sábado, 11 de agosto de 2007

Um equívoco da educação portuguesa

Os funcionários do Ministério da Educação (ME) têm promovido medidas educativas, ao longo de décadas, que muitos críticos consideram profundamente erradas e lesivas dos interesses nacionais. Tanto da parte dos críticos como da parte dos funcionários do ME subsistem alguns equívocos, que por vezes até dificultam o desejável entendimento entre as partes.

Um dos mais importantes é a ideia de que as medidas educativas promovidas pelo ME se baseiam consistentemente em teorias educativas erradas, a que por vezes se dá o nome de “eduquês”. Isto só parcialmente é verdade. Em muitos documentos do ME pode ler-se alusões a doutrinas educativas há muito ultrapassadas e que em qualquer caso nunca foram “científicas”. (Sobre as críticas a tais teorias, leia-se os trabalhos de Nuno Crato e os posts de Helena Damião neste blog.) Mas há dois aspectos que são causalmente preponderantes.

O primeiro é a pura incompetência, o academismo estéril derivado das teseszinhas de “ciências” humanas para pobres, que consistem em repetir sem compreender uma linguagem alheia rebuscada e mal digerida. Não há teoria que resista à pura incompetência intelectual visível em alguns documentos do ME. Mesmo que tais documentos se baseassem nas melhores teorias educativas actualizadas, o efeito final seria sempre o mesmo amontoado de disparates pretensiosos e mentecaptos.

O segundo aspecto resulta do primeiro. Precisamente porque a maior parte dos documentos do ME, que deviam ter por função única orientar as práticas dos professores, os deixam tão completamente desamparados, os professores acabam por fazer mais ou menos o que sempre fizeram, mesmo que finjam andar a cumprir as vontades do ME. O resultado é o que temos: más teorias educativas mal articuladas nos documentos do ME e pior aplicação nas escolas.

Um dos maiores disparates dos sucessivos programas curriculares e normas educativas nacionais é nunca se ter em consideração duas coisas básicas, que são pedras angulares de um ensino de excelência: 1) boas bibliografias introdutórias, e 2) a formação real dos professores.

Nas bibliografias dos programas curriculares encontram-se os maiores disparates, ao pior estilo académico nacional: obras de prestígio, da moda, para se mostrar superioridade académica, ou obras dos amigos certos, para apaziguar queixumes. A melhor bibliografia internacional de carácter introdutório, não está lá, mesmo que esteja já traduzida para português. Porquê? Em parte porque o espírito escolar e universitário nacional sempre foi idiota: vive de vaidades tolas, tomos de 500 páginas atirados teatralmente para cima das secretárias, nomes sonantes que se mencionam numa conversa sem que realmente se domine o pensamento de tal autor, etc. Assim, o objectivo dos autores dos programas curriculares não é orientar os professores, mas exibir imaginadas superioridades académicas: “Ah, viste, ele cita o Damásio!” O que raio tem um livro complexo e sofisticado do Damásio a ver com a formação que queremos dar a jovens de 15 anos é algo que não ocorre a qualquer funcionário do ME perguntar.

Este fenómeno ocorre também em parte porque nunca demos em Portugal valor ao trabalho modesto de ensinar a rapaziada. Uma tese idiota sem qualquer valor académico real, mas muito difícil de ler e com centenas de páginas e milhares de notas, impressiona. Um livreco de 150 páginas que ensine correctamente estudantes de 15 anos qualquer matéria central sobre literatura ou sobre o sistema solar, é desprezível. A ironia disto é que nos países onde realmente há produção académica a sério, estes livrecos não são encarados como produtos menores, mas antes como a condição de possibilidade para se poderem ter os outros produtos — pois se desde cedo os nossos estudantes não tiverem acesso a uma boa formação, como podemos esperar que depois de doutorados sejam historiadores, físicos, filósofos ou musicólogos de ponta, internacionalmente reconhecidos? (E quero deixar também desde já claro que é outra imbecilidade provinciana a ideia tola muito difundida no nosso país de que para se ser competente em X temos de ser “internacionais” — daí o fascínio por uma besta qualquer, como eu, que vive no estrangeiro e tem alguma projecção fora do país. Isto é pura e simplesmente idiota. A maior parte dos físicos ou filósofos perfeitamente competentes, academicamente e como professores, são completamente desconhecidos em todo o mundo. Mas são competentes.)

