quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Contra a polícia da palavra

"Se todos os seres humanos, menos um, tivessem uma opinião, e apenas uma pessoa tivesse a opinião contrária, os restantes seres humanos teriam tanta justificação para silenciar essa pessoa como essa pessoa teria justificação para silenciar os restantes seres humanos, se tivesse poder para tal. Caso uma opinião constituísse um bem pessoal sem qualquer valor excepto para quem a tem, e se ser impedido de usufruir desse bem constituísse apenas um dano privado, faria alguma diferença se o dano estava a ser infligido apenas sobre algumas pessoas, ou sobre muitas. Mas o mal particular em silenciar a expressão de uma opinião é que constitui um roubo à humanidade; à posteridade, bem como à geração actual; àqueles que discordam da opinião, mais ainda do que àqueles que a sustentam. Se a opinião for correcta, ficarão privados da oportunidade de trocar erro por verdade; se estiver errada, perdem uma impressão mais clara e viva da verdade, produzida pela sua confrontação com o erro — o que constitui um benefício quase igualmente grande." (John Stuart Mill, Sobre a Liberdade, 1859, trad. de Pedro Madeira, Edições 70, p. 51.)

13 comentários:

Anónimo disse...

Voltaire,obrigado a sair de Paris, após a publicação das "Cartas filosóficas", sobre o valor sagrado em não calar a opinião contrária à nossa, sentenciou: "Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até à morte o direito que tens em o dizer".

Desidério Murcho disse...

Caro Rui

Tanto quanto sei essa famosa atribuição a Voltaire não é inteiramente verídica, apesar de exprimir as suas ideas sobre a liberdade de expressão. Se tiver alguma fonte onde Voltaire o tenha escrito explicitamente, poderia dizer-me qual é? Já procurei isso sem sucesso.

Anónimo disse...

Caro Professor: Na verdade, li este pensamento sem poder precisar onde. Decorei-o pela impressão que em mim causou por exprimir um conceito de liberdade de expressão de um vulto de uma Cultura intemporal e sem fronteiras que suspeito de ter escrito páginas difamatórias contra o Regente Filipe de Orleãs esteve preso vários meses na Bastilha. Face aos tempos actuais em que a liberdade de expressão (devidamente responsável, claro está!) está longe de ter alcançado carta de alforria é caso para dizer que, nem sempre, os costmes mudam com os tempos. Reconheceu-o António José Saraiva (1963):"Este mundo é duro: haverá sempre inquisidores e fogueiras".Se, porventura, encontrar a referida fonte, fica a promessa de entrar em contacto consigo.

Anónimo disse...

Onde escrevi "costmes" queria escrever costumes. Aqui fica feita a devida correcção.

Fernando Dias disse...

Acredito que em relação a um número pequeno de questões ligadas à vida podemos ter um fundamento de verdade, mais do género de “não ser” por aí do que “ser” por aqui. Sei melhor o que não devo fazer para me manter vivo do que o que devo fazer para garantir o mesmo. E sabemos que não devemos matar outro ser humano, pelo menos, e que é melhor não ser ignorante do que ser (também sabemos quem defenda o contrário). Mas já temos dúvidas se há algum fudamento de verdade em não dever matar uma mosca que chateia, ou um caracol para o comer. Fora destas questões básicas, estou convencido que posso ter uma opinião que é correcta hoje e venha a ser incorrecta amanhã. Até aqui nada de novo.

Se assim é, a liberdade de pensamento devia dar-me a possibilidade de dizer hoje, que acerca de algumas ideias que eu tinha no passado (sobretudo as mais preciosas que eu tinha como verdadeiras) afinal estão erradas e por isso devo mudar, embora as coisas se compliquem se quisermos explicar como chegamos a essas conclusões.

