Os Maias, de Eça de Queirós, era uma leitura obrigatória no ensino secundário, em tempos idos. Hoje foi substituída pelas regras dos concursos televisivos, por recortes do jornal Expresso e por folhetos ecológicos sobre a melhor maneira de destruir o milho dos outros. Mas sempre foi mal ensinada, no sentido em que nunca se falava verdadeiramente do que estava em causa, do significado do romance. Ele era listas de figuras de estilo, listas de personagens, listas de factos do enredo — tudo, menos o que realmente conta. O ensino, quando é mau, tem o toque de Sadim (Midas ao contrário) e era por isso que eu dizia abertamente, quando estava no 9.º ano: “na escola nada se cria, nada se transforma, tudo se perde”.
A propósito dos comentários de um leitor lembrei-me das figuras do Ega e do Carlos da Maia e talvez valha a pena explicar sinteticamente o que pretendia Eça denunciar com estas personagens. Em ambos os casos, trata-se de pessoas endinheiradas, mas não muitíssimo ricas; pessoas que não precisam verdadeiramente de trabalhar para viver porque podem viver da gestão do património herdado. Mas ambos recebem uma educação esmerada, contra os próprios padrões nacionais e langorosos da altura. Na verdade, as passagens em que Eça contrasta a educação vigorosa de Carlos da Maia com a educação nacional, doentia e mole, fazem lembrar o discurso actual do “eduquês”, que trata os estudantes como atrasados mentais que não podem ser incomodados com o esforço de aprender literatura, filosofia ou matemática a sério — tem de ser umas brincadeiras mentecaptas com muitos computadores e bonecos para as criancinhas não se aborrecerem, e não podem fazer exames nacionais para não terem um ataque de coração, coitadas. Mas hoje a perversidade é que isto só se aplica aos filhos dos pobres, na escola pública; os filhos dos outros, incluindo os filhos dos responsáveis do ministério, estudam a sério, e muito, e não é os folhetos sobre milho que eles andam a ler.
Tanto Ega como Carlos, assim como a figura memorável do seu avô, são profundamente críticos relativamente à cultura e política nacionais. Mas, depois de os dois primeiros receberem a melhor educação disponível no seu tempo, o que acontece? Regressam a Lisboa, cheios de esperanças de que vão fazer algo: o Carlos como médico, Ega como advogado e potencial escritor. Passam anos. E nada fazem excepto andar em festarolas, bebedeiras e conversas frívolas. Esta é a mensagem principal do romance: somos um povo de bestas que, dadas as melhores condições, não conseguem sair desta moleza que consiste em fazer revoluções na pastelaria. O próprio Eça sofria na pele esta situação e chegou a encurtar as suas visitas a Lisboa (para desgosto da sua mulher, que detestava Paris), pois não conseguia trabalhar como escritor por força de tantas jantaradas e conversas moles que fingiam mudar o país e o universo enquanto os convivas tomavam vinho do porto num restaurante caro.
Esta é a radiografia de Eça: somos um país de hipócritas amadores, falta-nos o profissionalismo para fazer realmente algo, nada fazemos senão animar conversas da treta. Urge mudar este estado de coisas e formar profissionais críticos, activos, generosos, bem formados, nos mais diversos domínios: da filosofia à física, da pintura à música, da literatura à ciência política. Profissionais que façam mais do que revoluções de pastelaria: que mudem realmente o país, abandonando a ideia de que a cultura e a ciência são actividades boas apenas para as tias de Cascais se entreterem à hora do chá, trocando pedantismos de Wikipédia e citações de pensadores mortos.
sábado, 25 de agosto de 2007
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40 comentários:
Concordo, no geral, com tudo o que diz. No entanto, dois pontos.
1. O Professor não pode generalizar de cada vez que fala em educação pública e no eduquês (dispenso as aspas porque é um conceito útil e legítimo). Fiz o secundário há seis anos numa escola pública e Os Maias foram-me ensinados com um enquadramento literário (Realismo, Naturalismo e também Romantismo, como convinha a uma disciplina chamada Português A), sem esquecer a História de Portugal do século XIX. Por outro lado, se alguém aprende que uma das características do estilo de Eça é a ironia e não sabe que essa ironia é uma estratégia que revela também uma crítica social, isso terá que ver, em grande parte, com a formação de professores, que não sabem o que é o Realismo (sem que pretenda ser uma estética doutrinária).
Apesar da minha experiência, entendo o quer dizer: dei explicações ao ensino secundário — alunos do ensino privado e por motivos de excelência na sua maioria — e os alunos não sabiam mais do que o que Professor refere na sua crítica...
2. A dado passo diz o Professor “ambos recebem uma educação esmerada, contra os próprios padrões nacionais e langorosos da altura”. Tem toda a razão, mas tal como o que tentei esclarecer no ponto 1, quanto ao público e privado, ambas as educações falharam. E os bem sucedidos Carlos e Ega acabam como o Eusebiozinho, falhados, como bem ilustram os últimos momentos da obra.
A lição é pois a do Realismo, que parte da demonstração da sociedade para a lição de que o Professor fala.
Cumprimentos,
Ricardo Nobre
"Urge mudar este estado de coisas e formar profissionais críticos, activos, generosos, bem formados, nos mais diversos domínios: da filosofia à física, da pintura à música, da literatura à ciência política. Profissionais que façam mais do que revoluções de pastelaria"
É precisamente este o vosso desafio na Universidade, Desidério. O rigor, a disciplina, o esforço, o trabalho, valores que diz não ver reflectidos nas políticas de educação não superior, podem e devem estar presentes nas instituições do ensino superior. Ou não?
Caros Ricardo
Obrigado pelas críticas -- justas. A generalização que fiz é injusta. Mas a qualidade do ensino que felizmente recebeu deve-se ao mérito do professor, que se for falar com ele lhe dirá que luta contra o próprio Ministério da Educação, para tentar leccionar realmente literatura e não fantasias.
Caro Miguel: tem toda a razão. Faço o melhor que sei e posso na minha universidade.
Em Portugal há bom ensino e mau ensino. O mau ensino faz-se com o Ministério da Educação, o bom ensino contra o Ministério da Educação.
É esta a experiência dos professores, não vale a pena escondê-lo. E a actual Ministra, com as suas "mudanças", veio afinal garantir que tudo ficará na mesma por muitos e bons anos.
Ou pior, se tivermos em conta o Estatuto da carreira Docente e o recente concurso para professores titulares, que desvaloriza totalmente o ensino a favor dos "cargos" - ou seja, da burocracia.
Mas o pior nem é isto. O pior é que os bem ensinados desembocam numa sociedade que os condena à impotência: querer fazer, saber como se faz, e não poder. Como o João da Ega e o Carlos da Maia.
Porque é que não há uma plataforma de cidadãos que mobilize para um, de facto, ensino melhor? Um conjunto de pessoas desligadas dos sindicatos e partidos políticos. Em resumo, um grupo de interesse para dar a volta a isto.
kyriu:
Não há tradição, nem cidadania, para isso. Até os Movimentos de Cidadãos e ecológicos estão ligados a partidos ou dissidentes de partidos.
Uma coisa dessas dava muita maçada e depois, de quem é que o pessoal se queixar?
Baixar o Nível: um mito ou uma realidade?
O título é de minha autoria, (que ando a estudar estas coisas) para me ajudar a reflectir, mas o tema prende-se com esta questão que tanto apregoamos (aqui no blog, desde o 1º dia) e de uma maneira generalizada, por nós professores, educadores, pais…). Deixo aqui 2 ou 3 pensamentos, para reflexão dos que se interessam por educação, de vários autores, numa recolha feita por Gaussen em 1985 e que reflecte que este não é um problema da actualidade, do pós-modernismo, das novas pedagogias ou pseudo-pedagogias, do sócio-construtivismo e de mais uns tantos a que aludimos frequentemente.