O post vai longo, mas preciso ainda de falar da necessidade de ter em conta a formação que os nossos professores receberam nas universidades. Não podemos fingir que os professores saíram das universidades bem preparados sobre as matérias centrais e básicas das suas áreas respectivas — não saíram sequer preparados para encontrar a bibliografia relevante para estudar o que não estudaram nas universidades mas têm de leccionar nas escolas. Seja o que for que se faça no ensino, é necessário produzir materiais introdutórios para professores. E isto não é vergonha nenhuma; é infeliz, significa que as universidades são incompetentes, salvo excepções conhecidas, mas não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Temos apenas de nos limitar a levantar o rabo e limpar o chão — ou seja, temos de produzir e traduzir materiais introdutórios de alta qualidade para os professores poderem estudar por si.

Ah, mas entretanto esqueci-me que a actual ministra da educação considera que os professores não precisam de ter tempo para estudar porque já aprenderam tudo nas universidades.

10 comentários:

Valter Boita disse...

Caro Desidério, é sempre com satisfação que lemos ideias com as quais nos identificamos, que até, de modo disperso, nos chegaram a "atravessar" o pensamento, mas que, por qualquer razão, nos faltou a capacidade para as esclarecer.

No entanto, é-me difícil aceitar a verdade das afirmações que passo a transcrever, quando já as li no seu livro "A natureza da Filosofia e o seu ensino":

«Não podemos fingir que os professores saíram das universidades bem preparados sobre as matérias centrais e básicas das suas áreas respectivas — não saíram sequer preparados para encontrar a bibliografia relevante para estudar o que não estudaram nas universidades mas têm de leccionar nas escolas.»

É-me difícil aceitar a verdade destas afirmações, pois se o fizermos somos confrontados com as seguintes consequências/hesitações:
. Quem defende a verdade destas afirmações, terá ele sido bem preparado academicamente, uma vez que considera que os professores não vêm bem preparados das Universidades?
. Se nas Universidades é verdade que existem maus professores, também é verdade que existem outros que não estão disponíveis apenas para vender os seus livros, mas que nos apresentam bibliografia primária e secundária sobre a área na qual se especializaram. Então, deverão os professores do ensino secundário desconfiar dos investigadores especializados? Então, deverão confiar em quem? Nos autores do Programa das disciplinas, nos autores de Manuais? Na verdade, nunca é justo pedir a alguém que faça uma bibliografia/antologia de textos para professores do ensino secundário, porque não acredito que alguém o faça de modo imparcial e indiferente aos seus gostos pessoais ou aos autores que melhor conhece. Será igualmente justo, na elaboração de uma bibliografia de apoio, recomendar autores que não se conhecem e livros que não se leram?
. Creio que os professores do ensino secundário, e sei que o Desidério também tem a mesma convicção, não são todos uns medíocres do ponto de vista intelectual(que ne sequer sabem seleccionar bibliografia!), que se optaram pelo ensino secundário foi por preguiça ou falta de competência para enveredarem no trabalho académico. Conheço muito boa gente que exterioriza este preconceito.
Então, se foram mal preparados pelas universidades, e o que dizer da sua autonomia para descobrirem autores, livros, textos, que se aplicam ao ensino secundário? E se não têm autonomia para isso, torna-se legítimo enviá-los para acções de formação (e os formadores foram bem preparados pelo ensino superior?), para reaprenderem o que a Universidade não conseguiu fazer com que aprendessem.

Um abraço e desculpe-me a contaminação das emoções neste comentário

Anónimo disse...

Uma informaçãozinha sobre os efeitos a longo prazo das "políticas" de educação em Portugal. Baseia-se na história verídica de P de nacionalidade portuguesa.

