De acordo com um relatório preliminar a que o International Herald Tribune teve acesso, as agências ambientais europeias propuseram banir sementes de milho transgénico produzidas pela Pioneer Hi-Bred (DuPont), Dow e Syngenta. Segundo o IHT, a decisão final sobre o assunto é esperada para breve e as conclusões preliminares do relatório circulam já pelos corredores da Comissão Europeia. O IHT informa igualmente que manifestações de cepticismo em relação a esta proibição circulam igualmente pelos mesmos corredores, essencialmente devido a receios das reacções da indústria e de um exacerbamento das tensões com importantes parceiros comerciais como sejam os Estados Unidos.
O comissário europeu do ambiente, Stavros Dimas, refere no relatório que as espécies geneticamente modificadas em questão - que não são cultivadas na Europa - podem ser eficazes a matar algumas espécies benéficas, como sejam borboletas, como a borboleta-monarca, e outros insectos que entram na cadeia alimentar de predadores aquáticos. Segundo Dimas, a morte destes insectos pode ter consequências inesperadas e drásticas nestes ecossistemas.
Apenas uma semente de milho geneticamente modificado é cultivada na Europa, um variante de milho BT produzida pela Monsanto e nove outras companhias. O milho BT teve origem exactamente na mesma França cujo presidente, Nicolas Sarkozy, asseverou o mês passado pretender proibir o cultivo de GMs no país. De facto, desde 1938 que a bactéria B. thuringiensis passou a ser utilizada em larga escala para prevenir os estragos nas plantações francesas produzidos por várias pestes, incluindo a larva da broca europeia do milho, Ostrinia nubilalis. Durante quase 70 anos não se detectaram quaisquer efeitos adversos deste pesticida natural de forma que a bactéria é utilizada nas culturas ditas orgânicas.
Esta bactéria mata insectos através de duas classes de toxinas: citolisinas (Cyt) e delta-endotoxinas ou proteínas Cry (proteínas presentes em inclusões cristalinas produzidas durante a esporulação do Bacillus thuringiensis). Enquanto as proteínas Cyt são tóxicas para insectos das ordens Coleoptera (escaravelhos) e Diptera (moscas), as proteínas Cry afectam especialmente a ordem Lepidopterans (borboletas e traças).
As proteínas Cry são protoxinas que necessitam ser partidas por enzimas digestivas do próprio insecto, como a tripsina, para libertar um peptídeo que funciona como insecticida. A tripsina está presente em lepidópteros, dípteros e coleópteros. Uma vez partida a proteína, esses peptídeos, cuja estrutura depende da delta-endotoxina original, ligam-se a receptores específicos na membrana das células epiteliais (do intestino do insecto), o que resulta na ruptura dessas células e na morte do insecto. Diferentes estirpes de BT apresentam diferentes proteínas Cyt e Cry e a identificação dos genes que codificam estas proteínas permitiu escolher os alvos da sua acção insecticida e simultaneamente garantir que não são tóxicas para humanos.
A produção de milho BT assenta no biotecnólogo da Natureza, uma bactéria chamada Agrobacterium tumefaciens que induz o crescimento de tumores em muitas espécies de plantas dicotiledóneas. Estes tumores são devidos a uma transformação bacteriana única que envolve os plasmídeos Ti (Tumour Inducing) que coordena a inserção de parte do ADN deste plasmídeo (t-ADN contendo genes da sintase de opinas) no ADN cromossomal da planta. As opinas são nutrientes para as bactérias que as plantas não infectadas são incapazes de produzir, isto é, a A. tumefaciens manipula geneticamente a célula vegetal para os seus próprios interesses.
Substituindo parte da sequência de t-ADN da A. tumefaciens com os genes pretendidos (como os que codificam proteínas Cry) foi possível utilizar este mecanismo para produzir monocotiledóneas, como milho ou arroz, alteradas.
A resistência à introdução do milho BT, na realidade milhos BT que produzem diferentes proteínas Cry dirigidas a pestes específicas, cultivado em larga escala nos Estados Unidos e noutros países, tem-se verificado particularmente na Europa.