No dito artigo “Rien de nouveau sous le soleil”, ou seja, “Nada de novo debaixo do Sol”, escrevia ele:
«Sempre se disse que o nível baixava, que a escola formava incapazes e que se impunha uma reforma radical. E alguns disseram-no tão bem que me parece mesmo não haver nada a acrescentar. «Os jovens nunca mais serão como a juventude de outros tempos» (inscrição babilónica, mais de 3000 anos a.C.), «O nosso mundo atingiu um estádio crítico» (sacerdote egípcio, 2000 anos a.C.), «Os jovens de hoje adoram o luxo, são mal educados, desrespeitam a autoridade, não têm respeito pelos mais velhos e conversam em vez de trabalhar» (Sócrates).»
Dá que pensar, não é!
Ps. Não confundir, o Sócrates a que me refiro não é o da actualidade!
Caro Sarmento: não costumo fazer comentários só para dizer parabéns, mas desta vez é isso mesmo. O seu comentário é sintético e acerta em cheio.
Kyriu e João Paulo: a vossa troca fez-me lembrar o discurso paralisante de que se queixa o Eça. Escrevi sobre isso na Crítica, talvez o coloque no blog:
http://criticanarede.com/html/ed05.html
Kyriu, eu fiz muita coisa com várias pessoas, em prol do ensino da filosofia. E sabe o que mais me custa? Não é o Ministério que claramente odeia o nosso trabalho e procura dinamitar tudo o que fazemos, isso é de esperar; são os meus próprios colegas que, com a desculpa de ser analítico ou anglo-saxónico, aplaudem as tolices do costume e não se importam de fazer da filosofia mais conversa da treta, só para não terem de estudar. É assim a vida.
Fátima: tem razão, eu também já li artigos sobre o fenómeno que ocorre em todas as gerações, que consiste em pensar que as novas gerações são mais tolas, menos preparadas, etc. É preciso ter algum cuidado com isto. Há aspectos positivos. Vou dar-lhe um: hoje em dia, em filosofia, no ensino secundário, as coisas estão bem melhores do que eram há 20 anos. Alguns manuais de filosofia do secundário, apesar de violarem completamente o programa para conseguirem dar filosofia a sério, são excelentes manuais de filosofia, e a milhas do que se fazia há 20 anos. Mas como um desses manuais é meu, talvez eu esteja a ver mal... :-)
caro desidério, este post parece um bom paradigma para enquadramento do vergonhoso apagão que fizeram ao site de Adelino Maltez, professor de ciência política, no iscsp. Diga-nos lá o que pensa, se quiser, da mediocridade portuguesa (universitária) no contexto deste caso
cumps
Lê-se, no seu último parágrafo: "Urge mudar este estado de coisas e formar profissionais(...)". Alude a profissionais do Ensino Superior? E se eles vão mal preparados, já a partir do Ensino Básico? E por que razão, no Ensino Secundário, imperam as "Edições Sebenta", sendo estas o guia exclusivo de tantos professores do Secundário (muito além do que o seria admissível), sem que da cabecinha deles saiam interpretações mais ricas,originais e, consequentemente, mais adaptáveis ao género de alunos que lhes está defronte?
Orientando-se por clichés, não acha que daqui parte a pobreza de interpretação do escritor e das personagens criadas?
Estarei fora do assunto? Queira perdoar, mas agradou-me muito ler o seu texto e que isto me sirva de atenuante.
Os melhores cumprimentos
Alda Maia
Muito ficará por dizer, mas a propósito de algumas ideias que aqui foram colocada sobre o tema da qualidade do ensino, apraz-me acrescentar uma ou duas ideias, uma ou duas interpelações:
(1) Não sei se o BOM ENSINO se faz contra o ME, mas com toda a certeza que se faz contra muitas das (des)orientações provenientes da Tutela. A panóplia de normativos são um “bom” exemplo dessa desorientação (que infelizmente é um mau exemplo). Mas eles são apenas o espelho de todos os discursos político-ideológicos eloquentes a que estamos habituados a ouvir na televisão e por aí fora, carregados de promessas inovadoras e fictícias (que depois são legitimados por decretos, portarias regulamentos, e outros normativos) que conjugam vários elementos distintos, medidas similares e até contraditórias. Por esse atabalhoamento, podemos ver que as “mudanças-promessa” introduzidas pelo actual governo constitucional, na área da educação, não podem abonar em nada a favor de ninguém, mas também não ficará tudo na mesma, porque os efeitos já se começam a fazer sortir… e hão-de ser bem piores se nós (professores, investigadores e demais responsáveis pela educação) não fizermos nada para ir melhorando alguma coisita. E podemos faze-lo! Felizmente há ainda muito bons professores (mesmo que sejam apenas e só aqueles que trabalham contra o ME), e acredito que sejam muitos, muitos…
(2) Com maior ou menor intervenção da Tutela, (boa ou má) caberá sempre à escola, no seu quadro de autonomia, fazer essa gestão adequada, tornando-se deste modo responsável pela qualidade de ensino prestado à sua comunidade, contribuindo assim para um maior sucesso das aprendizagens dos alunos, e uma maior eficácia da instituição educativa.
Entre outros factores, as escolas são em boa parte responsáveis pelo ensino de “boa ou má qualidade” que oferecem. Exemplifico: duas escolas públicas, situadas no mesmo contexto podem ter ofertas educativas bem diferenciadas: de boa ou má qualidade. Podemos começar a perceber isso numa análise aos seus Projectos Educativos e Projectos Curriculares. Logo aí ficamos com a ideia de como as escolas conceptualizam e intentam operacionalizar as orientações curriculares nacionais. Se quisermos aprofundar temos que conhecer não só as medidas organizativas e pedagógicas que estão contempladas nos ditos projectos, mas saber quais têm sido seguidas para conseguir que todas as crianças aprendam de modo a integrar a diversidade de identidades sócio-económicas e culturais que contracenam no cenário escolar; e naturalmente, saber que impacto estão a ter nas aprendizagens dos alunos.
Prof. Desidério:
ainda que esteja de acordo com muito do que defende sobre o ensino secundário e da divulgação da filosofia feita para os professores, não posso concordar consigo nos aspectos retirados das suas intervenções.
1. "Não é o Ministério que claramente odeia o nosso trabalho e procura dinamitar tudo o que fazemos, isso é de esperar; são os meus próprios colegas que, com a desculpa de ser analítico ou anglo-saxónico, aplaudem as tolices do costume e não se importam de fazer da filosofia mais conversa da treta, só para não terem de estudar."
É muito injusto da sua parte referir-se aos seus colegas dessa maneira. Pois além de os professores em geral serem vítimas, como por aqui tem sido mencionado, das actuais medidas do M.E., os professores de filosofia, em particular, têm sido ainda vítimas dos "clubes académicos" que desvirtuam a prática destes na imposição das suas predilecções filosóficas.
Confesso-lhe, pela experiência que tenho tido, que muitos manuais escolares estavam repletos de "tolices", fazendo da filosofia "conversa da treta" para impressionar os alunos ou envolvê-los numa poesia barata e sem contornos estéticos, a mor de os motivar.
Por outro lado, não posso concordar consigo quando aponta os seus colegas como os culpados pela situação do ensino em filosofia não ser das melhores. Em primeiro lugar, há que ter respeito pelas qualidades científicas dos professores, que não devem ser tratados como umas ovelhas submissas que necessitam da orientação do cajado dos autores de Programas e de Manuais.
2. Os professores, contrariamente ao que diz, (também não sei se foi professor do ensino secundário, por vezes, parece-me que não!)estudam e informam-se, interessam-se, compram os livros, assistem a conferências, participam na dinâmica sustentada pelas
Universidades.
E sempre que aparece um novo Programa, os professores tentam passar um pano por cima do que ensinaram anteriormente, para se concentrarem nas novas orientações programáticas. E seleccionam os manuais que melhor se adequam ao Programa que foi homologado. Ora, espanta-me dizer que:
"Alguns manuais de filosofia do secundário, apesar de violarem completamente o programa para conseguirem dar filosofia a sério, são excelentes manuais de filosofia, e a milhas do que se fazia há 20 anos.".
Acha que isso é honesto para quem trabalha diariamente com os alunos e lida directamente com os encarregados de educação? É que por muito bons que sejam os Manuais de que fala, e são sem dúvida nenhuma, não têm mais autoridade do que o Programa do Ministério. Ora, não crê que é legitima a acusação dos seus colegas, ao sujeitá-los forçosamente a participar nas querelas académicas, filosofia anglo-saxónica "versus" filosofia continental?
