassem formas veladas de Inquisição que ensombram não só o desenvolvimento da própria ciência como o desenvolvimento ético da nossa sociedade.
O parágrafo final do artigo da Seed, cuja leitura volto a recomendar aos nossos leitores, lança esperança em relação ao reatar do debate das duas ciências, fulcral para responder aos que pretendem entravar esse desenvolvimento:
«A ciência e a filosofia separaram-se no iluminismo, mas hoje, à medida que os biólogos vão penetrando cada vez mais profundamente no que é fundamental na vida, os filósofos têm revelado terem coisas importantes a dizer sobre o que os biólogos encontram. Agora, à medida que a biologia entra numa nova era e incorpora cada vez mais os princípios da física e da filosofia, podemos estar no limiar de uma confluência que nos permitirá finalmente fazer sentido do todo e não apenas das partes».
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35 comentários:
Adorei o post e já fiz download do artigo da SEED para ler com calma.
Absolutamente fantástico. Gostei especialmente da parte:
O que em princípio não teria problemas se essas pessoas não achassem que todos deveriam acatar as suas definições como a verdade acabada sobre o tema e não apelassem à desobediência civil para as impor.
Acho que este período resume a minha discussão com o Alef e o Daniel no Beyond Belief: eu também não tenho problemas com as crenças ou definições dos crentes.
Tenho problemas com que aqueles que acham que têm o direito a impor essas crenças/definições a todos e que se acham perseguidos por não os deixarem fazer isso.
A religião é uma coisa do foro pessoal e para mim excelente quando os crentes a deixam aí.
Os problemas começam quando as pessoas acham que não há limites para a religião...
Estou de acordo com a Rita.
Também eu não tenho problema com as crenças, ideias e definições de quem é ateu.
Tenho problemas com aqueles ateus que acham que têm o direito a impor essas crenças/definições a todos e que se acham perseguidos por não os deixarem fazer isso.
O ateísmo é uma coisa do foro pessoal e para mim é excelente quando os ateus o deixam aí.
Os problemas começam quando as pessoas acham que não há limites para o ateísmo...
António Parente:
Deixe-me dizer que considero uma falta de originalidade - e falta de ideias/argumentos - pegar nas palavras dos outros para dar a volta ao tema.
Em particular, só pode ser anedota dizer que os ateus qeurem impor o que quer que seja aos outros. Neste país em que os ateus não são ouvidos nem achados para nada, nem sequer têm assento na comissão de liberdade religiosa, é uma anedota particularmente hilarianate
Dou-lhe exemplos concretos: em relação ao aborto, que a Igreja considera um pecado gravissimo e quer que se criminalize, em relação ao divórcio, outro pecado, que quer que se proiba, em relação à pílula do dia seguinte, em relação a um ror de coisas.
A religião quer impor a todos as suas opiniões, criminalizando ou proibindo o que considera pecado.
Nunca viu nenhum ateu a dizer o equivalente: que as religiões são patetadas que devem ser proibidas, que se devem mandar para a prisão padres, freiras e restante malta.
A única coisa que é comum aos ateus é não acreditarem em divindades; associações de ateus normalmente não resultam porque tirando não aceitarem nada por fé não há nada em comum nos ateus.
Por isso não faz sentido dizer que os ateus tentam impor as suas opiniões aos outros.
Uma coisa é exprimir as suas opiniões outra é achar que só elas são válidas.
O problema do António Parente, e do Alef e do Daniel, é que confundem ateísmo com ciência.
O que se passa é que os ateus são pessoas como as outras e têm perguntas para que procuram respostas. Normalmente os ateus são avessos a argumentos de autoridade e são completamente avessos a respostas da fé.
Isso deixa como fonte de respostas as duas ciências e a filosofia.
Mas as ciências em si ou a filosofia não são ateias, são metodologias de resposta às perguntas que se põem e que excluem respostas com base na fé. Só isso!
Ah! faltou dizer que excluem respostas com base na fé porque estas não adiantam nada, não porque aa ciênciaa sejam anti-religião ou coisa do género. As respostas da religião são completamente inúteis para todas as ciências e para a filosofia, só isso.
Se eu estiver a estudar a doença de Alzheimer e quiser saber o que causa a doença, etc.., não me adianta de nada nem me faz progredir no caminho da descoberta de uma cura a resposta que «os desígnios do senhor são insondáveis» ou «a doença de Alzheimer é uma consequência do pecado».
penso que uma diferença fundamental é que os ateus não precisam da religião nem de Deus para nada fazer sentido nas suas vidas, enquanto que os crentes necessitam.
Ora, o problema surge que a ciencia aponta num sentido e a religiao noutro!
Assim um ateu segye o seu "sentido" sem grandes problemas. por outro lado, o crente tem de viver em "sentidos" opostos. A não ser que viva num estdo de negação da ciencia (criacionistas e aparentados, tem de olhar para um mesmo fenómeno de maneiras auto-exclusivas o que acredito que possa ser um pouco confuso...
Apesar disso, penso que o que a maioria dos crentes fará será adaptar o seu pensamento às diferentes circunstancias, usando o "sentido" que na altura mais lhe convém sem ver qualquer contradição nisso.
Aos olhos de um ateu este comportamento pode parecer um pouco incoerente, mas como disse a rita, "Os problemas começam quando as pessoas acham que não há limites para a religião..." e a tentam impor a quem tem um pensamento coerente e racional como modo de vida!
A emergência da organização biológica na Terra, e eventualmente em outros planetas, deve ser compreendida num quadro mais alargado de princípios universais de organização.
Depois de padrões computacionais não só terem simulado mas também realizado o fenómeno vida, a ponto de passar a falar-se de vida artificial, as visões e definições tradicionais de vida cairam por terra com estrondo. É à volta da descoberta da auto-organização e da causalidade não-linear, associadas às teorias da emergência e superveniência, que alguns autores estão a tentar desenvolver paradigmas conceptuais em biologia teórica para melhor enquadrar o conceito vida.
Estou a seguir um conjunto de ideias que vão no sentido de Prigogine, Humberto Maturana, Francisco Varela, Stuart Kauffman, Henri Atlan e trabalhos de Langton, Mark Bedau, Christoph Adami, Kaplan, Wolfram.