Jorgo Riss, director europeu da Greenpeace, com o apoio da Friends of the Earth e outros grupos, escreveu a Durão Barroso corroborando as recomendações de Stavros Dimas. Riss pede ainda que a decisão de banir estas sementes não seja adiada e afirma que «A grande maioria dos cidadãos europeus opõe-se a plantas geneticamente alteradas na agricultura e na alimentação».
Barbara Helfferich, porta-voz de Dimas, informou que as conclusões do comissário europeu podem ser avaliadas nas próximas semanas, mas quer ela quer um porta-voz de Durão Barroso afirmaram que ainda não foi estabelecida uma data para a tomada de decisão.
Referências:
1. Van Frankenhuyzen, K. in Bacillus thuringiensis, An environmental biopesticide: Theory and practice (John Wiley & Sons, 1993).
2. Whalon, M.E. & Wingerd, B.A. Bt: mode of action and use. Arch Insect Biochem Physiol 54, 200-211 (2003).
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13 comentários:
Eu suponho que o estudo recente publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences U.S.A.(http://www.pnas.org/cgi/content/full/104/41/16204), onde se mostra um efeito bastante nefasto para as populações de insectos em ecosistemas aquaticos vizinhos com consequencias ainda imprevisíveis, vem reforçar um eventual medidade proibição do milho trangénico na Europa.
Aqui está mais um tema da maior actualidade.
É interessante observar como, pela mão dos média, episódios de dinâmicas muito mais complexas assumem uma relevância que considero desproporcionada. Este caso do milho genéticamente modificado é mais um excelente exemplo: não se põe em causa o modelo estrutural subjacente - a agricultura industrial - mas uma das suas particularidades. Com a agravante de que, do ponto de vista dos impactos directos, a comparação entre o cultivo de milhos geneticamente modificados e a produção convencional, possa sair desfavorável a esta.
Aqui há uns anos apareceu na região de Odemira um empresário do "jet-set" internacional decidido a cultivar horticolas numa propriedade de 500 ha. Não houve ambientalista que não tivesse ficado indiganado com os impactos que se adivinhavam, nomeadamente os mesmo ambientalistas que até ao dia anterior tinham ignorado olimpicamente os inenarráveis impactos dos milhares de hectares que já se cultivavam anualmente de arroz e milho na bacia hidrográfica do Mira.
Existe um óbvio paralelo entre esta situação e a tão badalada questão do "aquecimento global". De repente é como se todos os impactos da civilização do petróleo se resumissem no efeito-estufa, e enquanto todas as atenções se centram neste aspecto escamoteia-se o modelo que o produz.
Voltando ao caso do milho, penso que seria interessante elaborar um comparativo entre a prática ancestral de selecção de sementes e a técnica explicada neste post. É provável que se encontrem algumas surpresas.
Não deixa também de ser interessante que entre os objectores dos OGM's, se encontrem muitos dos mais acérrimos defensores da produção de etanol como biocombustivel. Mas é mesmo esta a natureza da onda neo-verde que por aí tem avançado como um tsunami imparével.
não deixa de ser curioso observar a greenpeace a preferir comer vegetais infestados de químicos do que vegetais genéticamente modificados. também não deixa de ter piada ouvir vozes à esquerda objectar contra os mesmos vegetais genéticamente modificados: será que querem alimentar as massas com agricultura biológica? ahah... cultura científica, onde estás tu quando és precisa?!
Alguém me explica qual é a diferença fundamental entre borrifar o milho com litradas de bactérias produtoras de toxinas e ter o milho a produzir essas toxinas?
Ou porque é que um é vendido a peso de ouro como "milho de agricultura biológica" e o outro tem os neo-verdes a berrar que é milho frankenstein...
Se o problema são os insectos que se alimentam do milho e os ecossistems marinhos para mim não há grande diferença entre os dois.
Mas pode ser que esteja a ver mal a coisa...
"Riss (...) afirma que «A grande maioria dos cidadãos europeus opõe-se a plantas geneticamente alteradas na agricultura e na alimentação»."
