O recente anúncio de milhões para o "plano tecnológico" da educação e o recente post do Desidério sobre as ilusões no nosso ensino levam-me a recuperar um meu artigo de há dez anos que, entre outros assuntos, fala de tecnologias no ensino. Foi publicado no "Público" de 5-10-1997 e parece-me ainda actual, tão actual que não tive de mudar nada a não ser suprimir dois curtos parêntesis circunstanciais. Impressiona sobremaneira que os males permaneçam apesar de há muito, e por várias pessoas, terem sido apontados os remédios.
Portugal tem motivos à vista para se preocupar com a educação científica (sintomas recentes são os resultados das provas finais do ensino secundário, dos testes internacionais a alunos e dos inquéritos sobre cultura científica). Estamos roídos pela doença da ignorância científica, que nos pode ser fatal. Mas ninguém parece preocupar-se demasiado. Não há uma ideia mobilizadora, uma acção abrangente que nos encha o horizonte. Quando muito, vão-se administrando, com a ajuda de “especialistas” da educação, alguns remédios caseiros, circunstanciais e inconsequentes. Vejamos alguns problemas, criticando as mezinhas e alvitrando a cura.
1) Currículos, manuais e exames
O axioma de partida é a centralidade da escola, pese embora o contributo não despiciendo de outros meios. É na escola que se deve aprender, por exemplo, que a Terra gira em volta do Sol e que o homem proveio da evolução de organismos primitivos. Estes factos devem ser do conhecimento comum — é questão básica de cultura saber onde estamos e de onde vimos. O currículo tem de determinar que isso é ensinado. É também preciso um currículo de atitudes. Para além de um conjunto de factos, o ensino das ciências deve transmitir uma postura, fundada na dúvida e no método. A escola, além de fornecer respostas convencionais, deve treinar para vencer desafios, deve preparar para a vida e para a mudança.
O primeiro problema é o desrespeito dos currículos e o desvalor de manuais e exames. Temos remendos permanentes, em vez de programas estáveis. Os manuais, que muitos julgavam essenciais, são, em modernas concepções pedagógicas, apenas mais um elemento do “processo de ensino/ aprendizagem”. E os exames, que muitos julgavam incontornáveis para apurar a qualidade, constituem, em correntes moderníssimas, uma violência desnecessária sobre as crianças.
Deveras perturbante, neste “processo de ensino/ aprendizagem”, é a linguagem dos “lobbies”. Incomodado no topo do aparelho, mas com impotência evidente, um ministro chamou-lhe “eduquês”. Para o leitor analfabeto nesse dialecto, eis algumas expressões: “núcleo significativo de...” (em geral, de conhecimentos), “matriz de...” (pode ser de qualquer coisa), “integrar” (embora o rigor seja nulo, parece matemática), “no quadro de” (de referência ou outro), “em termos de...” (a construção costuma estar errada), “estratégias/actividades”, “enformar/informar” (a barra está omnipresente...), “implementar”, “horizontal”, etc. O aluno já não ignora, tem “deficientes competências cognitivas”. O professor já não ensina, é um “facilitador do processo de ensino/aprendizagem”. O aluno já não diz asneiras, mas cria “conceitos alternativos”. O professor já não dá matérias, mas “rentabiliza os tempos de leccionação”, de acordo com “uma possível abordagem metodológica”. Na matéria, o átomo é o “conceito” e a molécula é o “esquema”. Com os vários “conceitos” controem-se vários “esquemas”, todos eles possíveis. E assim se vai aprendendo muito pouco!
Tudo isto é justificado em nome de duvidosas doutrinas educativas, que já não passam incólumes (e que na ideia dos seus autores devem ser infinitamente melhores do que na reprodução dos que as pretendem aplicar). Conforme notou João Queiró, em “A Universidade Portuguesa — uma Reflexão”, Gradiva, 1995: “Nunca tanto se estudou pedagogia e ciências de educação em Portugal e ao mesmo tempo os jovens portugueses saem cada vez menos preparados dos ensinos básico e secundário.”
Não temos que inventar a roda mas sim olhar para as escolas dos países desenvolvidos. E não repetir, usando linguagem cifrada, o que falhou noutros lados. Temos sobretudo de valorizar os conteúdos e as atitudes — nomeadamente a emulação —, em detrimento do fraseado e da indiferença.