Um exemplo: por ocasião da preparação do exame nacional de Filosofia 2005/2006, foi emitido no início do ano lectivo as "Orientações de Leccionação do Programa" que foram preciosas na preparação dos alunos para o exame. Os professores não são inocentes e poucos ficaram satisfeitos com o facto dessas orientações se debruçarem em um ou dois Manuais que seguiam um percurso pedagógico diferente dos demais Manuais existentes. Ora, os professores não são obrigados a serem envolvidos nessas disputas analíticas/continentais no momento em que os Manuais já estavam adoptados há dois anos lectivos. E digo-lhe que a prova de fogo foi superada, porque os professores não são assim tão preguiçosos como os vê, mas a desonestidade por parte do Ministério e outros clubes académicos prevaleceu.
Um abraço e continuação de um bom trabalho,
João Vieira
Caro João
Estou-me nas tintas para o analítico e o sintético e já o referi mil vezes. Mas infelizmente muitos colegas meus não pensam isto e por isso procuram dinamitar todo o trabalho que lhes cheire a analítico. Não se importam de com isso dinamitar a própria disciplina. Esta é a realidade.
Felizmente, a maioria dos professores não embarca nesta atitude. Só que os que têm esta atitude são aqueles que dominam o ministério da educação.
Quanto aos programas de filosofia, basta lê-los para ver que o que afirmo é verdade: não há uma única referência a um único filósofo -- Kant ou Descartes, Hume ou Platão, Aristóteles ou Rawls. Não há lá filósofos, nem problemas claramente filosóficos. Por isso, os bons manuais que temos felizmente no mercado, e que obviamente baseiam o seu trabalho nos filósofos, não obedecem, estritamente falando, ao programa. A qualquer momento qualquer besta do ministério irá proibir estes manuais, assim que as salarazistas certificações entrarem em vigor -- essas sim, um atestado de menoridade passado aos professores, sem que estes tivessem protestado.
Quanto às Orientações, está a dizer falsidades. Eu sou um dos co-autores do documento, que foi feito pela SPF e pela APF e pelos autores do programa actual. As Orientações não favorecem qualquer manual. Limitam-se a seguir o programa, introduzindo conteúdos filosóficos no mesmo. Como muitos manuais não fizeram isso, é natural que tenham ficado totalmente desactualizados. Mas que alternativa havia, dada a existência do exame? A alternativa é a que tem agora: não há exames. E com isso desprestigia-se a disciplina e contribui-se para o seu resvalar para a conversa da treta. A realidade é esta, João: se tivermos de conversar todos publicamente sobre os conteúdos da disciplina, ninguém tem a coragem de assumir publicamente que só quer conversa da treta porque está farto de filósofos. E por isso qualquer normativo que resulte de uma conversa ampla, parecerá sempre "analítico", se com "analítico" se quer dizer a reintrodução do estudo das ideias dos filósofos.
Caro Professor,
o que digo não são falsidades.
Ao meu comentário segundo o qual "Os professores não são inocentes e poucos ficaram satisfeitos com o facto dessas orientações se debruçarem em um ou dois Manuais que seguiam um percurso pedagógico diferente dos demais Manuais existentes." o senhor diz "As Orientações não favorecem qualquer manual. Limitam-se a seguir o programa, introduzindo conteúdos filosóficos no mesmo. Como muitos manuais não fizeram isso, é natural que tenham ficado totalmente desactualizados." Como é que posso estar a proferir falsidades quando muitos dos conteúdos filósóficos constam "ipsis verbis" nos mencionados dois manuais? Será coincidência? Que estranha coicidência, julgo eu.
Deixo claro que não estou em desacordo com os conteúdos introduzidos, muito pelo contrário, mas acho incorrecto atacar os professores quando os responsáveis pelos Programas, Orientações e demais documentos oficiais, se envolvem numa prática desonesta e esquizofrénica de alterar as regras a meio do jogo.
Creio que os alunos só não ficaram prejudicados pela boa vontade dos professores que, contrariamente ao que pensa ("são os meus próprios colegas que, com a desculpa de ser analítico ou anglo-saxónico, aplaudem as tolices do costume e não se importam de fazer da filosofia mais conversa da treta, só para não terem de estudar") tentaram encontrar soluções, mesmo que, com toda a legitimidade, os encarregados de educação protestassem. Ou será correcto, após um manual ter sido adquirido pelos alunos, os professores decidirem deixar de trabalhar com ele, pois perdeu a actualidade antes do prazo? São destas incongruências que importa falar, muito antes de serem aventadas efabulações de que os professores não gostam de estudar e outras semelhantes.
Invocar João da Ega e Carlos da Maia, recorrer a adjectivações como "Ministério Pimba da Educação", "tias de Cascais a discutirem filosofia à hora do chá" para se elaborarem pretensos argumentos a respeito dos problemas do ensino em Portugal, parece-me ser "uma chuva no molhado" quando a responsabilidade do que se passa no ensino de Filosofia não deve recair apenas nos professores, mas sobretudo nos clubes académicos que se juntam igualmente à hora do chá a transtornar a vida de milhares de professores e de alunos, sem compreenderem realmente o que se passa nas escolas. Peçam tambem aos professores que colaborem nas ideias "eduquesas" que saem dos gabinetes e das conversas de chá(cha), são eles que melhor conhecem a realidade na qual os programas e orientações se irão aplicar.
Um abraço,
João Vieira
Caro João
Deixe-me agradecer a elevação com que tem apresentado as suas ideias, e espero que não se ofenda pelo facto de eu achar que está equivocado e mal informado.
O que está a dizer não faz sentido. Está a insinuar que a Associação de Professores de Filosofia e os autores do actual programa decidiram favorecer o meu manual? A que propósito, se ainda por cima o odeiam?
O que se passa é o seguinte: compare os manuais de 2003 com duas coisas: com o programa de 2001 e com os manuais anteriores a 2003. E verá que na sua maior parte são muito mais parecidos com os manuais anteriores do que com o novo programa. Quando os programas são vagos, os autores de manuais limitam-se a aproveitar os materiais dos anos anteriores, porque tudo se consegue encaixar.
Mas os manuais novos, como o meu o era em 2003, não copiam manuais antigos, apenas procuram introduzir conteúdos filosóficos directamente relacionados com o que é sugerido pelo programa. Esses são os manuais que você diz que a APF e os autores do programa quiseram favorecer. Mas isto é uma ilusão. Acontece apenas que praticamente os únicos conteúdos que dá para introduzir no programa são aqueles mesmos.
E já agora, os autores do programa e a APF quiseram favorecer o meu manual para quê, exactamente? Para eu ganhar mais dinheiro? Mas os manuais já estavam adoptados e as escolas não podiam alterar as suas adopções a meio. Isto não faz sentido. Eu sei que é a leitura que tantos professores fazem, mas é pura e simplesmente falsa.
Apresente-me uma lista de conteúdos que encaixem no programa e que se reportem fundamentalmente a filósofos clássicos e que seja muito diferente das orientações. Verá que isso não é possível de ser feito. Acabará por ir dar mais ou menos aos mesmos conteúdos e filósofos. A menos que encaixe os seus filósofos favoritos, e não os filósofos clássicos mais amplamente conhecidos.
Acresce que desde que se soube que haveria exames que eu e outros colegas altertámos para o problema: dada a vagueza do programa, cada manual era um universo diferente, sendo impossível fazer exames sem um documento que estabelecesse conteúdos e filósofos. Ninguém nos ligou até faltar 1 ano para o exame. Depois, claro, aconteceu a idiotice de fazer orientações em cima da hora. Nunca concordei com a ideia de fazer orientações tão tarde.
Mas qual seria a alternativa? Bom, aí temos a alternativa: já não há exames de filosofia. E a curto prazo, acabará a filosofia, com a bênção de todos.
Pelo menos, acabará a filosofia com este nome, ou pelo menos acabará a possibilidade de introduzir sub-repticiamente conteúdos genuinamente filosóficos no programa, ou então acontecerá como no 12.º ano: ficaremos sem alunos.
É como com os exames: anos antes de haver o problema, ninguém me ouviu. Quando me ouviram, era demasiado tarde.