Gostaria de saber como é que Riss sabe tal coisa. Sobretudo considerando que é provável que muitos europeus nem sequer saibam o que sao os OGM's.
Provavelmente o Riss fez as contas do costume: os cidadãos de qualquer parte normalmente opõem-se ao que desconhecem.
É por isso que agradeço mais este post da prof. Palmira que bastante contribui para nos tirar da ignorância.
"Alguém me explica qual é a diferença fundamental entre borrifar o milho com litradas de bactérias produtoras de toxinas e ter o milho a produzir essas toxinas?"
Do pouco que percebo a diferença principal é que se as sementes borrifadas forem parar ao quintal do vizinho este não sofre penalidade legais e se as sementes GM forem lá parar e se reproduzirem o homem pode ser conduzido à barra do tribunal (porque essas sementes estão protegidas legalmente)... Ou estou enganado? Isto é claro, é só uma perspectiva do problema...
Ao Pedro: a diferença é que a toxina borrifada só se activa quando é comida pelo insecto, enquanto a toxina produzida nos tecidos das plantas Bt já está activa. Espero que a sua pergunta tão simples que podia ter sido esclarecida com uma pesquisa na net se realmente a quisesse respondida agora esteja resolvida.E já agora, vá perguntar o preço das sementes de milho GM aos produtores e depois diga-me qual é que é vendido a peso de ouro.
Ao ca: exactamente por não saberem e terem direito à informação que não lhes foi fornecida é que se opõe. Riss teve acesso a essa informação da mesma maneira que vc pode ter - lendo os jornais.
Outros estudos que gostava de ver divulgados aqui seriam aqueles que actualmente obrigam os produtores de milho GM a guardar locais de refúgio - partes de campo plantados com milho normal - para evitar que o desenvolvimento de resistências das pestes se agrave, ou aquele em que milhares de ovelhas morreram na Índia por terem pastado nos campos de algodão Bt.
Aos mesmos e restantes cegos voluntários, chamo a atenção para a frase do post:
«manifestações de cepticismo em relação a esta proibição circulam igualmente pelos mesmos corredores, essencialmente devido a receios das reacções da indústria e de um exacerbamento das tensões com importantes parceiros comerciais como sejam os Estados Unidos». Ups. Afinal trata-se de não perdermos a corrida económica? Ninguém fazia ideia.
De qualquer maneira, enquanto o preconceito contra os "ambientalistas" não vos passar, duvido que estejam em posição de formar uma opinião sobre o assunto. O mal é vosso. Se só sabem ver as coisas tipo ambientalista/cientista, ou esquerda/direita, eu acho que há gente nesses grupos todos que se preocupa com a sua saúde e com não dar cabo do ambiente. Acham que não há estudos e cientistas que se manifestam abertamente contra os OGM? Wake up and smell the pollen. Mas cuidado que pode ser GM e já houve gente nas Filipinas a ficar doente nos campos de milho Bt.Procurem, em vez de serem, como todo o bom português, treinadores de sofá.
Cumprimentos,
Rita, Bióloga
como habitual na Palmira é um texto que tem uma preocupação pedagógica.
A partir da explicação dada, por ela ser necessariamente simples, dado o contexto em que é dada, não pode fazer-nos esquecer que na natureza as coisas se passam com maior complexidade, complexidade essa que fundamenta os alertas que muitos investigadores têm dado relativamente aos OGM.
É o que sucede também, por exemplo, com as detalhadas explicações sobre a fisiologia das plantas para provar a impossibilidade de contaminações, e no entanto, penso que hoje ninguém discute que seja de que maneira for "que las hay las hay".
A passagem do IHT sobre o "cepticismo" de alguns comentadores sobre a possibilidade de se banirem os OGM, sugere as pressões que estão em jogo para permitir o cultivo, quando vulgarmente são os defensores dos OGM quem acusa os detractores de estarem por detrás de "interesses económicos", "obscuros" de preferência.
