sábado, 25 de agosto de 2007

MUSEU DOS LANIFÍCIOS DA COVILHÃ


O poeta Ernesto Melo e Castro descreveu em quatro versos a paisagem da sua terra natal, a Covilhã: “arestas desta serra / vertente / para o mar libertando / o próprio peso em água”. Com efeito, a Covilhã fica num sítio onde a água da serra escorre, por violentas ribeiras, para o vale. Deve-se a este facto a fixação aí desde o século XVII de indústria têxtil. A água em abundância era necessária para lavar as lãs e preparar os tecidos. Não é por acaso que Melo e Castro além de poeta é engenheiro têxtil (escreveu ele, a propósito do poeta e engenheiro Álvaro de Campos: “Eu próprio serei Poeta e Engenheiro / mas muito mais real que imaginário.”)

Quem for à Covilhã, em tempos conhecida como “cidade-fábrica” (um título hoje injustificado devido à progressiva desindustrialização), não deve deixar de visitar o “Museu dos Lanifícios”, pertencente à Universidade da Beira Interior. O museu constitui a memória “in situ” de uma das mais antigas fábricas de têxteis do burgo e do país, a “Real Fábrica das Lãs”. Fundada pelo Marquês de Pombal em 1764, a fábrica laborou até 1885, quando o edifício foi transformado em quartel.

A fábrica foi sendo esquecida. Foi por acaso, no decorrer de obras realizadas em 1975 pelo então instituto politécnico, que um operador de uma retroescavadora encontrou um conjunto de grandes dornas, depressa reconhecido como tinturaria de panos (era aí que as fardas militares, no tempo do marquês, eram pintadas de azul). A reitoria soube, honra lhe seja, reconhecer o valor do achado e, depois de um trabalho aturado de arqueologia industrial, abriu o museu. O resultado é notável, como reconhecerá o visitante que entrar pela porta encimada pelas armas de D. José. O Museu dos Lanifícios foi, de resto, já reconhecido pela Associação Portuguesa de Museologia com o prémio do “melhor museu”, que distingue a programação e a realização museológica ao longo de um triénio.

O Museu da Covilhã é um bom exemplo do modo como uma escola superior pode valorizar a cidade onde se situa, constituindo-se numa verdadeira “universidade aberta” (é curioso como o museu se insere no ambiente universitário, podendo o turista encontrar professores e estudantes ao longo dos “corredores das fornalhas”). O visitante, além da tinturaria das dornas e das fornalhas que as aqueciam, aprende os antigos processos de manufactura da lã. Reza um provérbio local: “Se os filhos de Adão pecaram, os filhos da Covilhã sempre cardaram”. A alusão percebe-se depois de se ter visto o museu já que o cardo, existente nas faldas da Serra da Estrela, servia para “pentear” a lã.

O Museu dispõe ainda um “Arquivo Histórico de Lanifícios”. Esse centro de documentação resultou de um projecto europeu, centrado na conservação e estudo do património têxtil, e que, sob a liderança da Covilhã, integrou instituições de Espanha, França, Inglaterra e Irlanda. Note-se que a Covilhã, isolada do litoral português pelos altos da serra, sempre se soube ligar à Europa: por um lado atraindo de Espanha os rebanhos em transumância que percorriam a chamada “rota da lã”, e por outro estabelecendo para fora, sob o impulso dos cristãos-novos, o comércio dos panos.

O visitante do Museu deve aproveitar para ver mesmo ao lado a excelente Biblioteca Central da Universidade, um projecto do arquitecto Bartolomeu Costa Cabral. Verificará como o novo se pode aliar ao antigo, como o granito se pode juntar à madeira e ao vidro para oferecer um espaço onde apetece ficar. Sente-se, pegue num livro de Ernesto Melo e Castro (ou do conterrâneo António Alçada Baptista) e relaxe. Dê graças por aqui não se ter arrasado tudo para construir de novo.

4 comentários:

Anónimo disse...

:)

Graça disse...

Por acaso estará a querer denegrir a "obra monumental" do Estado Novo ao destruir a Alta de Coimbra?... Os meus pais ainda a conheceram e dela têm saudades. Mas, francamente: como é que o regime podia controlar os irrequietos estudantes, sempre com ideias novas (e subversivas) a fervilhar nas suas cabeças???

Graça Cravinho

Anónimo disse...

Há quem chame à Covilhã a "Manchester de Portugal" pelas semelhanças quanto à indústria textil. Na realidade penso que as duas poderiam ter sido muito semelhantes e agora em vez de falarmos numa cidade de 40 000 habitantes como a Covilhã falariamos numa metropole com 400 000 (o equivalente a Manchester no Reino Unido). Um dos factores que contribuiram para o grande desenvolvimento de Manchester em termos industriais foi a ligação entre o mundo industrial e cientifico. A universidade técnica de Manchester (UMIST)agora parte da Universidade de Manchester muito contribui para o desenvolvimento da tecnologia na indústria nesta cidade e no mundo. Infelizmente este tipo de ligação não existiu na Covilhã. Se tal tivesse acontecido na Covilhã bem como em outras cidades talvez agora não estivessemos no fosso económico e tecnológico em que nos encontramos. Talvez isto nos possa servir de lição para o futuro...
Aproveito para deixar aqui a referência a um outro museu este em pleno centro da cidade da Revolução Industrial, chama-se Museu da Ciência e Tecnologia em Manchester.

Nuno Sousa disse...

Infelizmente já apareci 5 vezes para visitar o museu, mas estava sempre fechado. Segundo me informaram, só abre em dias de festa.
De que nos vale ter museus, se estes estão abertos meia dúzia de dias por ano?

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