Rita:
Não sei se defina a continuada falsidade das suas afirmações como um caso de inconsciência (por má compreensão do que se escreve) ou de extrema má-fé. Pego apenas num exemplo: dizer que eu confundo ateísmo com ciência. Isto é uma enorme falsidade! Sempre mostrei exactamente o contrário do que a Rita afirma, uma posição que corroborei com o meu bem repetido argumento de que há muitos cientistas crentes (argumento a que a Rita, que eu me lembre, nunca respondeu).
Pelo contrário, quando a Rita diz que a fé é incompatível com a ciência (ou, também, que a noção teológica de criação é incompatível com a noção científica de evolução), cai no erro que alegadamente vê em outros, associando o teísmo a anti-ciência. E isto é um contra-senso. Ora, eu disse já mais do que uma vez que ciência e religião não são incompatíveis, pelo que ciência não é sinónimo de ateísmo. Contra esta falsa ideia da incompatibilidade entre ciência e religião ou da identificação da ciência com ateísmo é que muitas vezes tenho escrito por cá! Aliás, muito do que já escrevi contra o criacionismo vai também nesta mesma linha: defendo a autonomia da ciência em relação à religião (e desta em relação àquela), e o criacionismo pretende exactamente introduzir um elemento teleológico como se fosse científico. A ciência nada tem a dizer sobre teleologia, sobre Deus ou sobre religião. Por isso, um cientista tanto pode ser crente como agnóstico ou ateu.
De outra forma: não vejo as coisas em termos dualistas ou dicotómicos («ciência ou religião»). Repito: não são incompatíveis, pertencem a âmbitos diferentes, em si mesmos não têm por que se contradizer. As contradições pertencem àquilo que referi como quarto nível do «quadro» e não ao terceiro, que é aquele em que me coloco. Mas a Rita parece não ter percebido nada do que escrevi, ou então...
A Rita parece querer convencer-se a si mesma de alguma coisa que não se encontra nos meus escritos, mas que «lhe dava jeito» que estivesse... Apesar de eu não ter dito uma palavra contra a ciência enquanto tal (e de me ter manifestado contra as caricaturas quer da ciência, quer da religião), a Rita tenta dar a volta ao texto e atribuir-me uma posição que não é a minha, ou precisamente oposta à minha.
Se dou um exemplo de uma caricatura de ciência, a Rita diz que essa é a minha visão de ciência. A sua confessada irritação foi tal que escreveu uma data de textos sem se ter dado conta que aquilo que eu escrevia não era uma descrição da ciência enquanto tal, mas uma caricatura com a qual não concordo. Enquanto isso, a Rita continua a insistir em caricaturas de religião. Se digo que há cientistas crentes, a Rita dá um «salto mortal» lógico e diz que eu confundo ciência com ateísmo... And so, and so, and so... Vai repetindo, repetindo, aparentemente para tentar convencer-se e confirmar os seus preconceitos e reiterada intolerância, bem manifesta nos insultos que a toda a hora e momento debita contra os crentes.
A propósito: a sua intolerância não está no facto de discordar de mim, porque há muitas pessoas que discordam de mim e não são intolerantes; a sua intolerância manifesta-se no modo mal-educado como trata os seus interlocutores (a palavra «beatada» é significativa). Os seus escritos não revelam simplesmente ateísmo, porque o ateísmo não tem que ser insultuoso, nem mal-educado. Ao deturpar continuamente o que as outras pessoas escrevem e ao tratá-las de modo depreciativo, os seus escritos manifestam intolerância, incapacidade de diálogo e falta de urbanidade, alimentando «guerrilhas» inúteis. Por que razão tantas vezes se consegue um diálogo ameno, mesmo com opiniões opostas, e aparece a Rita a esfrangalhar uma discussão que poderia ser proveitosa e educada, levando ao afastamento de pessoas que pensam mas não têm paciência para este espírito de guerrilha? Note: não são apenas os crentes que a Rita irrita e afasta deste espaço: também irrita gente que, não sendo crente, não alinha nesta atitude intolerante e destrutiva.
Cara Rita, um conselho: leia com atenção e respeito o que se escreve; não tire conclusões precipitadas; antes de atribuir determinada tese ao seu interlocutor averigue se é mesmo assim; não se torne irresponsável, não escreva ao primeiro impulso, multiplicando comentários e comentários sobre uma única resposta. Páre, leia, estruture uma resposta, deixe esperar um pouco, releia, publique. A sua atitude de fundo manifesta intolerância e fere as pessoas.
Alef
Our three weapons are fear, surprise, and ruthless efficiency... and an almost fanatical devotion to the Pope.
Caro Alef:
Sei que estas discussões consigo são um pouco como, como Sísifo, empurrar uma pedra pela montanha acima para que depois ela role novamente até ao fundo. Pelo menos reconheço-lhe a coerência, que no entanto não deixa de ser um pouco obstinada e frustrante demais para o meu gosto. Ainda assim, tento mais uma vez tornar estas participações inteligíveis e francas. Por favor, vamos tentar ser concretos. Para isso, peço-lhe que, onde discordar de mim, o explique sem rodeios nem ornamentos, seja objectivo e directo.
Passo então a tentar processar o seu discurso. A sua tese essencial é que ciência e teologia não têm relação, e post após post, vem seguindo sempre a batalhar na mesma tecla. O seu principal elemento que sustenta esta tese: há cientistas crentes. Depois, utiliza esta tese, por um lado, para criticar quem tenta dizer que a ciência pode penetrar nos domínios da religião, e, por outro, para quem pensa o inverso, como os evolucionistas.
Já tentei em outras ocasiões argumentar o contrário. O meu ponto é que a teologia não é o mero estudo do fenómeno divino em abstracto, e que acreditar-se numa religião é acreditar-se num conjunto de normas e factos que configuram uma pose perante a vida. E a não ser que esse divino ou essa religião andem em bicos de pés para não tocarem no mundo natural, há alguma sobreposição com o conhecimento científico (ciências naturais, sociais e humanas). Sei que, dito assim, isto não soa a nada concreto. E, como com Sísifo, a pedra rolou...