Nos anos 80, P estava no secundário, era aluno excelente mas para não ser catalogado como marrão e esquisito não se aplicava a 100%. Queria ser médico ou biólogo e dedicar-se à investigação científica. Diziam-lhe que isso não era boa ideia, porque a investigação científica não enche 'barriga' (ou os bolsos) e o que se quer duma pessoa de sucesso é mostrar que se tem muito dinheiro. P completou o secundário com média de 17, não suficiente para a medicina em Portugal mas suficiente para biologia. Depois de um curso universitário com excelente aproveitamento, apesar de continuar a ser considerado marrão (os colegas achavam muito úteis os seus apontamentos), P decidiu que queria fazer investigação científica. Foi avisado pelo seu supervisor que fora da carreira académica nem pensar, e como 'havia muita gente à sua frente' nos concursos o melhor que tinha a fazer era desistir da ideia.
Até que no início dos anos 90 surgiram as bolsas CIENCIA que permitiram a P, e muitos outros jovens portugueses, continuar os seus sonhos. P foi para uma universidade no Reino Unido onde ficou maravilhado com as condições de vida, de ensino, de trabalho e onde para além de concluir os trabalhos necessários para a pós-graduação ainda trabalhou alguns anos. No final da década, um familiar de P necessita de apoio por motivos de saúde. Como há indicações, da parte de quem gere a ciência em Portugal, de uma grande necessidade de investimento na investigação científica, P resolve contactar várias entidades Portuguesas com propostas de trabalho. Surpresa total que num país ávido de cientistas P não recebe respostas, e quando tenta contactar directamente os instalados científicos portugueses recebe, quando é recebido, respostas verbais de 'não temos espaço para pessoas com as suas qualificações'. Porque não tem outros meios de subsistência e precisa de permanecer em Portugal para prestar apoio ao seu familiar P decide candidatar-se a outros empregos escondendo as suas qualificações. Neste momento o familiar de P já não necessita do seu apoio e depois de responder a alguns anúncios P prepara-se para emigrar para outro continente.
Este trajecto de vida, tenho a certeza, é comum a centenas de Portugueses que investem na sua educação e honestamente gostariam de contribuir para melhorar a situação da educação e das condições de vida deste país. O problema não está na qualidade dos materiais que os professores têm ou deveriam ter ao seu dispôr. O problema está numa mentalidade pequenina (não tem nada a ver com as dimensões do país) que é fomentada na sociedade portuguesa. Talvez a UE consiga, através do 'não mudam então não recebem', produzir algumas transformações cujos efeitos só serão detectados daqui a uns 20/40 anos (uma/duas gerações). E para sua informação, não há manuais, por muito boa qualidade que tenham, que obriguem os professores a aumentar os seus conhecimentos quando eles se recusam fazê-lo porque isso não lhes vai aumentar o salário.

Desidério Murcho disse...

Caro Valter

É um prazer trocar ideias consigo. Respondendo à primeira pergunta: qualquer pessoa que comece a ler por si a bibliografia hoje em dia facilmente disponível por causa da Internet irá verificar quão pobre foi a sua formação (que muitas vezes foi até uma deformação). Foi o que me aconteceu a mim e a muitos colegas, e não apenas no caso da filosofia. Ninguém me ensinou história da filosofia moderna com o mínimo de competência, por exemplo, ou história da filosofia medieval, ou metafísica ou ética. Bastou-me ler alguns livros para chegar a essa conclusão, e o mesmo fazem muitos colegas meus. Mas é claro que isto não significa que só tenha tido maus professores; tive alguns muito bons.

Pergunta em quem deverão os professores do secundário confiar. Em si mesmos e no seu sentido crítico, procurando as bibliografias que hoje são fáceis de encontrar.

Há professores bons e maus em todos os graus de ensino, e em qualquer parte do mundo, mas no nosso país não atingimos ainda o patamar em que o professor médio seja uma garantia de competência. E precisamos mais desesperadamente disso do que de 20 Einsteins em 20 áreas diferentes do conhecimento. Mas nunca alcançaremos tal coisa, se continuarmos a prostituir o conhecimento, usando-o para alardear imaginadas superioridades intelectuais e sociais. Precisamos de trabalho modesto, mas competente, honesto e claro, em todas as áreas.

Anónimo disse...