2) Instalações e equipamentos
A falta de ambientes agradáveis e de equipamentos úteis nas escolas é um outro problema. Com efeito, espaços que alunos e professores gostem de habitar podem fazer a diferença. E não há outra maneira de aprender ciência senão com as “mãos na massa”. Os equipamentos começam pois por ser laboratórios decentes. Como estes não abundam e como os docentes não trazem da formação o hábito da experiência, a prática experimental é mais excepção do que regra.
O último grito dos equipamentos dá pelo nome de “tecnologias da informação e comunicação” (TIC, na sigla cómica tão ao gosto de alguns pedagogos). Trata-se afinal de uma mezinha, mesmo que o projecto de “dinamização” se chame “Nónio” (pobre Pedro Nunes, que se deve revirar na campa com a bambochata que fazem com o seu nome!).
Uma nova ferramenta tão influente como o computador será decerto útil no ensino, mas não é um elixir. Os problemas do ensino permanecem hoje por resolver, apesar do manancial de tecnologias que a sociedade foi criando. As tais novas tecnologias, que supostamente ajudariam a debelar o insucesso escolar, não passam entre nós de uma miragem no deserto que é, em geral, a ausência de fins e conteúdos. Falta acentuar os objectivos da aprendizagem e não os eventuais instrumentos. Com tal falta de acento, as escolas queixam-se da falta de computadores — um álibi perfeito... E o Governo tem o álibi do investimento (exíguo) na informática, em desfavor de edifícios conviviais, turmas menores, mais tempos de matemática e línguas, e professores mais bem formados e pagos.
Steve Jobs, o guru da Apple, resumiu assim a ilusão informática: “O que está mal na educação não pode ser curado com tecnologia... Podemos colocar um Web ‘site’ em cada escola — nada disto é mau. É apenas mau, se cairmos no engodo de pensar que estamos a resolver o problema da educação.” Qualquer dia, perdidos no infolabirinto global, redescobriremos velhos mas seguros métodos de aprender: pensar um pouco, estudar nos livros, perguntar a quem sabe (proponho as siglas PUP, ENL e PQS, a ver se algum pedagogo lhes pega). E até lá navegaremos à deriva, impelidos pelos ventos da moda, sem saber para onde vamos nem porquê.
3) Professores e formação
Finalmente, enuncie-se o problema maior. Arranjem currículos adequados, instalações óptimas, com laboratórios, computadores e tudo, e esqueçam-se dos professores habilitados. O resultado é obviamente desastroso. Um bom professor é a chave para o sistema funcionar. Mas os bons professores que temos (e temo-los) são-no em ambiente hostil. A massificação descuidada e o laxismo instalado transformaram as salas de aulas em lugares de poluição sonora, onde os professores, por vezes mal preparados e sempre mal pagos, se esforçam por se fazer ouvir.
A mezinha lusitana para formar professores chamou-se programa “Foco”. Deslumbrado com os milhões para a formação, um ministro de um ex-governo chegou a declarar que ele próprio a podia ministrar. O resultado do voluntarismo foi o descrédito geral dos cursos. O lema parece ser “anything by anyone”, tal foi a proliferação de temas triviais dados em “eduquês”.
Que fazer? Melhorar a formação inicial. Fazer formação contínua séria. A ligação reforçada da comunidade escolar com a comunidade científica, onde a aquisição do saber está — ou devia estar — entranhada, é o único modo de enfrentar o problema dos recursos humanos. Trata-se de uma solução lenta que sai do corpo dos intervenientes. Não há prestidigitações que substituam o saber sedimentado e ele demora a sedimentar. A comunidade educativa, reconhecendo este princípio nuclear, saberá premiar os professores que aprenderem mais as suas matérias e transmitirem a vontade de saber aos seus alunos. Saberá distinguir as escolas que forem melhores.
De resto, a experiência internacional mostra que a colaboração de professores e cientistas é imprescindível para superar as deficiências. Também há entre nós, felizmente, adeptos dessa aliança estratégica (ver José Mariano Gago, “Manifesto para a Ciência em Portugal”, Gradiva, 1990). Em geral, os cientistas não são professores-pardais, apartados das realidades. Sofrem com o estado calamitoso da educação e estão dispostos a colaborar num esforço de recuperação.
Para grandes males grandes remédios: a educação requer um trabalho árduo e contínuo que não se substitui por débeis medidas de conjuntura. Desiluda-se quem pense que os problemas da educação científica podem ser resolvidos por este ou aquele governo. Tem de se ir resolvendo com o esforço quotidiano dos interessados — na primeira linha os professores e cientistas, mas também as famílias, que podem ser mais exigentes em relação aos primeiros e a si próprias. Quanto ao governo, já seria suficiente que não estragasse. As condições na educação são difíceis e os prazos são longos, mas tal não implica desistência. Ensinar e aprender ciência não acontecem por magia: exigem atenção e tomam tempo, exigem a nossa atenção e tomam o nosso tempo.