Só que penso que também já alguém aqui deu os exemplos mais simples do que pretendia dizer, e que ficaram sem resposta. A bíblia começou por ser entendida como a verdade literal. Quem veio desmenti-la senão os avanços das ciências? A análise da bíblia como verdade literal não é também religião, não é também teologia? Não podemos ter, como o Alef parece ter, uma visão estática do fenómeno religioso. O irracional tem coexistido sempre com o advento e desenvolvimento do conhecimento científico, mas curiosamente tem sido o irracional das religiões convencionais que mais tem decaído.
E há ainda um ponto mais importante. o seu exemplo sobre cientistas crentes é uma excelente forma de mistificação da realidade. O exemplo clássico costuma ser Einstein. Einstein, como já foi escrito neste blog, era crente. Mas um crente muito especial. Ele parecia acreditar que deus estava no final do conhecimento, era aquilo que conheceríamos quando atingissemos a plenitude do saber. Há uma diferença do tamanho do Mundo entre ter-se esta posição e a posição do crente "médio", que é achar que deus está no início (e não no fim) do conhecimento. Para a religião sem ciência, deus é fonte de vida, não o objectivo da vida.
É também por isso que já foi identificada uma tendência curiosa por vários autores: há uma tendência progressiva para o ateísmo na biologia, e uma tendência crescente para a crença na física. Isto acontece precisamente porque cada vez mais a ciência tem empurrado deus para o desconhecido, para o espaço, a nossa última fronteira. É aí que está a crença no divino actualmente. É também por isso que o Alef vê essa separação, que me parece errónea, entre ciência e teologia. É porque a teologia, neste momento, ocupa-se do desconhecido, do pensado, do abstracto, do que ainda não sabemos, pois esse é o último reduto dos deuses. Onde discordamos é no facto de, na minha opinião, este encostar da ideia de deus à parede ir continuar. Não pense que este é o fim da história.
Cumprimentos,
Ricardo
Alef:
Para variar, mais uma longa tirada demagógica e assente no erro básico que já lhe indiquei no post do Beyond Belief.
O Alef tem todo o direito de considerar que a religião é uma forma tão válida como a ciência de chegar à verdade. Não pode exigir que todos aceitem a sua crença nem insultar quem constata a verdade: que religião e ciência são incompatíveis.
Como parece que o Alef tem imensas dificuldades em perceber o que eu digo, que acha logo que é um insulto, copio o que a Palmira escreveu no perímetro da ignorância e que citava Neil deGrasse Tyson, director do Hayden Planetarium do American Museum of Natural History em New York,:
Para além disso, a ciência assenta em verificação experimental e a religião assenta na fé, que por definição dispensa qualquer tipo de comprovação, pelo que as duas abordagens ao conhecimento são completamente irreconciliáveis. E considerando que ao longo de boa parte da História da humanidade se tentou arduamente aproximar ambas parece pouco provável que a conciliação alguma vez aconteça: «Grandes mentes científicas, desde Ptolomeu no século II a Isaac Newton no século XVII, investiram os seus intelectos formidáveis em tentativas para deduzir a natureza do Universo a partir de afirmações e filosofias contidas em escritos religiosos. De facto, à altura da sua morte, Newton tinha escrito mais palavras sobre Deus e religião que acerca das leis da física, tudo numa tentativa fútil de usar a cronologia bíblica para perceber e prever acontecimentos no mundo natural. Se alguma destas tentativas tivesse resultado a ciência e a religião poderiam ser hoje em dia indistinguíveis».
Tal como o ricardo Pelo menos reconheço-lhe a coerência, que no entanto não deixa de ser um pouco obstinada e frustrante demais para o meu gosto.
Passo a explicar: não percebeu nada do que eu escrevi no outro post, não percebeu nada do que eu escrevi neste, volta a fazer a fazer a festa e a lançar os foguetes.
Voltando às caricaturas. Eu não disse que o Alef acreditava naquela visão de ciência: disse-lhe que eu lia as suas intervenções no paróquias e que aquela caricatura era uma invenção, um papão para assustar os crentes.
Sobre as "caricaturas" da religião: veja lá se entende de uma vez por todas, há pessoas conhecidas por ateus e ateias que não aceitam ou acreditam em coisas por fé. Estou-me perfeitamente borrifando para os seus níveis: para mim relgião não é coisa que eu equacione :)
Não tem nada a ver com caricaturas, simplesmente há pessoas que não aceitam nem procuram respostas da fé.
Eu quero lá saber que haja cientistas que são crentes: também já lhe disse que argumentos de autoridade não pegam. Também há cientistas que batem na mulher, que acreditam em astrologia, em quiromancia em sei lá que mais tretas.
Dizer que há cientistas crentes não é argumento para nada, nem merece resposta :))
"É também por isso que o Alef vê essa separação, que me parece errónea, entre ciência e teologia. É porque a teologia, neste momento, ocupa-se do desconhecido, do pensado, do abstracto, do que ainda não sabemos, pois esse é o último reduto dos deuses. "
Então se assim é que a teologia deixe de falar do que a ciencia já descobriu, deixemos a teologia com o que a ciencia ainda não consegue explicar..
Se acham que na explicação de algo quando ambas, ciencia e teolgoia abordam o assunto, os crentes, os fundamentalistas, os religosos, se querem que seja a teologia a explicar esse fenomeno então produzam uma teoria teologica que consiga rebater a teoria cientifica, ao inves de andarem a afirmar coisas que por vezes nem sabem do que se trata, tratem antes de encontrar explicações validas para as coisas, que é o que a ciencia tem feito.
Não podem continuar a comparar a teologia com ciencia como se ambas fossem iguais, esse erro é tremendo ,a ciencia busca respostas aos fenomenos sem recorrer ao sobrenatural.