Considerar que as ciências duras ou moles não evoluem (apesar de Popper nos ter alertado para a refutabilidade do conhecimento científico)é criminoso. Daí o eu ter-me detido na parte final deste post, no que tange "à ministra da educação considerar que os professores não precisam de ter tempo para estudar porque já aprenderam tudo nas universidades".Ora, durante o período escolar é-se submetido a uma hetero-educação (que nem sempre permite uma reflexão sobre a matéria que se está a aprender, ou, que se devia estar a aprender), não poucas vezes,castrante quando o aluno universitário é obrigado a repetir aquilo que o professor lhe ensinou. Depois de licenciado cabe ao "aprendiz", embora com carta de alforria, proceder, pela vida fora, também, a uma necessária auto-educação. Mas o que se tem passado no caso dos professores é que a maior parte das vezes andam à procura da "chafarica" que lhes venda um complemento de habilitação ao bacharelato que possuem para poderem ascender ao topo da carreira docente não superior. Por outro lado, a mudança de escalão da referida carreira docente dependia de acções de formação que dessem créditos, sucedendo este caso deveras espantoso: por exemplo, um professor de matemática que não tivesse uma acção de formação no âmbito da sua área poderia frequentar uma acção de formação de música ou de qualque outra matéria Acresce que estas acções de formação eram apenas presenciais sem qualquer tipo de avaliação. Por outro lado, raramente essas acções eram levadas a efeito na escola que tinha formado o respectivo professor, ficando a cargo de sindicatos de professores, por exemplo. Esta a doutrina que parece continuar a presidir no espírito da actual ministra da educação.Ou seja, as universidades estagnaram no tempo e já não têm mais nada a ensinar. Pobre País que nada faz para modificar este "statu quo" de verdadeira estagnação em que aquilo que se aprendeu há dez, há vinte, ou até mais anos é mais que suficiente. O simples diploma certifica tudo e não certifica nada. Resta-nos a consolação de atitudes de denúncia (no sentido melhor da palavra) deste calamitoso estado do ensino, como a deste post. Não há efeitos sem causas, e más causas só podem dar maus efeitos.

Valter Boita disse...

Prezado Desidério,
creio que qualquer estudioso se sentirá permanentemente insatisfeito com a sua preparação e procurará novas fontes de informação. Embora, isso não queira propriamente dizer que se foi mal formado, muito pelo contrário!
Naturalmente que todos chegamos a um momento em que desconfiamos da nossa preparação académica. E confesso-lhe que tenho aprendido bastante nos últimos tempos - talvez aos olhos das academias portuguesas a minha aprendizagem não seja filosoficamente relevante, pois não me tenho deleitado em escrever textos complexos e ambíguos, repletos de citações e investidas etimológicas. Mas tenho lido autores que não conheci na Universidade e talvez tenha sido importante não os ter conhecido naquele momento, não obstante ter contactado com autores que foram importantes nem que seja para não os considerar importantes. Autores que, porventura, actualmente nem sequer leria. Mas se os li numa dada altura, sinto-me incapaz de dizer que não foram importantes lê-los naquela altura.
Confesso-lhe, porém, que muito há a fazer por muita coisa no nosso país. No tocante à minha formação académica, dei por mim, após a conclusão da licenciatura, a pensar no que deveria ter lido e não li e no que deveria ter feito que não fiz. Mas as minhas críticas não se prendem tanto com a bibliografia recomendada, pois ainda não tenho a maturidade suficiente para o fazer, e se um dia o fizer, espero que me digam que venho tarde de mais.

«Pergunta em quem deverão os professores do secundário confiar. Em si mesmos e no seu sentido crítico, procurando as bibliografias que hoje são fáceis de encontrar.»
Apenas mais uma pergunta, longe de uma retórica abusiva e inconveniente: se admitirmos que os professores vêm mal preparados do Ensino Superior, como se poderá esperar que confiem no seu sentido crítico, se este não foi devidamente trabalhado na altura devida? Admitindo as lacunas na formação académica dos professores, em quem estes poderão confiar se nem neles mesmos? Pois quando me interrogo sobre a minha preparação, e faço-o bastantes vezes, fico preso neste labirinto. Se estou mal preparado filosoficamente, o meu espírito crítico e a minha capacidade de autonomia vêem-se seriamente comprometidos, então como saberei que "este" livro é bom ou "este" autor é melhor ainda? Está a perceber o problema da aceitabilidade das afirmações em discussão, sobretudo, se aceitarmos a compatibilidade entre "deformação" académica e capacidade de reflexão crítica?