Agora ninguém quer ouvir dizer que a filosofia vai acabar. Quando acabar, será demasiado tarde para voltar atrás.
Prepare-se, João, para ter de andar a leccionar Psicologia, Sociologia, Cidadania, Área de Integração -- tudo, menos filosofia. Descartes e Hume serão nomes desconhecidos dos estudantes muito em breve.
Sobre tudo isto, já escrevi muito, desde 2003:
http://criticanarede.com/html/ed01.html
http://criticanarede.com/html/exames.html
(Para aceder à área reservada use o nome vieira e a senha filos.)
com a licença do próprio e dos autores deste blog (espero), citei josé luiz sarmento no meu.
Conta-se que uma sogra perante a nora que se queixava que o marido na rua olhava para as outras mulheres, sabiamente lhe respondeu: “Minha filha um homem casa-se, mas não cega!”. D igual forma, os sindicalistas ou sindicalizados não devem às questões que exigem os olhos bem abertos. O antigo estatuto da carreira docente fez com que aparecesse uma certa rejeição à maneira injusta como os licenciados eram tratados relativamente aos professores não licenciados. Subsistia uma escandalosa igualdade ao arrepio do princípio de Cesare Cantú: “A democracia fundada na igualdade absoluta é a mais absoluta tirania”. Serem tratados igualmente não corresponde inteiramente à verdade dos factos: os professores do antigo ensino primário reformavam-se mais cedo e com menos anos de serviço que os professores dos outros graus de ensino. Quanto ao acesso aos diversos escalões da antiga carreira docente, era feito unicamente em função dos anos de serviço e frequência de cursos de formação (sem sequer ser exigido que fossem frequentados na respectiva área de docência) unicamente presenciais. Ou seja, sem qualquer tipo de avaliação. Um professor óptimo e outro péssimo tinham garantido o acesso ao topo da carreira a não ser que…lhe tivesse sido movido um processo disciplinar, nem sempre dentro de critérios de uma justiça sã! Aquando da discussão da nova carreira docente (aprovada recentemente) uniram-se numa plataforma comum 14 sindicatos de feição política diferente, defendendo estratos profissionais diferenciados, e, como tal, em desacordo com as medidas tomadas anteriormente. Bem sei, que o acesso ao topo da nova carreira docente está eivado de aspectos altamente negativos e prejudiciais até aos professores que mais se esforçam no sacerdócio do magistério. Mas daí a uma frente comum de 14 sindicatos barafustando em uníssono parece-me exagerado! E tanto mais exagerado, porquanto não se apresentou em alternativa (pelos 14 sindicatos, repare-se) uma avaliação correcta dos professores que separasse o trigo do joio distinguindo os melhores. Partir do princípio vigorante até então que igualava desiguais e continuar a defender esse processo continuaria a levar à desmotivação dos melhores pelo desrespeito da escala gradativa de competências de William Athur Ward: “O professor medíocre diz, o bom professor explica, o professor superior demonstra e o grande professor inspira!” O exagero de culpar todos os males do ensino a um “geração rasca”, só pode ser justificado por um alijar de responsabilidades que respeitam a todos os intervenientes no processo educativo (sindicatos, incluídos). Com reais e maiores responsabilidades para o ministério da Educação, claro está, porque se “um rei fraco faz fraca a forte gente”, uma fraca ministra da Educação fragiliza os professores mais capazes e esforçados, mesmo aqueles que “inspiram”!
Caro Professor,
Estimo todos os que se têm arriscado por criar condições teóricas e materiais para o sucesso do ensino da filosofia.
Diz que a APF não gosta do seu manual. Contudo, fiquei ainda mais confuso com as suas alegações que passo a transcrever:
"Eu sou um dos co-autores do documento, que foi feito pela SPF e pela APF e pelos autores do programa actual"
Mas é normal os autores dos Manuais fazerem parte da redacção das Orientações? Eu não sabia, e não estou a ser ironico.
Antes de recebermos as Orientações, em Junho de 2005 foi-nos enviado um documento com exemplos de questões (privilegiando competências que não aparecem no Programa) e o espanto foi geral. Os professores mobilizaram-se, elaboraram documentos para o M.E., manifestando as incogruências em que estavam a ser mergulhados.
A minha interpretação é a seguinte: já que os professores ficaram desconfortados, pensou o M.E., com a situação, vamos entao redigir Orientações.
E atenção que estar a discutir o exame não significa que seja contra o exame. Estou simplesmente a mostrar que a sua interpretação dos colegas não é correcta. E muito incorrecta foi esta alteração das regras a meio do jogo. Ninguém pensou nos professores, ninguém pensou nos alunos que adquiriram um manual desactualizado!
Quanto às restantes preocupações, partilho-as com a mesma densidade. E por isso, espero que continue a trabalhar no sentido da alteração desse cenário bem provável, que eu irei fazer o mesmo, apesar de não considerar que os professores não gostam de estudar!
Saudaçoes cordiais
João Vieira
Por lapso, as 2ª. e 3ª. linhas do 1.º § do meu comentário saíram incorrectas e incompletas. A forma correcta devia ter sido esta: "De igual modo, os sindicalistas ou os sindicalizados não devem ser cegos às questões que exigem os olhos bem abertos".
Penso que a apetência dos portugueses por jantaradas, e a sua comprovada capacidade de parecerem mais inteligentes do que realmente são, se fica a dever a uma característica que partilhamos com outros povos do Sul: excesso de dotes sociais. Se fôssemos educados mais como bichos do mato, em casa, com muitos livros e pouca conversa, particularmente conversa de café, talvez fôssemos colectivamente mais voltados para a acção e menos para a divagação. É um facto comprovado pela dinâmica social recente (no que concerne à ocupação dos tempos livres pelos jovens, por exemplo), que os apelos lúdicos dos mais variados tipos "desencaminham" a mente do verdadeiro trabalho, que se quer sério e profissional, mas possui muito menos "glamour".
No que diz respeito especificamente ao conteúdo das conversas de café, a opinião, propalada em muitas delas, de que o país é "uma choldra", e de que "nos envergonhamos" do seu atraso, não passa muitas das vezes de mentira hipócrita. O insulto e a crítica estéril distanciam-nos (como se fôssemos superiores) do seu objecto, o que perpetua uma desresponsabilização colectiva que é prevalecente na nossa cultura. Eu acho que se os problemas apontados fossem realmente sentidos agudamente por uma massa crítica suficientemente grande de cidadãos, já teriam surgido movimentos cívicos a reivindicar mudança (como aparecem, desde sempre, lobbies a fazer reivindicações sobre interesses particulares - alguns deles bastante irritantes).
Olá, João!
Por que razão um autor de manuais não poderia elaborar um documento do ministério? Na realidade um dos autores do programa (o nosso colega Neves Vicente) já era autor de manuais do ensino secundário quando fez o programa e fez depois manuais para o programa de que é co-autor. Não vejo mal nenhum nisto, e isso acontece em todas as disciplinas.
Estranho seria que pessoas que nunca publicaram nara para o ensino fossem convidadas, sabe-se lá porquê, para elaborar tais documentos. E na verdade isso acontece muitas vezes, o que me deixa realmente inquieto.
É falso o que afirma, João, quanto às informações-exame do GAVE. Releia a parte das competências do programa: todas as competências da informação-exame do GAVE estão lá, no programa.
Sejamos honestos, João. Os professores escolheram os manuais sem lerem primeiro o novo programa; se o tivessem feito, não teriam adoptado manuais que obviamente em nada seguem as competências e conteúdos do programa.
O manual mais adoptado no país em 2003, o manual da colega Abunhosa e do colega Leitão, da Asa, viola tão obviamente a primeira unidade do novo programa que é um escândalo que tenha tido mais de 150 escolas do país. João, pegue nesse manual de 2003 (não no novo, de 2007) e veja com atenção a primeira unidade e compare isso com o programa e respectivas competências para a primeira unidade. Não me venha dizer que este manual foi escolhido por estar de acordo com o programa.
Depois, quando aparece um documento que obviamente tem de trabalhar com o que está no programa e não com o que os autores de manuais decidem fazer, cai o carmo e a trindade porque não está de acordo com o manual que os professores escolheram.