A teologia estuda deus e o sobrenatural que como objecto de estudo é inacessivel e inalcançável, a cor, o cheiro, o peso, o tamanho, através da revelação, ou seja através da biblia, mas a biblia foi escrita por homens que por sua vez julgavam que conheciam Deus, logo a fonte da teologia está deturpada até mais não e para mim pessoalmente falsificada, sendo uma fraude, constroi-se um sistema de pensamento sobre algo fraudulento que dura muitos seculos e que impõe condicionalismos aos povos com base em algo que o proprio pensamento teologico pensa que é e define segundo as modas mas que não é, isto sim parece alquimia, a busca da pedra filosofal, continuem nessa busca a consumirem-se inutilmente, boa sorte, ah mas não imponham este sistema de pensamento aos outros não outra vez, guardem isso para voces dentro do ambito pessoal ok?
Depois, se o Alef acha que não há incompatibilidade entre ciência e religião, fantástico! Quem dera que todos os crentes achassem o mesmo, acabavam criacionismos e coisas assim!
Não pode enfiar pela goela abaixo de quem acha que a religião é um conjunto de mitos e regras de senso comum da Idade da Pedra, anacrónicas nos dias de hoje, que religião e ciência não são incompatíveis.
É especialmente rídiculo que o defensor da religião que mandou centenas de cientistas para a prisão ou para a fogueira por acharem que a ciência era mesmo incompatível com a ciência nos queira convencer do contrário.
Já lhe disse e repeti não sei quantas vezes: se as certezas da religião lhe dão conforto, óptimo.Fique com elas! Não as imponha a todos. Nem diga que os outros são intolerantes por não aceitarem essas certezas. Só isso!
Ah! Faltou explicar porque disse O problema do António Parente, e do Alef e do Daniel, é que confundem ateísmo com ciência..
O Alef acusa de cientifismo, de visão absolut(ist)a da ciência todos os ateus. Ou seja, para o Alef é errado procurar todas as respostas na ciência (e na filosofia) e a "culpa" de certa forma é da ciência que "excluiu" Deus.
Mas se a ciência não excluisse sobrenaturalidades não era ciência, era religião. Não respondia a nada e continuávamos na Idade Média a morrer de fome, de frio e de doenças hoje facilmente curáveis.
Eu não percebo porque razão não hei-de poder procurar todas as minhas respostas de forma racional. Para o Alef, em todas as intervenções, parece que isso é proibido e que temos por força de aceitar respostas da religião senão somos intolerantes...
Deixem-me fazer algumas analogias:
A teologia estuda deus, mas por motivos que não interessam para aqui ele é inalcançável como objecto de estudo e por isso se recorre à revelação que é a biblia e os escritos antigos sobre esse mesmo objecto de estudo ou seja deus.
A elfologia estuda os elfos, mas como os elfos são inalcancáveis recorre-se à tradição ou seja tolkien e outros escritores do passado que falam sobre eles.
A unicornologia bem como a grifologia, a sereiologia, (nomes inventados por mim) estudam respectivamente os unicornios, os grifos, as sereias, mas como eles são inalcançáveis recorre-se à tradição que são os escritores da antiguidade que falam deles.
Assim hipoteticamente cria-se sistema de pensamento assente sobre a ideia da sereia, nesse sistema as mulheres sempre feme fatale são sagradas, não trabalham, são priveligiadas e os homens os explorados porque a deusa sereia assim o ordenou, o mesmo poderia acontecer para os unicornios, para os elfos e para outras entidades que deixo ao vosso criterio imaginativo.
Mas retrocedendo a sereia não disse nada disse foram os escritores da tradição que disseram por ela e os seus sucessores intrepertaram à sua maneira os escritos dos antigos.
Isto parece 1 absurdo porque temos um sistema de pensamento baseado numa sereia que como objecto de estudo è inalcançável e tem-se que recorrer à revelação e sobre essa revelação formulam-se pressupostos que vão dar origem a uma tradição que condicionará a vida de muitos povos ao longo dos tempos.
Palermice? mas à sereia independentemente da sua existencia ninguem a ouviu, viu, sentiu ou soube da sua existencia, contudo esta é a base que sustenta todo o edificio da muy sagrada teologia, basta substituir sereia pela palavra DEUS!
O que significa que independentemente da existencia de deus os seus adeptos não sabem nada de nada sobre ele, ou seja falam, veneram, fazem tradição sobre algo que os proprios desconhecem mas teorizam e dão palpites.
Excelente não é? Um sistema deste condicionar todo um povo, nação ou continente a todos os niveis, desde o social ao politico, e ainda querem vir a debater ciencia quando nem da sua arte percebem!
O comentário anterior foi para elucidar uma questão, independentemente da existencia de deus ou deuses, que na minha opinião pessoal não existem, os pressupostos sobre o mesmo deus que defendem são pressupostos humanos, inventados por seres humanos e construida um tradição sobre esses pressupostos, isto leva-nos ao absurdo pois por esa via estava-se a ver quando surgisse algo como a ciencia que explica os fenomenos sem recorrer a essas supostas divindades (que por sua vez para serem estudadas se recorre a humanos que falam das mesmas ou seja para se explicar causas naturais recorre-se a opiniões de seres humanos que podem e estão erradas devido quer ao preconceito, desconhecimento ou atraso no conhecimento da epoca)o sistema de pensamento que recorre a essas divindades iria ruir e está a ruir cada dia que passa simplesmente porque não é a melhor maneira de explicar os fenómenos.
E para que possam vir em defesa da teologia pergunto como seria possivel através da teologia terem sido inventados os computadores e a internet através dos quais estão a dialogar neste blog
Rita
Não vá por esse caminho da "Idade Média" porque não é bom. Se fizer isso então tem de reconhecer a responsabilidade da ciência na construção da bomba atómica, nas armas de destruição maciça, na produção de vírus para guerra, etc, etc. E não venha com a treta que a culpa é dos políticos, fazendo dos cientistas uns patetas alegres e inconscientes.
Num assunto difícil como a demonstração da existência de Deus nem eu nem a Rita podemos ter certezas absolutas. Por isso é que os crentes têm fé e os ateus, por falta de melhores argumentos, usam umas patetadas pseudo-científicas.
O que não podemos, nem eu nem a Rita, é deixarmos que as nossas crenças nos toldem o juízo e nos tornem em seres intolerantes, fanáticos e extremistas.