A minha posição pode resvalar para uma atitude ainda mais absurda de querer tapar os olhos com uma peneira, ou então seguir o comportamento da avestruz. Admito-o.
O problema de "denunciar o estado calamitoso do ensino" (como vinha escrito no comentario de Rui Baptista) é sempre bem vindo, mas se reflectirmos nele, caímos numa verdadeira aporia: professores mal formados academicamente = gente incapaz de espírito crítico, isto é, de seleccionar autores e textos relevantes para o aprofundamento de determinados problemas filosóficos, por exemplo. E o que resta deste cenário? Professores verdadeiramente amorfos, indiferentes a tudo o que, no tocante à sua área, os envolve, satisfeitos em cumprir o Programa a partir da introdução na prática lectiva da autoridade indeclinável do Manual. O racicínio destes professores (que os há em grande número) consiste em articular os seguintes pressupostos: o Manual tem bons textos, apresenta um bom percurso de aprendizagem e de ensino, então, para quê esforçar-me em procurar noutras fontes outras informações e criar alternativas aos percursos já definidos?

Finalizando: passados alguns anos após a licenciatura, tomo consciência de que gostaria de ter frequentado o mesmo curso, mas com outra metodologia, que não investisse nem incentivasse a preparação de bufões intelectualóides, que lhes basta citar autores que ninguém lê, mas que soam muito bem, para obter bons resultados. Gostaria que as aulas fossem mais dinâmicas, no sentido em que se tornassem numa espécie de "laboratórios conceptuais" (como defende Ignacio Izusquiza) e não a repetição da repetição do que vem nos livros. Devo reconhecer, que nem todas as aulas foram assim, mas infelizmente foram muitas assim! Mas repare: se continuarmos a insistir que os professores estão mal preparados,então pouco resta a fazer. Prefiro acreditar que, mesmo assim, haverá gente bem preparada e gente mal preparada. Mas a "culpa" deve recair mais nos métodos, que os então estudantes usavam, de aprendizagem, do que nos métodos de ensino, porque estamos a falar de uma faixa etaria em que os estudantes já são autónomos.
Um abraço

Anónimo disse...

«O raciocínio destes professores (que os há em grande número) consiste em articular os seguintes pressupostos: o Manual tem bons textos, apresenta um bom percurso de aprendizagem e de ensino, então, para quê esforçar-me em procurar noutras fontes outras informações e criar alternativas aos percursos já definidos?»

Não sei como é na Filosofia, mas no caso das língua vivas a maior parte dos professores que conheço não pensam assim. pensam que os manuais em geral têm péssimos textos, não apresentam qualquer percurso, bom ou mau, de aprndizage, e que o percurso de ensino que apresentam é rudimentar e paupérrimo. Sabem que isto se deve, por um lado, à fidelidade dos manuais a programas e a currículos inanes, e por outro ao interesse dos editores em só incluir textos «actuais» - ou seja, textos com prazo de validade muito curto que obrigue à sua substituição frequente.

Procurar materiais alternativos ou complementares? Isso é que o Ministério diz que quer que os professores façam, mas não quer. Primeiro, porque não lhes dá tempo em sede de horário; segundo, porque não lhes dá tempo em sede de programa.

A este respeito, aproveito para fazer uma observação: não gosto muito de ouvir dizer que os programas são demasiado extensos porque quem ouve isto arrisca-se a ficar com a ideia que transmitem conhecimento a mais. São demasiado extensos, sim, mas porque contêm demasiadas coisas que não têm nada a ver com o conhecimento nem com as disciplinas que lhes dão o título. Na disciplina de Inglês ensinam-se demasiadas coisas que não são Inglês; algo de muito semelhante se passa com o Português e as outras línguas vivas, e creio que com a História e a Filosofia; e só não se passa tanto com o Latim e o Grego porque os iluminados do Ministério ainda não conseguiram pôr Eurípides e Lucrécio a discorrer sobre as focas bebés e a «cultura jovem».