Mas pense bem nisto: fossem quais fossem as orientações de exame, nunca estariam de acordo com todos os manuais -- razão pela qual era necessário fazer orientações.
E qual é o problema de não estar de acordo com os manuais? Acaso os professores são tão infantis que para dar aulas têm de as dar seguindo cegamente os manuais? Não devem os manuais ser encarados como um instrumento didáctico entre outros? Acho que sim. Por isso, toda esta conversa do escândalo dos manuais desactualizados me parece insignificante.
Além disso, os autores de manuais tiveram tempo para actualizar os seus manuais, nomeadamente usando a Internet. Foi o que eu fiz com o meu manual, que ficou completamente desactualizado em algumas unidades, como no caso da filosofia política.
Não, não estou a ser desonesto, e sabe perfeitamente que não. As competências visadas no Programa são bem mais estranhas do que as que aparecem nas Orientações, confundindo constantemente competências transversais e competências filosóficas. E assim as Orientações vieram pôr cobro a essas confusões. A questão continua a ser uma só, insiste-se que a culpa deve recair nos professores quando, na verdade, estes são vítimas dos clubes académicos, que à hora do chá (e estou-lhe grato por estas adjectivações) conversam sobre o que deve ser feito em prol do ensino secundário, alterando as regras (por muito ambíguas que elas fossem) a meio do jogo. E isso, meu caro, é que é desonestidade.
«Os professores escolheram os manuais sem lerem primeiro o novo programa; se o tivessem feito, não teriam adoptado manuais que obviamente em nada seguem as competências e conteúdos do programa.»
Se as suas afirmações são verdadeiras, então concordo consigo. Grave, parece-me, é quando alguns autores dos manuais nem sequer leram o Programa ou, ainda mais grave, quando outros autores o leram, mas o puseram de parte.
«Alguns manuais de filosofia do secundário, apesar de violarem completamente o programa para conseguirem dar filosofia a sério, são excelentes manuais de filosofia, e a milhas do que se fazia há 20 anos. Mas como um desses manuais é meu, talvez eu esteja a ver mal...»
Repare que eu não pretendo fazer ataques pessoais, porque afinal somos quase colegas, mas as suas palavras levaram-me a considerar que:
Se há autores que violaram o Programa, então os seus manuais não são legítimos. Se não são legítimos é incorrecto terem servido de base para a elaboração do exame ou das Orientações. Conclusão: destas incongruências que acabam por reflectir alguma desonestidade.
Uma advertência: eu não estou a discutir manuais, porque certamente que a violação do Programa a respeito de uma melhoria da qualidade do ensino deverá ser permitido, mas isso não evita que tenha havido desonestidade por parte dos clubes académicos.
Refere o Manual da Asa. Concordo plenamente consigo, além de considerar que existiam, em 2003, manuais ainda piores. Refere que fez actualizações do seu Manual, após as Orientações. Isso é de facto muito importante, mostrando o vosso respeito relativamente aos professores, além de se predisporem a discutir os manuais, aceitando sugestões e eliminando "gaffes". Isso é mesmo muito importante e mais nenhum autor de manual se tem prestado a fazer isso. E é verdade que a maioria dos autores nem sequer disponibilizou pela internet as devidas actualizações.
«Acaso os professores são tão infantis que para dar aulas têm de as dar seguindo cegamente os manuais? Não devem os manuais ser encarados como um instrumento didáctico entre outros? Acho que sim.»
Não vou comentar estas afirmações. Eu sei perfeitamente qual é o lugar de um manual na prática lectiva. Quem lida com os alunos e com os encarregados de educação de perto, não se pode dar ao luxo de passar uma boa parte do ano a disponibilizar a fotocópia (além de ser contra o abuso da fotocopia de livros, também é um péssimo exemplo para os alunos), além disso, não sois vós que tendes de responder à velha questão: "Comprámos o livro para quê Stór? Ele foi tão caro e agora não o usamos?"
Saudações
João Vieira
Tenho seguido atentamente esta caixa de comentários e subscrevo o que tem sido afirmado pelo leitor João Vieira.
Enquanto professora de Filosofia sei que temos sido confrontados com o que João Vieira tem descrito. Tive, por várias vezes, que explicar aos meus alunos porque não seguia o manual adoptado; tentei cumprir, ao máximo, as Orientações que tardaram e que eram claramente apoiadas em dois manuais. Tendo por objectivo a colmatação de tal falta, tentei complementar o manual adoptado com fotocópias complementares. A bem dos meus alunos. Acredito que a maior parte dos meus colegas tenha optado por estratégias semelhantes.
Lecciono os filósofos da minha eleição pessoal? Obviamente que não, nem tenho tal pretensão. Contudo, a desonestidade que é apontada aos docentes de filosofia, encontrei-a em um dos manuais coincidentes com as Orientações, em que se apresentava um excerto de um filósofo da dita Filosofia continental (a saber, Jacques Derrida), com o título de "A obscuridade pedante". Solicitava-se ao aluno de 11º ano que opinasse, para se divertir, sobre a dificuldade da sua compreensão.
A acusação de preguiça e falta de seriedade por parte dos docentes de Filosofia é velha, recorrente e bafienta. Recuso-me determinantemente a levar a sério tal imputação, quando nem sequer é seguida de justificação plausível.
Curiosamente, são exactamente os preguiçosos da conversa da treta e com pouca apetência para o estudo que se tornam o público-alvo de grande parte das conferências, acções de formação e publicações de Filosofia em Portugal. Paradoxal, no mínimo.
Cumprimentos,
Elisa Seixas
Não pretendo abusar de um espaço importante que nos tem sido dado pelos colaboradores deste blog para discutir algo que ultrapassa a natureza do post do Prof. Desidério, mas a colega Elisa Seixas trouxe ideias bem pertinentes e que fazem parte da consciência de uma maioria de professores que conheço.
O manual de que fala peca pela desonestidade intelectual. Naturalmente que não passaria pela cabeça de nenhum professor do secundário ensinar Derrida ou Deleuze, mesmo que estejamos tão familiarizados com o seu pensamento que caiamos na tentação de confundir o nosso trabalho e sentido de profissionalismo com a participação nos tais clubes académicos.
Nenhum professor com experiência o faz, sabendo de antemão que se tornaria ineficaz para as suas aulas.
Sujeitar, como faz esse manual do 11 ano, os alunos a um discurso filosófico "sui generis", que lida com problemas muito específicos, que mesmo que não interessem a toda a gente, têm interessado a muitos intelectuais e profissionais de filosofia pelo mundo fora, que vem acentuar a incompreensão por parte de alunos que nao conhecem a história da filosofia, é uma prova suficiente de que há desonestidade intelectual pelos clubes. É verdade que alguns clubes têm produzido coisas interessantes, mas tambem é verdade que chegam a infestar a nossa prática com um extremo "ruído".
A questão, para mim, não é tratar-se de Derrida, mas a falta de isenção filosófica por parte de alguns autores de manuais, em introduzir os alunos nos clubismos académicos.
Fazer dos professores e alunos cobaias destes sectarismos filosoficos é pernicioso e felizmente muitos professores têm chegado a essa conclusão.
A intervenção da Elisa deu-me ânimo para partilhar outra inquietação. Há uns anos atrás alguns professores já violavam o Programa e os Manuais, trabalhando autores do seu agrado, por muito úteis que possam ser. O argumento era: estamos a ensinar filosofia. Muito bem!
Actualmente, alguns desses professores publicam manuais (e bons, deixo claro). Agora, se algum professor hoje se lembrasse de cometer o mesmo erro, por muitos argumentos que tivesse para justificar que estava a ensinar filosofia, apontando para bibliografia secundária de autores franceses ou alemães que conhece e que melhor se adequa ao seu perfil de investigador, ou dando a ler os clássicos com traduções portuguesas já feitas, seria um escândalo. As razões aduzidas seriam: o programa é para cumprir, os manuais devem ser usados, reparem na despesa que os enc. educ. têm de suportar, etc., além de se estar a fazer da filosofia conversa da treta! Haja bom senso!