Portugal tem motivos à vista para se preocupar com a educação científica (sintomas recentes são os resultados das provas finais do ensino secundário, dos testes internacionais a alunos e dos inquéritos sobre cultura científica). Estamos roídos pela doença da ignorância científica, que nos pode ser fatal. Mas ninguém parece preocupar-se demasiado. Não há uma ideia mobilizadora, uma acção abrangente que nos encha o horizonte. Quando muito, vão-se administrando, com a ajuda de “especialistas” da educação, alguns remédios caseiros, circunstanciais e inconsequentes. Vejamos alguns problemas, criticando as mezinhas e alvitrando a cura.
1) Currículos, manuais e exames
O axioma de partida é a centralidade da escola, pese embora o contributo não despiciendo de outros meios. É na escola que se deve aprender, por exemplo, que a Terra gira em volta do Sol e que o homem proveio da evolução de organismos primitivos. Estes factos devem ser do conhecimento comum — é questão básica de cultura saber onde estamos e de onde vimos. O currículo tem de determinar que isso é ensinado. É também preciso um currículo de atitudes. Para além de um conjunto de factos, o ensino das ciências deve transmitir uma postura, fundada na dúvida e no método. A escola, além de fornecer respostas convencionais, deve treinar para vencer desafios, deve preparar para a vida e para a mudança.
O primeiro problema é o desrespeito dos currículos e o desvalor de manuais e exames. Temos remendos permanentes, em vez de programas estáveis. Os manuais, que muitos julgavam essenciais, são, em modernas concepções pedagógicas, apenas mais um elemento do “processo de ensino/ aprendizagem”. E os exames, que muitos julgavam incontornáveis para apurar a qualidade, constituem, em correntes moderníssimas, uma violência desnecessária sobre as crianças.
Deveras perturbante, neste “processo de ensino/ aprendizagem”, é a linguagem dos “lobbies”. Incomodado no topo do aparelho, mas com impotência evidente, um ministro chamou-lhe “eduquês”. Para o leitor analfabeto nesse dialecto, eis algumas expressões: “núcleo significativo de...” (em geral, de conhecimentos), “matriz de...” (pode ser de qualquer coisa), “integrar” (embora o rigor seja nulo, parece matemática), “no quadro de” (de referência ou outro), “em termos de...” (a construção costuma estar errada), “estratégias/actividades”, “enformar/informar” (a barra está omnipresente...), “implementar”, “horizontal”, etc. O aluno já não ignora, tem “deficientes competências cognitivas”. O professor já não ensina, é um “facilitador do processo de ensino/aprendizagem”. O aluno já não diz asneiras, mas cria “conceitos alternativos”. O professor já não dá matérias, mas “rentabiliza os tempos de leccionação”, de acordo com “uma possível abordagem metodológica”. Na matéria, o átomo é o “conceito” e a molécula é o “esquema”. Com os vários “conceitos” controem-se vários “esquemas”, todos eles possíveis. E assim se vai aprendendo muito pouco!
Tudo isto é justificado em nome de duvidosas doutrinas educativas, que já não passam incólumes (e que na ideia dos seus autores devem ser infinitamente melhores do que na reprodução dos que as pretendem aplicar). Conforme notou João Queiró, em “A Universidade Portuguesa — uma Reflexão”, Gradiva, 1995: “Nunca tanto se estudou pedagogia e ciências de educação em Portugal e ao mesmo tempo os jovens portugueses saem cada vez menos preparados dos ensinos básico e secundário.”
Não temos que inventar a roda mas sim olhar para as escolas dos países desenvolvidos. E não repetir, usando linguagem cifrada, o que falhou noutros lados. Temos sobretudo de valorizar os conteúdos e as atitudes — nomeadamente a emulação —, em detrimento do fraseado e da indiferença.
2) Instalações e equipamentos
A falta de ambientes agradáveis e de equipamentos úteis nas escolas é um outro problema. Com efeito, espaços que alunos e professores gostem de habitar podem fazer a diferença. E não há outra maneira de aprender ciência senão com as “mãos na massa”. Os equipamentos começam pois por ser laboratórios decentes. Como estes não abundam e como os docentes não trazem da formação o hábito da experiência, a prática experimental é mais excepção do que regra.