Aliás, toda a argumentação dos vendedores de OGM é uma adaptação do método já seguido com sucesso pelos neo conservadores. Analisar as ideias do adversário ( neste caso os ecologistas ) comê-las por dentro e virá-las ao contrário. É assim que neste momento temos os OGM como panaceia universal para acabar com a fome no mundo, para acabar com a obesidade, para promover o desenvolvimento do terceiro munso, para cortar nas emissões de carbono, reduzir pesticidas, consumo de combustíveis fósseis, etc... etc... é a nova utopia.
Agradecendo aos ilustres participantes neste debate o especial obséquio de não alinharem o meu discurso com nenhum dos extremos em contenda, deixaria um comentário que bebe directamente do comentário do Rui.
A "nova utopia" de que o Rui fala parece-me que já tem décadas, chama-se agricultura industrial, e o que nos propõe hoje via OGMs mais não é que uma nova versão de uma estratégia antiga de cash-crop, que trará, à semelhança de métodos anteriores, uma interminável parafernália de impactos, muitos deles ainda por desvendar. Preferiria chamar "nova Utopia" à dinâmica neo-verde que garante que tudo isto se resolverá com a Agróbio, os biocombustiveis, os aerogeradores e as centrais de biomassa. Quer dizer: a malta monta um aerogerador no quintal, compra alimentos que a Agróbio certifica, usa biodiesel no carro. muda as lãmpadas de incandescência, recicla tudo quanto puder e...já está ?
Não andaremos todos a perder tempo precisoso porque temos receio de discutir o essencial - o modo de vida burguês que a civilização do petróleo promoveu ?
Há décadas que quem percebeu as permissas da ecologia do Odum, tenta promover este debate. Mas em vão. Porque aparecem sempre novas ondas de verdura que garantem a quem não se quer incomodar muito que foi desta que se encontrou a "solução".
o comentário do Manuel é oportuno porque relembra que há décadas que existe a convicção de que a capacidade de produção da agricultura industrial é suficiente para "acabar com a fome no mundo" e teoricamente, talvez seja verdade. Se não funcionou foi por razões que não têm a ver com a capacidade de produção só por si. Este facto torna ainda mais ridícula a urgência em generalizar os OGM para resolver aquele problema.
Já a questão do "modo de vida burguês", é mais complicada. Em primeiro lugar porque é mais difícil e nesta fase certamente menos traumático impedir a disseminação dos OGM ( e falo em bloquear porque me parece uma ameaça ambiental qualitativamente mais perigosa em termos globais ) do que "acabar com o modo de vida burguês". Esse parece-me um objectivo tão vago, vasto e utópico que é inoperante. Como se costuma dizer, o "óptimo é inimigo do bom". Os OGM significam enterrarmo-nos cada vez mais no tal "paradigma burguês", e não o contrário.
De resto o Manuel intui o que está em jogo. Quando refere (e eu concordo) o logro de se julgar praticável resolver o problema energético com paliativos, o que não será "mudar o modo de vida das pessoas"?
Alguma revolução? Alguma ditadura verde esclarecida? Deixar que "o mercado", ou seja o aumento dos preços, resolva o problema com os problemas sociais que lhe estarão associados?
O Greenpeace não quer pesticidas nos alimentos, há muito que luta pela eliminação de grande parte dos agrotóxicos que lentamente nos contaminam a biosfera.
O que se pretende é uma agricultura mais racional, menos industrial, mais de acordo com a Natureza e os seus ciclos. A nossa ganância ocidental e desejos alimentares insaciáveis (carne e peixe todos os dias...a preços baixíssimos...) não são compatíveis com as possibilidades na Terra, e os seus 6 mil milhões de habitantes. Moderar e racionalizar o nosso consumo alimentar, evitando o desperdício (vários estudos apontam para 1/3 da comida que compramos vá para o lixo..).
Os preconceitos são uma forma expedita de catalogar quem tem opiniões fortes e se bate por elas.
J.Vaz
Figueira da Foz
Nós todos alunos e nossos pais preferimos dum modo geral comer alimentos biológicos como nossos antepassados. OGM, transgénicos e hibridos e outras americanices é que nem pensar.
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