Saudações,
João Vieira
Caro João e cara Elisa
Acho que houve um equívoco de interpretação, que conduziu a todo este debate. Quando afirmo que algumas pessoas preferem ver acabar a filosofia para não terem de estudar, não estou a falar do grosso dos professores; por outro lado, quando vocês falam das asneiras dos autores de manuais, estão a falar de professores do ensino secundário -- quase todos os manuais são escritos por colegas vossos, professores do secundário, sendo o meu uma rara excepção.
Em conclusão, quero deixar claro isto: quem anda nos corredores do ministério a confabular para não ter de estudar e para fazer da filosofia conversa da treta não são os muitos professores anónimos competentes que há por esse país fora e que eu conheço razoavelmente (dado que fiz inúmeras acções de formação, conheço bastante mais professores de filosofia do secundário, de vários pontos do país, do que a maior parte dos professores de filosofia, que apenas conhece os colegas das escolas por onde passou).
Mas, João, insisto:
1) As competências que estão no documento do GAVE foram *todas* retiradas do programa. Apresente uma que não esteja no programa, se for capaz.
2) As orientações não foram baseadas em nenhum manual, apenas procuraram introduzir conteúdos filosóficos e filósofos no desenho do programa -- e não há muitas alternativas ao que se fez. Mostre-me uma alternativa qualquer e eu apresento-lhe 2 ou 3 manuais que a seguem e então o seu argumento pode sempre repetir-se, o que significa que é vácuo: para quaisquer conteúdos que se escolhessem, haveria sempre manuais que teriam esses conteúdos e outros que os não teriam.
Não sei qual é o manual que apresenta o Derrida desse modo, mas no meu manual jamais uma coisa desse género teria cabimento. Sugiro que escrevam aos autores, ao cuidado do editor, protestando pela falta de objectividade. Mas nesse caso vão ter de escrever muitas cartas, pois há muitos manuais com erros científicos grotescos e distorções graves, além de desadequações didácticas. E nunca se esqueçam que os autores de tais manuais são nossos colegas, professores do ensino secundário.
Não me parece correcto, nem verdadeiro, procurar alijar culpas dizendo que tudo tem a ver com os clubes do superior, que estão a estragar o secundário. A culpa da situação é de todos os profissioais da filosofia. Cada qual é que sabe o que fez ou não fez para tentar melhorar as coisas.
Finalmente: que alternativas havia face ao exame, João? Queria que lhe fossem bater à porta para lhe perguntar? A Sociedade Portuguesa de Filosofia, a Associação de Professores de Filosofia e os autores do programa juntaram-se para resolver o problema. Não foi um clube de pessoas que nada tem a ver com coisa nenhuma, mas duas associações relevantes do sector. Não há outro modo de proceder, João. Não se pode telefonar aos professores todos para lhes pedir uma solução. Não se identifica com as posições e o trabalho da SPF e da APF? Eu também não. Faça outra associação e talvez me tenha como sócio, tal como sou sócio destas duas. Mas nem por um minuto pense que as suas posições serão adoptadas. Quaisquer posições que tomemos serão sempre fruto do consenso possível entre as instituições que intervêm no processo, e nem todos os professores podem intervir no processo, por razões práticas (não podemos fazer reuniões de trabalho com 600 professores).
Quando tivemos de adoptar o manual do 10º ano para o ano lectivo 2003/2004, rejeitámos os manuais que não se articulavam com o Programa. Essa escolha não foi, por isso, subjectiva, pois se assim fosse garanto-lhe que eu teria escolhido um dos manuais que estiveram na base na elaboração das Orientações. Logo, tivemos de conhecer e debater o Programa.
Este Programa define, para cada unidade programática, percursos de aprendizagem e actividades que pretendem viabilizar determinadas competências. O modo como os autores do Programa encaram o trabalho de texto é bem diferente daquele que é praticado nos outros dois manuais. Ora, é natural que os professores ficassem preocupados quando apareceram as Orientações, quando todo o seu trabalho, que se deve orientar pelo Programa, porque não somos profissionais liberais nem definimos as nossas próprias regras (e ainda bem), estava, esquizofrenicamente, a ser considerado errado, passando do pé para a mão a ficar sem efeito.
O Prof. Desidério é que não percebeu a minha angústia. Eu não pretendo criar uma outra associação, nem retirar legitimidade formal à SPF e à APF nem aos autores do Programa. E não tente fazer-me passar por incauto ou alpinista pedagógico-filosófico. A única solução para o exame passaria por um maior respeito pelo programa em vigor, quando a totalidade dos manuais, estou em crer, se debruçaram neste documento oficial, excepto o seu, como já admitiu. Naturalmente, estou de acordo com o facto de terem sido definidos os conteúdos e os autores que seriam objectivo de avaliação externa, mesmo que inviabilizasse uma série de manuais. E não me estou a contradizer, porque a minha inquietação tem que ver com os arrivismos dos que se sentam à mesa a definir estratégias, sem ponderarem nas consequências.
É forçoso que qualquer medida tomada desactualizaria os manuais, mas seria de evitar que o discurso das Orientações fosse, filosófica e didacticamente, oposto ao discurso do Programa - foi o que aumentou a suspeição de muitos professores.
Quanto às competências, não aparece no programa a reconstituição de argumentos, que foi objecto de avaliação num dos exames deste ano. As restantes competências cingem-se às do Programa.
Conheci há uns anos um documento elaborado por uma série de professores e investigadores da didactica da filosofia, inspirados na tradição analítica, que levantava objecções ao Programa. E é uma coincidência atentar nas semelhanças entre o modelo didáctico que lá aparece definido e o que estruturou as Orientações.
Saudações
João Vieira
Só para concluir:
As OLP não vieram preencher as lacunas deixadas pelo Programa. Tiveram a pretensão, num momento em que um Programa estava em vigor e os manuais tinham sido adoptados, de lhe dar um arranjo sob a égide de um outro modelo didáctico-filosófico (que nunca pretendi discutir)que não foi o seguido pelos autores do Programa.
Mais um exemplo? Repare que há sensivelmente dois anos que nos tinhamos familiarizado com a Bibliografia recomendada pelo Programa, com o intuito se ultrapassarmos algumas infelicidades dos Manuais. No secundario, como bem sabe, não temos liberdade para fazer os nossos proprios percursos de ensino, eles estão definidos "a priori". Por essa razão, consideramos suficiente a bibliografia enunciada no Programa para se leccionar bem o Programa. Ainda que a nossa curiosidade nos leve a outros textos e a outros autores, naturalmente. Ora, a bibliografia recomendada pelas OLP é a mesma que aparece nos dois manuais. Será outra coincidência?
Saudações
João Vieira
Caro João
Finalmente admite que as competências dos documentos do GAVE estão todas no programa -- excepto a reconstrução de argumentos. Mas isto é uma mera especificação das competências argumentativas do programa! Com certeza que o GAVE tem a liberdade de especificar competências claramente enunciadas nos programas que vai examinar.
É falso que as Orientações não preencham as lacunas do programa. É precisamente isso que fazem. Em ética, por exemplo, o programa diz apenas para dar duas quaisquer teorias. Quais? Sem um documento que diga quais, como faria exames nacionais?
Quando estamos de má-fé, tudo irá parecer conspiração. E você está de má-fé. Não admite por um instante que as pessoas que fizeram o trabalho, mal ou bem, o fizeram de boa-fé, para resolver um problema grave que tínhamos em mãos, tendo-se juntado pessoas de diferentes sensibilidades e perspectivas para tal. Coisa que não faz o favor de reconhecer.
Mas deve pensar numa coisa, João: que interesse teriam as pessoas que fizeram as Orientações em privilegiar um manual ou outro? Ganhar dinheiro? Não pode ser, porque os manuais estavam já adoptados -- e o mesmo poderá você dizer de quaisquer exames de quaisquer disciplinas, pois há sempre manuais que estão mais próximos dos exames, por várias razões, do que outros.
Talvez o interesse dessas pessoas seja impor uma determinada visão do ensino da filosofia. Mas porquê falar em “impor” as coisas? Se as pessoas publicam livros e artigos sobre o ensino da filosofia é natural serem convidadas para ajudar a coordenar essa área. Estranho é quando convidam pessoas que nunca publicaram uma linha sobre o tema — e isso é o que infelizmente se costuma fazer: são os amigos dos amigos dos amigos. Quando isso acontece já não fala o João em “imposição” — mas aí é que há uma verdadeira imposição porque as ideias que tal pessoa eventualmente tem nunca foram publicamente declaradas nem explicadas nem houve a possibilidade de as discutir ou contrapor.