Por tudo isto, só aceito que se diga que os programas são extensos se na mesma frase se disser que são paupérrimos.

Mas discordar, discordar, só discordo de si numa coisa: não é por pensar que os professores já aprenderam o suficiente nas faculdades que a ministra não lhes dá tempo para estudar. É porque não são precisos grandes estudos para as 29 funções (entre as quais não se conta a de ensinar) que o Estatuto da Carreira docente atribui aos professores. É precisa, sim, uma boa dose de doutrinação; mas desta encarregam-se as acções de formação.

Desidério Murcho disse...

Caro Valter

Compreendo a sua inquietação com o tipo de afirmações que eu fiz e costumo fazer. Mas eu tenho sempre o cuidado de dizer que muitos professores souberam superar, por si, as deficiências de formação que tiveram. Caso isso não acontecesse é que teríamo círculo vicioso e sem saída de que fala, e com razão.

Caro José Luiz

Quanto à extensão dos programas, acontece exactamente o mesmo em filosofia: os programas são extensos, mas por conterem lixo idiota que nada tem a ver com a filosofia -- é aquilo a que chamo a conversa morna das tias de Cascais à hora do chá. O Ministério da Educação tem este paradoxo: ao mesmo tempo que usa a retórica "eduquesa" da nova escola e da escola inclusiva, todos os seus curriculos e medidas educativas são concebidas por tias de Cascais que pensam erradamente que um programa é mais fácil para as bestas do pobres que não sabem nada se tiverem muita conversa fiada sobre as "problemáticas" do "mundo contemporâneo".

Quanto aos manuais, não sei muito bem qual é a atitude da generalidade dos professores de filosofia. Mas sei pelo menos que há uma pequena minoria de professores que já abandonaram os manuais da treta cheios de textos "modernos" e voltaram-se para manuais de filosofia "tradicional", que em vez de recortes do Expresso, têm textos de Aristóteles. Infelizmente, é uma pequena minoria. Mas sempre nos dá alguma esperança.

Quanto à actual equipa do Ministério da Educação, não me lembro de algo tão mau em mais de 20 anos. Uma ministra ingénua e que desconhece o meio, secretários de estado carreiristas e ignorantes e um primeiro-ministro analfabeto constituem uma mistura explosiva, pois deram rédea solta aos mais incompetentes técnicos do ministério para fazerem as loucuras todas que quiserem. E ainda estão mais para vir: dentro de um ou dois anos teremos um novo desenho curricular para o secundário, e muito provavelmente a eliminação da Filosofia -- ainda que lhe mantenham o nome, vão de certeza fazer um programa que torne totalmente impossível encaixar nele conteúdos genuinamente filosóficos. Será só conversa da treta.

Anónimo disse...

Professor Desidério

Esta comparação, que faz, das aulas de filosofia "a conversa morna das tias de Cascais à hora do chá", não me parece assim tão negativa. Quem me dera que as minhas aulas tivessem sido assim.
As minhas professoras de filosofia eram tias de sítios muito menos interessantes que Cascais e não conversavam, as aulas eram monólogos inanarráveis e incompreensíveis.

guida martins

Desidério Murcho disse...

Olá, Guida!

Trate-me apenas pelo nome. Mas não será que eram monólogos porque os estudantes não podiam precisamente entrar na conversa da treta? E incompreensíveis precisamente por usarem uma terminologia nunca explicada e inacessível aos estudantes? Mas esse é precisamente o que acontece quando a conversa mole das tias de Cascais cai na realidade escolar do nosso país.

Anónimo disse...

Caro Desidério

Obrigada pelo seu comentário. De facto não é possível aos estudantes entrarem em conversas de treta sem fazerem a mínima ideia de que treta se está a falar, que foi mais ou menos o que me aconteceu nas aulas de filosofia, e não só. Não converso com as tias de Cascais mas, de longe, mostram mais convicção no que andam a fazer do que muitos professores nas salas de aula. Sinceramente, não sei como aguentam, eles próprios, aula após aula, a total falta de comunicação com os alunos.
Concordo que sem melhorar a formação dos professores não há programas escolares, nem manuais, que resolvam os problemas do ensino.

guida martins

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