Mas as pessoas que corrigem ex-verdades, ou que sequer as reconheçam, sobretudo aquelas que costumam defender uma opinião com “unhas e dentes”, são raras. Sobretudo quando “unhas e dentes” quer dizer perseguições, censuras e outras malfeitorias contra aqueles que defendiam opiniões contrárias. Claro que alguns que se vão apercebendo disso, acabam por cair no extremo oposto (parece que o oito e o oitenta é intrínseco à espécie humana – “uma boutade”), e acantonam-se naquele nicho que hoje se classifica de “pós-moderno” (sinceramente não sei o que este conceito significa), e fazem jus àquela frase anedótica “eu sou da mesma opinião e da contrária se for preciso”.

A maior parte das pessoas possui o preconceito contra a traição. Tendem a resistir mudar de opinião porque isso é uma traição ao seu próprio pensamento num dado momento histórico da sua vida. Eu tenho um amigo com 55 que é marxista desde os 17 e diz que não deixa o PC porque estaria a trair os seus princípios. De resto reconhece que o marxismo está errado ou falhou, ou assim uma coisa… (ele diz isto depois de mais um copo de Alvarinho). Por outro lado temos o Durão Barroso que era maoista e agora é neo-liberal (se é que isto significa alguma coisa) e já ouvi a muito boa gente dizer “Olá! Aqui há pardal!”. Dizer que isto é uma característica intrínseca do ser humano até pode ser uma verdade mas interessa pouco para o ponto onde queremos chegar agora.

Aqueles que resistem estão a trair o princípio da verdade naquele novo momento histórico? Como é que se pode sair desta embrulhada? Seria um grande benefício para todos termos a coragem de nos confrontarmos com o erros que cometemos, quer no campo das decisões, quer no campo das ideias, opiniões ou pensamentos. O erro é um risco constantemente presente e inevitável a que toda a espécie humana está sujeita (racionalistas cartesianos, empiristas stuartmillianos, wittgensteinianos, confucionistas, taoistas, budistas), mas parece que pouca gente o quer assumir. Todos constatámos isso mais tarde ou mais cedo no decurso da nossa vida.

Portanto, toda a pessoa, mais tarde ou mais cedo, está sujeita a ter de mudar de opinião num dado momento histórico, a deitar fora umas verdades que afinal são erros, e a trocar por erros o que afinal são verdades. Consequentemente, se quiser levar até às últimas consequências a sua honestidade intelectual, está sujeita a ter de praticar traição. Parece que alguns têm conseguido, mas certamente não a maioria.

Anónimo disse...

A minha entrada tardia no mundo da informática leva-me a não ser um assíduo consultador da Wikipédia. Fi-lo agora com a intenção de ver se a minha referência à sentença de Voltaire lhe pertencia e se os termos em que a referi correspondiam a uma citação digna de crédito, por a ter feito de memória. Assim, a frase correcta, segundo aquela fonte informática é: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até à morte o direito de você dizê-las". A referência à verdadeira fonte onde ela se insere na obra de Voltaire fica sem ser desvendada. Mas o que interessa verdadeiramente é o facto de Desidério, com a transcrição do texto que faz, ter contribuído para que na consciência dos homens esteja sempre presente o crime contra tudo que atente contra a liberdade de expressão.

Anónimo disse...

http://en.wikipedia.org/wiki/Evelyn_Beatrice_Hall

Evelyn Beatrice Hall, (1868 - 1919), who wrote under the pseudonym S.G. Tallentyre, was a writer best known for her biography of Voltaire. She completed her biography of Voltaire The Friends of Voltaire in 1906. She wrote the phrase, which is often mis-attributed to Voltaire, "I disapprove of what you say, but I will defend to the death your right to say it," as an illustration of Voltaire's beliefs".

lino disse...

Caro Desidério:

Julgo que aqui

http://en.wikiquote.org/wiki/Evelyn_Beatrice_Hall

aqui

http://www.classroomtools.com/voltaire.htm

e aqui

http://www.hypernote.com/C745182673/E253798223/

se pode ver a origem da falsa atribuição a Voltaire da máxima citada pelo "rui baptista".