Do seu ponto de vista as coisas são assim: enquanto um idiota como eu publicar livros e artigos sobre o ensino da filosofia está tudo muito bem DESDE que isso nunca se traduza em nada de real. Até tem a sua graça e tal, é uma perspectiva gira. Mas quando for para fazer programas, orientações, exames, seja o que for — aí temos de ir buscar quem nunca publicou ideias articuladas sobre o assunto, quem se limita a ganhar dinheiro e do bom pelos corredores do ministério ou com manuais escolares eivados de erros científicos e baseados em desconhecimento de bibliografias actualizadas relevantes.
Se quiser, acho melhor continuarmos esta conversa em privado, que nada tem a ver nem com o blog nem com o post. O meu e-mail está no meu perfil do blog, caso queira continuar a conversa. Terei todo o gosto. E uma vez mais agradeço a civilidade.
Professor, fiquei esclarecido!
Continuou a interpretar as minhas indignações como se de conspiração contra si, ou o seu grupo de trabalho se tratasse. E aí está um erro hermenêutico da sua parte.
Mas a suspeição permanece e acredite que, na minha profissão, jamais me esquecerei desta incúria. Creio que os autores do programa deveriam ter sabido defender melhor o programa que fizeram. POr isso, em breve teremos um programa completamente analítico, em que metade do ano lectivo se estuda lógica proposicional. Lamento que a filosofia passe a ser o reduto de matematicos e cientistas frustrados. Mas se resultar e preparar melhor os alunos, cá estaremos para fazer o melhor!
Gostei de discutir consigo!
Um abraço e eu é que agradeço a civilidade da sua parte. Não será pelo facto de termos posições distintas que não as possamos discutir civilizadamente.
João Vieira
Por lapso de memória não comentei as suas palavras:
«Do seu ponto de vista as coisas são assim: enquanto um idiota como eu publicar livros e artigos sobre o ensino da filosofia está tudo muito bem DESDE que isso nunca se traduza em nada de real. Até tem a sua graça e tal, é uma perspectiva gira.»
Um tiro no escuro. O meu ponto de vista não é esse, não sou assim tao provinciano. Acho excelente que publique livros, mas também, por devoção ao pensamento crítico, eles existem para ser discutidos e só depois traduzidos para a realidade. E por aquilo que me parece, o Professor gosta de discutir as ideias venham lá de onde vierem. Ora, os seus livros e muitas das suas ideias apareceram como reacção ao Programa, se não estou em erro, por isso, não deveriam ter sido actualizadas num momento em que um programa (ao qual o Prof. foi indiferente) ainda estava em vigor. A minha tese central sempre foi esta: é ilegítimo substituir, tacitamente, um programa ainda em vigor, independentemente de as alterações terem sido benéficas.
Saudaçoes,
João Vieria
Caro João
O programa não foi substituído; foram introduzidos conteúdos para se poder fazer um exame nacional. E tais conteúdos não são da minha responsabilidade, mas da responsabilidade dos autores do program mais a APF e a SPF. E não conseguiu dizer-me que alternativas haveria para a ética, por exemplo, ou para a filosofia da religião ou para a estética.
Não sou um cientista nem um matemático frustrado, e nem vejo problema nenhum em não leccionar a lógica proposicional no ensino secundário. Sempre defendi que é possível ter um bom programa de filosofia para o secundário sem a lógica.
Além disso, desengane-se: o próximo programa não será metade do ano com lógica. Não terá lógica nenhuma. Nem filosofia. E ninguém se vai queixar, tal como quase ninguém se queixou quando este programa sem qualquer referencial filosófico reconhecível como tal apareceu.
Além disso, faça-me a justiça de olhar com atenção para os actuais manuais do 11.º ano e diga-me qual é o manual que dedica menos páginas à lógica. Verá que é o meu. O manual mais adoptado no país, o dos meus colegas Leitão e Abrunhosa, tem um só volume para a lógica, maior do que o meu manual inteiro para o programa todo do 11.º ano. Quem é cientista e matemático frustrado, João?
Você é tão preconceituoso que não me faz a justiça de olhar com imparcialidade para a realidade.
Estas suas afirmações confirmam a minha hipótese interpretativa, não a refutam: você está convencido de que há uma conspiração de "analíticos" no ministério. Dentro de ano e meio você vai ver quem anda a conspirar.
É isto que me entristece, João. Quem anda realmente a conspirar é o ministério, que vai acabar com a filosofia, enquanto disciplina reconhecível como tal. Mas você está mais preocupado com uma conspiração inexistente de "analíticos". Dentro de anos estará a ensinar tudo menos filosofia. Talvez nessa altura ainda pense que há uma conspiração de analíticos que são cientistas e matemáticos frustrados.
A verdadeira conspiração vem de bestas frustradas, que odeiam tudo o que seja conteúdos científicos reconhecíveis como tal, em qualquer disciplina. A mim o que me choca é haver colegas nossos, profissionais DE FILOSOFIA, dispostos a embarcar nessa história, só por serem "contra os analíticos".
Isso é uma vergonha, João. Mas faz as delícias do ministério, que usa a velha divisa “dividir para conquistar”. E muita gente embarca nisto como anjinhos. Eu sempre defendi que nós, profissionais da filosofia, devemos fazer uma frente única perante o ministério (resolvendo as nossas diferenças entre nós e criando consensos internos). Só que infelizmente muitos colegas nossos preferem fazer precisamente o contrário, usando o ministério para “lutar” contra “os analíticos”.
Embarcou na retórica que, infelizmente, começa a caracterizá-lo. Digo infelizmente porque faz falta haver pessoas activas como você, que não cruzam os braços a fazer frente às medidas castradoras do Ministério em relação à Filosofia.
Contudo, como admirador do seu trabalho teórico de didáctica da Filosofia, não gosto quando se defende com uma argumentação que pretende pressionar psicologicamente os seus colegas que ainda têm espírito crítico.
Vejam lá se se queixam menos e façam mais, que daqui a uns anos ficam sem Filosofia. - Não lhe parece que este tipo de argumentação deixa ressaltar algo de "eduquês"?
Não, caro Professor, eu não sou contra o ensino da BOA filosofia, venha ela de onde vier, nem sou contra a lógica, mas sou contra os clubes académicos que se confrontam entre si por um lugar ao sol na filosofia do secundário. E quer queira quer não, esta é uma posição defendida por muitos professores. Serão que estão a ser inocentes?
Mas também é verdade que começo a pensar de um outro modo com a sua ajuda. Por isso, agradeço-lhe sinceramente os esclarecimentos e entenda as minhas inquietações, que algumas mostraram-se infundadas, mas nem todas.
Saudações
João Vieira
Já Estabão dizia que éramos um povo ingovernável, e eu verifico, nas inúmeras guerras internas em departamentos (de física, filosofia, Letras, etc. - que deveriam apesar de tudo albergar as elites) que a conflitualidade predomina sobre a fria ponderação racional. Esta situação, que se generaliza ao país no seu todo (como se pode ver, por exemplo, observando os padrões de estacionamento em Lisboa) advém, porventura, de sermos um povo "de sangue quente", mas resulta também de uma certa falta de humildade pessoal, e desconfiança sistemática relativamente ao próximo, e aos detentores do poder por acréscimo. Desengane-se portanto o Desidério (embuido embora de uma cultura diferente) se pensa que consegue criar alianças sólidas com quaisquer membros do povo naturalmente conflituoso que é o seu, contra os governos ou ministérios... A conflitualidade que existe contra os governos, os minisérios, os "poderosos", ou "eles" genericamente, é precisamente a outra face da mesma moeda que é a conflitualidade inter-pares. Razões últimas deste estado de coisas, difuso mas muito generalizado, e que irrompe por vezes em grandes explosões? Talvez os genes de Neandertal que levamos em nós, e que, especulativamente, nos produzem estes impulsos primitivos e atávicos de anarquia descabelada... É com efeito bem sabido que o homem de Neanderthal se extinguiu em último lugar na Península Ibérica (há mesmo quem defenda que não se extingiu). Não é uma ideia difícil de aceitar tendo em conta o facies primitivo de alguns portugueses e espanhóis nomeadamente o treinador de futebol Jaime Pacheco, a personagem de ficção Sancho Pança, e muitos outros. Tal como esse primitivismo se manifesta fisicamente, atravês de feições grosseiras e rombas, e um ar atarracado e mal-acabado, é possível que também tenha como consequência uma certa boçalidade espiritual, caracterizada por uma conflitualidade estéril e atitudes de cabeça-oca. Quem sabe se foi por isso que os Neandertais foram (apesar de tudo) superados numericamente pelos Sapiens Sapiens, mesmo se não erradicados totalmente...