O último grito dos equipamentos dá pelo nome de “tecnologias da informação e comunicação” (TIC, na sigla cómica tão ao gosto de alguns pedagogos). Trata-se afinal de uma mezinha, mesmo que o projecto de “dinamização” se chame “Nónio” (pobre Pedro Nunes, que se deve revirar na campa com a bambochata que fazem com o seu nome!).
Uma nova ferramenta tão influente como o computador será decerto útil no ensino, mas não é um elixir. Os problemas do ensino permanecem hoje por resolver, apesar do manancial de tecnologias que a sociedade foi criando. As tais novas tecnologias, que supostamente ajudariam a debelar o insucesso escolar, não passam entre nós de uma miragem no deserto que é, em geral, a ausência de fins e conteúdos. Falta acentuar os objectivos da aprendizagem e não os eventuais instrumentos. Com tal falta de acento, as escolas queixam-se da falta de computadores — um álibi perfeito... E o Governo tem o álibi do investimento (exíguo) na informática, em desfavor de edifícios conviviais, turmas menores, mais tempos de matemática e línguas, e professores mais bem formados e pagos.
Steve Jobs, o guru da Apple, resumiu assim a ilusão informática: “O que está mal na educação não pode ser curado com tecnologia... Podemos colocar um Web ‘site’ em cada escola — nada disto é mau. É apenas mau, se cairmos no engodo de pensar que estamos a resolver o problema da educação.” Qualquer dia, perdidos no infolabirinto global, redescobriremos velhos mas seguros métodos de aprender: pensar um pouco, estudar nos livros, perguntar a quem sabe (proponho as siglas PUP, ENL e PQS, a ver se algum pedagogo lhes pega). E até lá navegaremos à deriva, impelidos pelos ventos da moda, sem saber para onde vamos nem porquê.
3) Professores e formação
Finalmente, enuncie-se o problema maior. Arranjem currículos adequados, instalações óptimas, com laboratórios, computadores e tudo, e esqueçam-se dos professores habilitados. O resultado é obviamente desastroso. Um bom professor é a chave para o sistema funcionar. Mas os bons professores que temos (e temo-los) são-no em ambiente hostil. A massificação descuidada e o laxismo instalado transformaram as salas de aulas em lugares de poluição sonora, onde os professores, por vezes mal preparados e sempre mal pagos, se esforçam por se fazer ouvir.
A mezinha lusitana para formar professores chamou-se programa “Foco”. Deslumbrado com os milhões para a formação, um ministro de um ex-governo chegou a declarar que ele próprio a podia ministrar. O resultado do voluntarismo foi o descrédito geral dos cursos. O lema parece ser “anything by anyone”, tal foi a proliferação de temas triviais dados em “eduquês”.
Que fazer? Melhorar a formação inicial. Fazer formação contínua séria. A ligação reforçada da comunidade escolar com a comunidade científica, onde a aquisição do saber está — ou devia estar — entranhada, é o único modo de enfrentar o problema dos recursos humanos. Trata-se de uma solução lenta que sai do corpo dos intervenientes. Não há prestidigitações que substituam o saber sedimentado e ele demora a sedimentar. A comunidade educativa, reconhecendo este princípio nuclear, saberá premiar os professores que aprenderem mais as suas matérias e transmitirem a vontade de saber aos seus alunos. Saberá distinguir as escolas que forem melhores.
De resto, a experiência internacional mostra que a colaboração de professores e cientistas é imprescindível para superar as deficiências. Também há entre nós, felizmente, adeptos dessa aliança estratégica (ver José Mariano Gago, “Manifesto para a Ciência em Portugal”, Gradiva, 1990). Em geral, os cientistas não são professores-pardais, apartados das realidades. Sofrem com o estado calamitoso da educação e estão dispostos a colaborar num esforço de recuperação.
Para grandes males grandes remédios: a educação requer um trabalho árduo e contínuo que não se substitui por débeis medidas de conjuntura. Desiluda-se quem pense que os problemas da educação científica podem ser resolvidos por este ou aquele governo. Tem de se ir resolvendo com o esforço quotidiano dos interessados — na primeira linha os professores e cientistas, mas também as famílias, que podem ser mais exigentes em relação aos primeiros e a si próprias. Quanto ao governo, já seria suficiente que não estragasse. As condições na educação são difíceis e os prazos são longos, mas tal não implica desistência. Ensinar e aprender ciência não acontecem por magia: exigem atenção e tomam tempo, exigem a nossa atenção e tomam o nosso tempo.