Um abraço desde Ponte de Lima.

Anónimo disse...

Julgo que a atribuição da frase a Voltaire não é, de forma alguma, falsa a fazer fé na Wikipédia. O que constitui "pano para mangas" é saber localizá-la na fonte. Espero que "lino" tenha dado um contributo válido nesses sentido com as pistas que anuncia. Pela minha parte, como disse, em comentário anterior, limitei-me a citar de memória uma sentença que muito me impressionou pela defesa que faz à liberdade de expressão. Saberei penitenciar-me se a frase não for de Voltaire. Não culparei a Wikipédia porquanto a minha consulta é posterior à citação por mim feita. De tudo isto, resulta o interesse da investigação a fazer sobre o assunto. Aliás um simples comentário não justificava uma recolha bibliográfica sempre imperiosa em trabalhos de natureza académica. Que não foi o caso!

Anónimo disse...

“Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentada sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo própria. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo, e dá-se no nosso cérebro consequentemente.

(…) Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez, data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural.
(…) É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles, é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade.
Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação de mudar de opinião e de certeza várias vezes no mesmo dia. Deve ter não crenças religiosas, opiniões políticas, predilecções literárias, mas sensações religiosas, impressões políticas, impulsos de admiração literária.

(…) O homem disciplinado e culto faz da sua sensibilidade e da sua inteligência espelhos do ambiente transitório: é republicano de manhã, e monárquico ao crepúsculo, ateu sob um sol descoberto, e católico ultramontano a certas horas de sombra e de silêncio…
(…) Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais… A política e a religião gastam dessa lenha, e é por isso que ardem tão mal ante a Verdade e a Vida”. (in: Fernando Pessoa, Páginas de Pensamento Político 1, 1910-1919, Publicações Europa-América).

Se a mudança é um fluir contínuo como não admitir, liberalmente como Mill, que o homem tem direito inalienável a exprimir-se, opinando diversamente, agora num sentido, logo num outro, e amanhã num ainda mais único e incongruente. Porque a admissão da liberdade do outro resulta da própria natureza mutável de cada qual. E a defesa da nossa individualidade impõe necessariamente a defesa intransigente da liberdade alheia. Contrariar esta liberdade imanente do ser humano pressupõe sempre uma unicidade e totalidade, que se assumida categórica e agressivamente desemboca num qualquer espírito totalitário.

Anónimo disse...

Na Turquia, que já é quase uma democracia, é proibido falar no genocídio Arménio. Quem disser que ele aconteceu vai para a prisão.

Em vários países da democrática Europa é proibido, e dá prisão, dizer que não houve genocídio judeu durante a ocupação nazi

Os manuais escolares britânicos podem ser ilustrados com o pai de avental na cozinha, mas não com a mãe na mesma situação.

Eu nunca me sentaria à mesa com um fulano que nega o genocídio judeu. Teria nojo. Mas seria sua testemunha de defesa em tribunal se ele fosse julgado pelas suas opiniões.

Anónimo disse...

Fico grato aos comentadores que investigaram na internet a origem da frase que atribuí a Voltaitre e que a própria Wikipedia apadrinha. Fui ao Google e inseri o nome de Voltaire. Aí me apareceram vários pensamentos atribuídos a Voltaire. De entre eles, a frase que motivou toda esta investigação contraditória na própria Wikipedia. Seja como for, este pensamento encontra a sua expressão actual no direito ao contraditório. Felizmente, os comentários permitem o seu usufruto pleno. O que não sucede nos jornais em que o fim da discussão é determinado pelas respectivas direcções, deixando nos interlocutores o sabor amargo de não serem aclaradas devidamente as diversas opiniões contraditórias.

Anónimo disse...

A pressa com que foi redigido este comentário levou à repetição da palavra contraditório. Julgo que a redacção poderá ser melhorada com o seguinte final: (...)as diversas opiniões em jogo. Espero que o interesse que pus no desfecho desta investigação ajude ao alijar de culpas.

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