Caro João
De que clubes académicos está a falar, João? A que clube pertenço eu, sendo professor no estrangeiro? O que tenho eu pessoalmente a ganhar com essas disputas intestinas? Já se perguntou isso?
Acho deplorável tanta desconfiança em relação ao trabalho dessa corja dos "analíticos", mas tanta aceitação acrítica no que respeita ao trabalho de quem há anos domina o ensino da filosofia, com os resultados que se conhecem. Desculpe a frontalidade, mas acho esta posição insustentável.
Por que não se pergunta com que critérios foi o Ministério da Educação convidar as pessoas que convidou para fazer o programa de filosofia que fizeram? Ou o que possivelmente estão agora a cozinhar no segredo dos deuses?
Por que não se pergunta com que critérios o Ministério da Educação decidiu anular o exame de filosofia depois de dois anos com exame?
Por que não se pergunta por que há tantos autores de manuais, que dão dinheiro, mas tão poucos autores de outros livros, que não dão dinheiro? Para muitas pessoas a filosofia é um mero negócio, mas isso não parece incomodá-lo. Contudo, incomoda-o o muito trabalho feito desde há anos pela corja de analíticos, e preocupa-o que tal corja possa “dominar” o ministério.
Eu acho que é uma vergonha de facto essa corja não dominar o ministério; sabe porquê? Porque o trabalho feito por essa corja, mau ou bom, é praticamente o único que se publicou em Portugal sobre o assunto. Portanto, se alguém tem legitimidade para aconselhar o ministério sobre matérias relacionadas com o ensino da filosofia, é quem fez esse trabalho.
O que o devia incomodar é que sejam anónimos que nunca publicaram coisa alguma que dirigem, e mal, ensino da filosofia.
Já olhou com atenção para a bibliografia do programa de filosofia? Não lhe faz impressão um programa só com bibliografia secundária, a maior parte da qual não são obras de filosofia?
Enfim, entristece-me que seja tão pouco crítico relativamente a estas coisas, e ao mesmo tempo tão saudavelmente crítico em relação ao que eu faço. O que peço é que use os mesmos padrões críticos nos dois casos, João.
Caro Professor,
muitas das dúvidas que julga (mal) que eu não tenho, não foram suscitadas pelas suas palavras para as querer discutir aqui (que, de facto, este não é o espaço indicado).
Ponto da situação:
1. a minha necessidade de discutir razoavelmente consigo algumas ideias deve-se à sua franqueza em admitir aquilo que muitos professores (esses de acusa que não gostam de estudar, etc) já questionaram, isto é, a desarticulação entre o seu manual e o programa;
2. a desarticulação do seu manual com o programa fez com que muitos professores o não tivessem adoptado; reacções do seu clube: são maus professores, fazem da filosofia conversa da treta, e outras falácias similares;
3. apesar da desarticulação, são emitidas as OLP descaradamente elaboradas (mais grave ainda sob a tutela dos autores do Programa) sob a égide um modelo didáctico diferente do modelo seguido pelo seu manual e o do L.Rodrigues.
Nunca quis discutir a qualidade do seu manual, mas, admitindo que estou de acordo com o modelo didáctico que preconiza, tentei imparcialmente discutir esses três problemas, defendendo a tese de que é ilegítimo substituir, tacitamente, um programa ainda em vigor, independentemente de as alterações terem sido benéficas. E os seus argumentos a este propósito não foram convincentes.
E atenção por Programa não entendo apenas o esqueleto composto pelos problemas, conceitos, mas acima de tudo o modelo didáctico que nós professores temos de apreender para elaborar as nossas planificações e gizar estratégias.
«O que o devia incomodar é que sejam anónimos que nunca publicaram coisa alguma que dirigem, e mal, ensino da filosofia."
Desconheço os anónimos de que me está a falar. Se se refere aos autores do Programa, engana-se, porque há muito que são conhecidos do panorama da didáctica da Filosofia, ou anda desatento?
Professor, deixa vez tenho de fazer xeque-mate. O seu último comentário só me ajudou a verificar que não estou a mergulhar em conspirações insanas. E repito-lhe, eu preservo acima de tudo a Filosofia e o seu rigor, venha de que clube vier, mas repare, tem de haver transparência da vossa parte, porque estão a lidar com colegas também formados em Filosofia e não um grupo de pessoas pouco informadas, sem espírito crítico.
Saudações,
João Vieira
João, qualquer manual que introduza qualquer filósofo estará a violar o programa, que não tem um único filosofo lá. Qualquer manual que use bibliografia filosófica, idem, porque esta não existe no programa. Os manuais que obdecerem ao espírito do programa terão recortes de jornais, conversa fiada, sociologias de salão e coisas afins, mas não terão a apresentação e discussão rigorosa das ideias de Descartes, Kant, Hume, Aristóteles, etc.
Mas esta discussão é ridícula, João, porque nunca mais terá ameaças de "analíticos" no ministério. A partir de agora terá só os sintéticos.
E pela minha parte pode ter a certeza disto: sujei as mãos na lama e estou muito arrependido de lidar com aquela gentalha do ministério e seus acólitos. Soubesse o que sei hoje e nunca teria feito nada a pedido do ministério.
Mas que houve completa transparência, não tenha dúvidas: vá ao site do CEF-SPF e lá tem a descrição factual de todo o processo das Orientações. Tem lá toda a documentação.
Dou por finalizada a discussão, na qual fiquei bastante elucidado. Desta feita, agradeço-lhe os seus esclarecimentos.
Da gentalha do ministério e seus acólitos, provavelmente nada poderei falar pelo tenebroso desconhecimento do que ocorre à hora do chá, aliás, gosto muito mais de café, que sempre é uma bebida forte e robusta. Mas, uma vez que o meu amigo conhece melhor a tal canalha, eu confio em si e no que diz.
Juro-lhe que pensei que os fazedores do programa tinham sido substituídos, daí a minha necessidade de começar a temer um programa demasiado unicolor. Mas se não foram, então tenho agora razões para mergulhar ainda numa maior PREOCUPAÇÃO: será que continuaremos a discorrer sobre a inefabilidade do "outro" e do "si", das instituições, das condicionantes da acção humana, das dimensoes da religião e outras barbaridades que tais?!
Só espero que quando aparecer o novo programa ele não nos seja imposto sem a avaliação crítica que se exige, para não correr os riscos que o actual correu.
Saudações,
João Vieira
Esperemos pois pelo novo programa. Obrigada a ambos.
Cumprimentos,
Elisa Seixas
Joana
sou uma aluna do 11 ano e admiro a capacidade de tal filosofos e a maneira de como abordam alguns assuntos... Portugal está mesmo mal, e em alguns aspectos so confirma a actualidade dos Maias... hoje em dia, os alunos estudam para tirarem boas notas e nao para aprenderem e evoluirem psicologicamente, estao retidos na mentalidade medíocre, nas telenovelas, nas revistas "cor de rosa" tudo muito sentimental, ja nao se usa o raciocinio, so o coraçao... a maior parte dos assuntos abordados em cima nao percebi, porque tambem nao estou dentro de nada e nao passo de uma jovem a querer expressar uma opiniao nao tanto igual à da maioria das opinioes de jovens da minha idade... confesso que nao sou muito aplicada ate pk facilitam na escola, mas gstava que ouvesse um ensino bom e adequado para retermos melhor e mais conhecimentos e evoluirmos para evoluir Portugal, mas nem a ministra de educaçao, nem o Ministerio nos ajudam... O meu ídolo é o sr Desidério Murcho!!!
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