Ambos, eu e a Rita, temos direito à difusão das nossas ideias e crenças, mas nem eu tenho o direito de amar à força quem não quer ser amado por mim nem a Rita tem o direito de procurar mandar a religião para o privado.
O problema que se coloca, a crentes e a não crentes, é o poder. Quem define regras sociais e éticas? O zoológo Richard Dawkins que vende t-shirts por 20 dólares no seu site ao mesmo tempo que propaga, cheio de fanatismo, um ateísmo irracional, incapaz de provar o que quer que seja e por isso defendendo-se no estilo de discurso do comentador armando quintas?
Ou devo seguir o Deus que me dá conselhos simples tais como "respeita pai e mãe", "não mates", "não roubes" nem "cobices mulher alheia", tudo regras que me ajudam a evitar uns valentes enxertos de porrada dado que ninguém gosta que lhe cobicem a mulher nem roubem o carro?
Devo abandonar Deus que me dá suprema liberdade e me pede coisas simples ou devo seguir um palerma qualquer que um dia diz que é bom os humanos fazerem sexo com cavalos e no outro nos diz que temos todos de enfiar um plástico no nariz porque isso nos aumenta a esperança de vida?
Se eu estiver errado, qual é a consequência para o mundo? Menos 10 mil abortos porque as minhas ideias venceram na sociedade onde vivo? Menos 30 mil roubos e mortes porque quem não matou e não roubou era crente e seguia os mandamentos divinos? Não me parece mal. Sei lá se evitei que um novo Eisntein não tivesse nascido ou, suprema presunção, permiti o nascimento do futuro cientista que um dia demonstrará que Deus não existe.
Se a Rita vencer o que acontece? Uma sociedade onde tem o poder de decidir quem vive e quem morre? Um mundo em que a ética é uma moda que muda conforme um palerma qualquer inventa umas equações esquisitas e nos diz que por causa disso temos de bater no rabo 3 vezes ao dia?
Não podemos tornar a ciência uma nova religião, Rita. Eu mudo as minhas convicções se a ciência me mostrar que estou errado. Até agora isso não sucedeu. Vou esperar para ver. Até lá continuo crente. Mas não fanático e intolerante. Nisto estou ao lado da Rita. A ateíada não me incomoda tal como sei que a beatada não a incomoda a si.
Ficou escrito para memória futura : palavras de um judeu circuncisado
[Mateus, 5:1-3,17-20], edição revista e actualizada de João Ferreira de Almeida :
1 - Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos;
2 - e, abrindo a boca, os ensinava, dizendo:
3 - Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus;
...
17 - Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cumprir.
18 - Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tudo seja cumprido.
19 - Qualquer, pois, que violar um destes menores mandamentos e assim ensinar aos homens será chamado o menor no Reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no Reino dos céus.
20 - Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no Reino dos céus.
"respeita pai e mãe", "não mates", "não roubes" nem "cobices mulher alheia".
Bolas! Eu não sou crente mas não sou uma besta!!!
Não preciso de nenhum código de ética "revelado por Deus" para respeitar os meus pais!!
O António Parente que afirma respeitar os outros, parece estar a chamar-lhes atrasados mentais!
Se você precisa da biblia para não roubar é consigo! Mas acredite que nem todos somos assim!!
Cmpts
tony
“DOS PREGADORES DA MORTE
Há os terríveis, aqueles que trazem dentro de si o animal de rapina e que não têm por onde escolher, a não ser entre os prazeres e a autodilaceração. E até os seus prazeres são também autodilaceramento.
Ainda nem sequer seres humanos chegaram a ser, esses entes terríveis, que preguem a renúncia à vida e desapareçam eles próprios!
Há os tísicos da alma, que, mal nasceram, começam já a morrer e anseiam por doutrinas de cansaço e de renegação. É com gosto que querem estar mortos e nós deveríamos aprovar a sua vontade! Livremo-nos de despertar esses mortos e de danificar esses caixões vivos!
Basta-lhes encontrar um doente, um velho ou um cadáver, e logo dizem que «a vida está refutada»!
Mas só eles é que estão refutados, eles e o seu olhar, que vê apenas uma única face da existência.
Envoltos em espessa melancolia e desejosos dos pequenos acasos que trazem a morte, é assim que eles esperam, cerrando os dentes.
Assim Falava Zaratustra, Friedrich Nietzsche, Relógio d’Água, Março de 1998, pp. 51-52.
tony
curioso como não referiu o "cobiçar a mulher alheia".
e não seja tão susceptível. ninguém o ofendeu, muito menos eu. só nos ofende quem pode e não quem quer. e eu não posso nem quero.
Cumpt
também não falei do "não mates"!
não acha curioso?
;)
tony
por acaso achei mas como o vi excitado resolvi não o aborrecer mais; entendi que a referência à cobiça amenizava o tema... ;-)
Caro Ricardo:
Folgo em ler o seu comentário. Acredito que é possível uma boa discussão sem sair do campo dos argumentos legítimos, mesmo quando mantemos posições diferentes.
I.
1. Comecemos por aquilo que diz ser a minha tese essencial: a de que «ciência e teologia não têm relação».
1.1. Ora bem, em primeiro lugar, eu não falei de teologia, mas de religião. As distinções podem parecer às vezes enfadonhas, mas são necessárias. O problema de Deus não se identifica com o da religião, nem com o da fé, nem com o das religiões, nem com o da teologia. Uma das maiores dificuldades que vejo em algumas discussões aqui é precisamente o passar de um nível para outro sem os devidos cuidados.
1.2. Em segundo lugar, o que tenho dito é que contesto a ideia de que a ciência e a religião são incompatíveis no sentido de que uma pessoa que adira a um dos termos da comparação tem necessariamente que excluir o outro.
