Orfeu Bertolami, professor e investigador do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico é um dos astrofísicos mais citados. É também um bom divulgador de ciência, como mostra o seu “O LIVRO DAS ESCOLHAS CÓSMICAS”, saído na Gradiva em 2006. Transcrevo aqui o meu prefácio desse livro:
Albert Einstein, cujo “ano milagroso” celebrámos em 2005 no “Ano Internacional da Física”, disse um dia que “o que verdadeiramente me interessa é saber se Deus teve alguma escolha a respeito da criação do mundo”.
Sabido como é que Einstein recusava a ideia de um Deus pessoal, o Deus da tradição judaico-cristã, e usava a palavra Deus no sentido espinosiano de “harmonia do mundo”, aquela frase significa que o sábio estava interessado em saber se as leis da Física, que tão bem descrevem o mundo, decorrem inequivocamente de princípios básicos simples.
O físico Orfeu Bertolami discorre neste seu livro sobre as “escolhas cósmicas”, isto é, as “escolhas de mundos”. Sabemos hoje – e este livro explica muito bem por que o sabemos – que o nosso mundo teve um início. Na escolha entre a “Eternidade e o Génesis”, ganhou o “Génesis”, que na linguagem dos físicos se denomina “Big Bang”.
Seguindo Einstein podemos perguntar a nós próprios se poderia ter sido de outra maneira. De facto, essa não foi a primeira escolha de Einstein. Movido pela sua intuição – e a intuição também pode atraiçoar os génios – Einstein preferiu, num primeiro momento, um modelo estático para a evolução do cosmos. Quis contrariar a expansão indicada pelas suas equações cosmológicas, baseadas na teoria da relatividade geral, por um termo algo misterioso, e posto à mão, a que foi dado o nome de “constante cosmológica”. Era a maneira einsteiniana da “Eternidade” ganhar ao “Génesis”. Mas em breve a observação do afastamento das galáxias, umas em relação às outras, impôs sem margem para grandes dúvidas o “Génesis”. “Foi o maior erro da minha vida”, comentou o sábio rendido à evidência observacional. Contudo, um grande sábio sê-lo-á ainda mais se confiar na sua intuição... Recentemente, colocados perante provas de novo resultantes da observação astronómica, que nos mostram um universo não apenas em expansão mas em expansão acelerada, foi preciso reintroduzir a constante cosmológica que Einstein apressadamente rejeitara.
No início, e tanto quanto sabemos, o verbo foi o “Big Bang”. Mas muitos pormenores (e pormenores importantes) da evolução cosmológica continuam envoltos em denso mistério. Por que razão essa expansão é acelerada, isto é, que energia misteriosa está subjacente à nova constante cosmológica? E por que razão a certa altura, muito perto do início, houve um período de expansão muito rápida, a chamada inflação? Bertolami conduz-nos, com o saber proporcionado pela sua formação e pela sua experiência de investigação em problemas cosmológicos (ele é um dos poucos físicos que em Portugal trabalham nas teorias da relatividade geral e do campo unificado) e usando uma linguagem acessível que lhe dá o domínio das palavras e das frases da língua portuguesa (poucos saberão que o físico é também dado à poesia), às actuais fronteiras do nosso conhecimento do universo.
O leitor encontrará neste livro um enredo sedutor que o levará desde os mitos cosmológicos (“Verbos para um início”) até à ligação que hoje é reconhecida (devido ao “gume cortante da razão”) entre os macrocosmos e o microscosmos. Pelo meio encontrará a “trama do espaço-tempo”, que Einstein reconheceu, e o “princípio antrópico” (segundo o qual o mundo é como é porque, se fosse de outra maneira, não estaríamos cá para o ver), que muitos não reconhecem. O objectivo, confessado na Introdução, é “criar um quadro intelectual onde o leitor possa reflectir com base nos factos e argumentos apresentados”. E, confessa este leitor, este livro faz-nos, de facto, reflectir sobre grandes enigmas do mundo! E prepara-nos para um futuro, não sabemos se próximo, no qual os enigmas da expansão acelerada e da inflação, entre tantos outros, serão, pelo menos em parte, desvendados.
Somos levados a escolher o “Génesis” em vez da “Eternidade”, tal como os físicos e astrónomos já fizeram. O “Livro das Escolhas Cósmicas” é um livro que nos faz escolher a ciência. Mas somos também preparados para as escolhas que ainda estão por fazer. O “Livro das Escolhas Cósmicas” é um livro que nos mostra que a ciência, e nós com ela, tem ainda escolhas por fazer...
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3 comentários:
"até à ligação que hoje é reconhecida (devido ao “gume cortante da razão”) entre os macrocosmos e o microscosmos"
Será esta frase uma prova da ignorância do seu autor, ou pura desonestidade intelectual. Para quem não sabe, não há nenhuma "ligação reconhecida entre o macrocosmos e microcosmos". Há várias teses, muitas delas que têm surgido nos últimos 20 anos. Este é, aliás, assunto de acesso debate (conferências, artigos, livros) no seio da área dos fundamentos de física. Área a qual, pelo que tenho vindo a observar, Carlos Fiolhais nada conhece.
Já agora, uma última nota. Ninguém sabe que houve um génesis. Alguns julgam saber que houve um Big Bang. É uma hipótese que requer, para se sustentar, de uma série de pressupostos. Não é algo que se extraia com certeza apodítica dos dados. Já estes, os dados, na fisica actual, estão longe de serem dados. Isto é, de serem independentes das teorias que construiram os aparelhos que permitiram esses dados.
ó Carlos, você deve ser beato concerteza!
Excelente blog, a denotar um bom trabalho de investigação. Continue assim!
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