Sobre isto vale a pena um pequeno «parêntesis». O texto que a Rita cita em comentário a seguir levanta uma questão que é interessante, mas que eu já descartei anteriormente, por várias vezes: o problema «epistemológico». Aí opõe-se ciência e fé, numa confrontação de tipo epistemológico. Mas isto significa que se parte de um pressuposto que não está justificado: a ideia de que fé e ciência disputam o mesmo nível epistemológico. Ora, isso não é verdade. Se tal fosse verdade, e permita-se de novo o exemplo dos cientistas crentes, um cientista crente seria uma «contraditio in terminis». Mas não é, desde que o cientista saiba distinguir os dois âmbitos: não usa o microscópio «por fé», nem crê em Deus por experiência laboratorial. De resto, há outro problema de fundo, evidente para mim, mas que vejo sê-lo menos para a maior parte das pessoas que por aqui escrevem: o centro da fé não é «epistemológico», pelo que me parece bastante artificial a confrontação entre fé e ciência como se estivéssemos diante de duas visões epistemológicas em competição. A muito repetida mas desafortunada definição de fé dada pelo Desidério tem contribuído para esta confusão.
Então – e porque às vezes corremos o risco de falarmos do mesmo com palavras diferentes – é preciso notar que ao dizer que ciência e religião não são incompatíveis, não significa que em ciência se pode agir «por fé» (aqui «fé» no sentido popular). Para mim isso é tão evidente que me parece desnecessário sublinhá-lo. A minha reiterada afirmação de que ciência e religião pertencem a âmbitos diferentes reforça a ideia de uma autonomia e, ao mesmo tempo, de que não concebo uma necessária dicotomia entre as duas quando se trata das nossas opções.
1.3. Em terceiro lugar, a autonomia e diferença de âmbito que eu defendo não significa falta de relação. Note-se que falei em não exclusão (ou não incompatibilidade). A ver se me explico.
a) Quando digo que ciência e religião são autónomas e não automaticamente excludentes (talvez este termo explique melhor o que quero dizer quando digo que não são incompatíveis), isso significa que:
- ciência e religião pertencem a âmbitos diferentes da vida humana;
- não é legítima a ingerência de uma sobre a outra (tenho dado o exemplo do criacionismo como tentativa de introduzir na ciência elementos metafísicos, teleológicos e até teológicos, estranhos à ciência).
b) O facto de serem realidades autónomas e não excludentes não significa, naturalmente, ausência de relação, ideia que o Ricardo diz ser a minha tese. Não. Ao dizer que são âmbitos diferentes «da vida humana» faço notar que eles têm alguma relação enquanto referidos ao homem. Porque pertencem a âmbitos diferentes, isso não significa que não exista nenhuma relação entre elas. Uma tal posição seria, sim, um voltar montanha abaixo. Mas Sísifo vai poder descansar. Contudo, ao dizer que não excluo uma relação entre os dois âmbitos, abre-se um tema que creio não ter tocado por aqui: o do tipo de relações que se estabelecem ou podem estabelecer.
2. Talvez esta ideia de dois âmbitos diferentes e autónomos, sem exclusão mútua e com alguma relação se possa explicar da forma que se segue, mesmo que simplificando um pouco.
2.1. Partamos da ideia comum de que a ciência pertence ao âmbito epistemológico, do conhecimento da realidade física. Ao dizer «realidade física» já restringimos de alguma forma o «campo» de actuação. Não dizemos «toda a realidade», mas «realidade física». Há alguma realidade não física? Eu creio que sim, mas prossigamos.
2.2. Vejamos agora o âmbito da religião. [Atenção: não estou ainda a falar de nenhuma religião concreta.] Será um âmbito estritamente epistemológico? Não, não é. Isto não significa que não existam elementos de «conhecimento» em religião (claro que existem), mas são de ordem diferente. Desde logo tais conhecimentos não são sobre o físico. Que nome daremos a este âmbito? Saltando agora elementos mais complicados, chamemos-lhe o âmbito do fundamento último da realidade enquanto referido a um absoluto. Isto dava matéria para um longo texto, mas fiquemo-nos por um leve esboço. Pela ciência nós conhecemos ou caminhamos no conhecimento do «como» das coisas, mas a ciência pouco ou nada pode dizer sobre o significado último dessas coisas. Podemos prescindir de um absoluto «divino» para tal significado ou fundamento último, mas, em qualquer dos casos, já não estamos no domínio da ciência. Duas analogias para que se possa compreender como uma mesma coisa pode ser vista em âmbitos ou «pontos de vista» diferentes. Primeira analogia: eu tenho um anel de ouro, de que a ciênciame pode dar um exaustivo estudo físico: peso, massa, estrutura molecular, etc. Se esse anel é um presente, uma herança, uma compra ou um roubo, isso é indiferente para a ciência, mas em qualquer dos casos temos um significado humano que pode ser bem diferente. Segunda: um homem cai de um décimo quinto andar e morre. Do ponto de vista físico o fenómeno da queda é bastante fácil de estudar, mas do ponto de vista humano não é o mesmo que se trate de um acidente, de um suicídio ou de um homicídio. Estas analogias servem apenas para indicar como a mesma realidade pode ser vista e analisada em âmbitos diferentes. Seria insensato pensar que a queda de um homem do quinto andar é apenas assunto de ciências. Por outro lado, a determinação do significado «humano» da queda não invalida o estudo científico da mesma. Complementam-se.
2.3. Ora, torna-se agora mais fácil ver o que quero dizer com a autonomia, a não-exclusão mútua e a existência de relações entre os dois âmbitos quando falo de ciência e religião. O âmbito estritamente científico não diz tudo sobre a realidade. Sobra muito campo para muitas áreas humanas. Por exemplo, o estético. E também o religioso. Da mesma forma que o estético não entra em competição epistemológica de mesmo nível com a ciência, o mesmo digo em relação à religião. Mas da mesma forma que não avalio a Estética com os critérios de cientificidade, também não posso avaliar a religião pelos mesmos critérios de cientificidade. A religião tem um âmbito próprio, que aqui defini, mais ou menos provisoriamente, para evitar mais complicações, como o âmbito do fundamento com referência a um absoluto. Pode a ciência anular tal absoluto? Não, da mesma forma que a ciência não pode anular uma determinada valoração estética, por «anticientífica».
Segue uma segunda parte. Cumprimentos,
Alef
II.
1. Passemos agora ao seu terceiro parágrafo, que toca vários aspectos interessantes, que não posso tratar na totalidade. Começa por abordar a questão do objecto da teologia. Suponho que aqui falamos em teologia tendo como pano de fundo o judeo-cristianismo, sobretudo o cristianismo. Bem, eu não creio que se possa dizer assim tão rapidamente que a teologia é «mero o estudo do fenómeno divino». Todas e cada uma destas palavras é problemática e explicar tudo isto levar-nos-ia para outros lados. Mesmo simplificando, o que a teologia faz é buscar a «inteligência» (ou talvez o «logos») do dado revelado, pressuposto o passo da fé. E o que é a fé? É a adesão pessoal (um acto que engloba a inteligência, a vontade e o sentimento) a um absoluto que se reconhece como verdadeiro. Estamos num campo completamente diferente do campo científico ou do campo epistemológico. Em bom rigor, a teologia nem sequer trata a questão da existência de Deus. Pressupõe um âmbito de adesão pessoal (=fé) ao divino revelado. Ora bem, ao contrário do que se pensa habitualmente, este âmbito não se centra no plano epistemológico da ciência, mas tem a a ver com aquilo que podemos chamar o significado último ou fundamento da realidade. Claro, como já lembrei antes, uma pessoa pode prescindir desse fundamento último, pode tomar uma opção pelo não absoluto (ateísmo) ou tomar uma atitude «suspensiva» (agnosticismo). Mas pode também reconhecer nesse «fundamento» uma realidade divina. Antes de considerar propriamente a «razoabilidade» (palavra importante!) de cada uma das tomadas de posição, seria importante ver se a questão do fundamento da realidade é pertinentes ou não. Por aqui podemos encontrar as «fronteiras» entre a filosofia e a teologia. Alguns bons autores se interessaram por este tema, de que destaco o teólogo Karl Rahner, nos livros «Espírito no Mundo» e «Ouvinte da Palavra», livros de importante peso filosófico.
2. Mas o Ricardo toca ainda outro ponto fundamental que importa comentar: o problema das «relações históricas» entre ciência e religião, quando diz que «a não ser que esse divino ou essa religião andem em bicos de pés para não tocarem no mundo natural, há alguma sobreposição com o conhecimento científico (ciências naturais, sociais e humanas)». E exemplifica: «A bíblia começou por ser entendida como a verdade literal. Quem veio desmenti-la senão os avanços das ciências? A análise da bíblia como verdade literal não é também religião, não é também teologia?». E continua: «O irracional tem coexistido sempre com o advento e desenvolvimento do conhecimento científico, mas curiosamente tem sido o irracional das religiões convencionais que mais tem decaído».
Comento: embora sejam necessárias muitas distinções, há aqui alguns elementos correctos. Tentemos destrinçar uns e outros. Comecemos pela questão da Bíblia. Diz que a Bíblia começou por ser entendida como verdade literal. Ora, isto precisa de ser bem entendido e de não cairmos em anacronismos. Do ponto de vista literal, a Bíblia está cheia de contradições literais e é impossível que os hebreus/judeus não se tenham dado conta disso: duas narrações bem diferentes da criação e não apenas uma; duas narrações bem diferentes do êxodo, etc. A forma como o Ubíquo se diverte com o seu «brinquedo» das contradições bíblicas tem a sua «graça». O que importa ver é qual era o centro de tais relatos bíblicos. Se prestarmos atenção, veremos que o «literal» aqui não significa que a Bíblia descreva o exacto «como» (então, como se explicam as duas versões do relato da criação?), mas o «porquê» e o «para quê». É muito interessante comparar os mitos mesopotâmicos com os relatos bíblicos. Um primeiro olhar leva à conclusão de ter havido «plágio» ou cópia, mas uma leitura mais atenta mostra que estamos perante algo muito especial: através de uma linguagem mítica comum ao espaço onde viviam os judeus exilados, pôs-se por escrito uma teologia diametralmente oposta: não vários deuses, mas um só; os astros como criaturas, não deuses; o homem não como feito de restos de deuses derrotados e feitos para servirem os deuses vencedores, mas feito do húmus, à imagem e semelhança de Deus, participando da mesma «ruah» (espírito); não o resultado de uma luta de dois princípios, um bom e outro mau, mas fruto de um projecto de comunhão entre Deus e o homem; etc., etc. Onde está o centro da mensagem? Não está no «como» do relato, mas na matéria teológica, isto é, naquilo que se diz de Deus revelado.
A propósito, há um erro muito comum entre quem fala contra o Cristianismo sem o conhecer: confundir a revelação com a Bíblia. Não são a mesma coisa. E no Cristianismo nem sequer é totalmente correcto falar em «religião do livro», por muito estendida que esteja esta denominação, estendida às três grandes religiões monoteístas. Outro erro é o de confundir inerrância com ausência de erros factuais.
3. Ora bem, mas nem sempre as coisas foram assim tão claras, de facto. Claro que historicamente houve «sobreposições», algumas lamentáveis. Como direi em seguida, penso que as relações entre a religião e a ciência passam também por eliminar as indevidas «sobreposições». Os problemas existiram ou existem quando se pretende com a Bíblia estabelecer o «como» que pertence à ciência. Quando a Bíblia diz que Deus tudo cria por amor, essa é uma questão que escapa completamente à ciência, como escapa à ciência que o anel que tenho tenha sido um presente. Mas se de um relato bíblico, que é um poema (!), estruturado com uma intenção litúrgico-ritual (para sublinhar a importância do repouso de sábado), eu pretendo forçar a ciência a dizer que o universo se formou em sete dias e que tem uma idade de 6010 anos, aí estou a entrar num campo que não me pertence, nem é essencial na religião. Neste aspecto, creio que a ciência pode contribuir para uma saudável purificação da própria religião, no sentido de se centrar naquilo que é verdadeiramente essencial. A Bíblia é um livro de fé, não de ciência e só faz bem à religião (agora falamos, evidentemente, no contexto cristão) ater-se àquilo que lhe é próprio.
4. Quanto ao meu exemplo dos cientistas crentes, Einstein não é propriamente aquele a que me refiro. Já falei no assunto antes. Há muitos cientistas da actualidade que são crentes e neles convivem perfeitamente a fé a ciência. Conheço vários. No caso português, já alguns se referiram aqui ao caso de Luís Archer, que é cientista e sacerdote católico, mas poderiam ser dados muitos outros exemplos. Em tempos usei aqui contra os criacionistas citações de cientistas do Observatório Astronómico do Vaticano. O ter mencionado este exemplo destinava-se simplesmente a fazer notar, em contexto polémico, que não é verdade que quem se dedicar à ciência tenha de excluir da sua vida uma pertença religiosa. O que tem que ter em conta é a diferença de âmbitos e abordagem, sem confundir. Sirvam, de novo, as analogias.
5. Nota ainda: «há uma tendência progressiva para o ateísmo na biologia, e uma tendência crescente para a crença na física». Isto levanta muitas questões, uma das quais pode ser o problema das «portas» (im)possíveis para equacionar uma realidade-fundamento absoluta. Não tenho nenhuma teoria sobre o assunto. O que me parece é que qualquer questão científica levada a fundo leva a problemas que já não são estritamente científicos mas filosóficos e que «no entretanto» há sempre a possibilidade para a questão de Deus. Mas, atenção, não é propriamente no interior mesmo da ciência que ela se coloca enquanto questão científica. De resto, a «questão» de Deus tanto pode «aparecer» ao estudar um problema de física como ao ouvir uma música (García Morente, ao ouvir «L’enfance du Christ», de Berlioz), ao querer consolar (sem fé) uma viúva (Edith Stein, com a viúva de Reinach), etc., etc. Mas considero um erro considerar a questão de Deus como primordialmente epistemológica. A questão do desconhecido coloca-se, mas não é necessariamente a única.
Bem, parece-me que me excedi no texto. As minhas desculpas e cumprimentos,
Alef
Rita...
cala-te.
Por vezes até tens razão mas és uma grande chata.
RITA
Estou pacientemente à espera que me explique isto que disse:
"Ah! Faltou explicar porque disse O problema do António Parente, e do Alef e do Daniel, é que confundem ateísmo com ciência.."
É que, além de não convencer com o que tentou explicar a respeito do Alef, nada consta sobre mim nem sobre o António Parente. Arranje aí ao menos uma frase em que possa provar isso.
Gostaria de realçar que a ciência e a religião tem bases e propósitos diferentes na compreensão do nosso mundo vivido, logo considero que misturar estes dois conceitos é puramente falacioso. Contudo há certas “evidências” obtidas pela física que podem levar os menos incautos à afirmação da existência de um propósito divino na formação do nosso universo, como já li na net sobre o problema de fine-tuning. Quando estamos a fazer ciência temos que nos restringir a uma base de raciocínio científico com a aplicação formal de um certo número de premissas, contudo há que referir que ciências como a física não explicam como o universo funciona, mas sim tenta encontrar modelos que mais se ajustem a este. Podemos dizer que temos o mundo Físico (aqui entendemos como universo) e o mundo ideal (aquele que é construído pelos modelos encontrados pela ciência), estes último tende a aproximar-se cada vez mais do primeiro.
A religião não tem este método de actuação, mas não podemos dizer quer que são contrários. Pois para o dizer teríamos que fazer uma demonstração formal o que é impossível sendo a definição de divino já de si pouco precisa.
Em suma a ciência é o método para descrevermos o nosso universo e a religião pode ser um modo de encontrarmos um significado para ele. Antes de terminar gostaria de dizer que me acho agnóstico pois como aprendiz de físico não posso afirmar a existência ou não daquilo que nunca verifiquei experimentalmente.
Caro Alef:
Gostei muito de ler a sua resposta, mas pela extensão terá de me dar algum tempo para encontrar tempo para lhe responder...
Cumprimentos,
Ricardo
Quando se fala de ciência e de crença há certos cuidados a ter, não podemos dizer que o que não se entende pode ser divino.
A Rita tem neste blog uma atitude de descrença- o que é legitimo- e a meu ver considero que este blog é ateu pois a ciência pressupõe a tentativa de explicar e demostrar tudo com base sólida. Contudo há quem tente encontrar uma base menos demonstrativa para explicar o sentido da sua existência ( que é legitimo). A religião não tenta explicar o mundo de uma forma sólida (com demonstração) pois se assim fosse teríamos uma ciência (como demostrar a existência de algo que só se pode sentir?), assim como se a ciência explicasse tudo e não pudesse ser contestada por tudo estar demostrado seria uma religião.
Quando tentamos demostrar um processo físico a religião não pode interferir no nosso raciocínio, ou seja no processo criativo o cientista tem de ser ateu por definição. Contudo pode fazer uma análise religiosa à posteriori, mas nunca pode incluir isso no seu trabalho científico.
A ciência não pode dizer quantos anos é que o Universo tem, pela simples razão de que ninguém estava lá para ligar o cronómetro no momento em que Deus criou o Universo.
O facto de certos fenómenos observáveis hoje ocorrerem a certas velocidades (v.g. movimento da luz, decaimento de isótopos) não quer dizer que essas velocidades se tenham mantido sempre constantes desde a criação do mundo. Ninguém pode afirmar isso concerteza.
Daí que a ciência não nos possa dizer qual a idade do Universo, mas apenas qual a idade que ele teria se os processos observáveis hoje se tivessem mantido constantes (sendo que as idades obtidas variariam muito de acordo com os diferentes processos físicos) desde o princípio do mundo e se um agente sobrenatural não tivesse usado processos criativos totalmente subtraídos à observação empírica hoje.
A ciência tem métodos de estimar a idade do universo. Está a colocar o problema da constância da velocidade da luz muito em voga (mas ainda se trata de especulação cientifica), bem o que lhe posso dizer é que a velocidade da luz não se alterou nos últimos 60 mil anos (se é que algum dia se alterou) por isso a sua teoria de 6000 anos para o planeta terra é descabida.
Contudo à gente muito melhor informada sobre os paradigmas da cosmologia actual. Pergunte-lhes eles explicam melhor.
Anonimo,
que grande confusão.
A velocidade da luz é constante (no meio, neste caso assume-se vacuo), o que não é constante é o tempo.
A primeira implica a segunda.
Cumpts
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