9 comentários:
http://zogoiby.blogspot.com/
Professor Fiolhais, excelente análise. Obrigado porque eu não conhecia o texto. Distraído! :) Relativamente à sua actualidade, infelizmente hoje em dia é banal o sentimento de estarmos a pregar no deserto!
Destaco:" Finalmente, enuncie-se o problema maior. Arranjem currículos adequados, instalações óptimas, com laboratórios, computadores e tudo, e esqueçam-se dos professores habilitados. O resultado é obviamente desastroso. Um bom professor é a chave para o sistema funcionar.”
Aqui, o ensino privado é muito mais criterioso no recrutamento de docentes do que o que tem sido o público. E a minha experiência também me diz que é maior a exigência na qualidade do trabalho do dia a dia do docente.
Só a questão da qualidade das instalações, sendo essencial para resultados profícuos como diz no se texto, permitiria longas análises..., que possivelmente estão feitas, como alerta o inicio do post.
Artur Figueiredo
Professor Fiolhais:
Crê mesmo que hoje o ensino se pode basear em "manuais". Posso conceder, pelo menos na apreciação que posso fazer relativamente aos manuais da minha área de ensino, que há manuais francamente maus e que os seus autores deviam ser punidos pelo mau trabalho que realizam e que é absolutamente essencial que o aluno e o professor possam ser auxiliados por um bom manual, de preferência sem imagens patetas e com bons textos de referência. Mas, pode o trabalho circunscrever-se ao manual quando é absolutamente fundamental que os alunos aprendam a ler múltiplos tipos de texto e que aprendam a avaliar e seleccionar a imenso manancial de informação que têm hoje ao seu dispôr?
Maria Rodrigues
Destaco a actualidade deste oportuno e acutilante post (não, não se trata de um paradoxo!)que demonstra que nada mudou de há 10 anos para cá, e se mudou foi para pior. Concordo com o Prof. Carlos Fiolhais plenamente no que respeita à aprendizagem por manuais bem feitos. Ou seja sem "imagens patetas" e outras distracções do género que possam infantilizar os nossos jovens, embora, por outro lado, concorde que uma imagem sugestiva, e bem a propósito, possa fazer jus ao lugar-comum de que uma boa imagem possa valer por mil palavras. Não se responsabilizem os manuais, "grosso modo", por promoverem uma má ou deficiente aprendizagem: separe-se o trigo do joio, isso sim. E, principalmente, não se obrigue o aluno (ou melhor a bolsa dos pais) a comprar resmas e resmas de fotocópias em reprografias de escola atafulhadas de discentes e docentes que se acotovelam em esperas desesperantes. Não será que informação a mais na aprendizagem causa "ruído"? Alás, o facto das fotocópias serem indicadas pelos professores não deixa que os alunos "aprendam a avaliar e a seleccionar o imenso manancial de informação que têm hoje ao seu dispor". Compreendo a posição de Maria Rodrigues, gostaria que ela compreendesse a minha que é tão simples como isto: o óptimo é inimigo do bom. Contentemo-nos com o bom, o que já não é nada mau!E, pricipalmente, saudemos post's intemporais como este. Só é pena que possam continuar a cair em saco roto de diversos gabinetes ministeriais com a tutela da Educação. Como deixei escrito no meu livro "O Leito de Procusta" (Outubro de 2005):"Na tempestade magnética em que se transformou o Sistema Educativo, com os ponteiros das bússolas a girarem 'desnorteados', torna-se imperativo de consciência de quaquer cidadão apelar ao brio patriótico dos responsáveis pela pasta da Educação para que, ao serviço da formação escolar da juventude portuguesa, assumam o papel de destemidos forcados de uma pega de caras no redondel em que resfolega ameaçador o touro da IGNORÂNCIA!" Com denodo e galhardia, tem assumido esse papel Carlos Fiolhais. Só que os touros da ignorância não cessam de investir em manada e em tropel! (Peço que o Prof. Carlos Fiolhais me esclareça se a imagem literária, da minha inteira responsabilidade, da tempestade magnética e dos ponteiros das bússolas a girarem "desnorteados" não é uma "boutade" científica!).
Políticas Educativas, Estratégia e Gestão do Sistema de Ensino (Algumas Notas)
Quem como os autores destes posts sobre Educação conhece a evolução das políticas e do pensamento ordenador do nosso sistema de ensino desde há décadas tem de reconhecer, quando compara os níveis de envolvimento conceptual e de sistematização e participação social daquelas com as que dominam em países como o Reino Unido ou os nórdicos como a Suécia e a Dinamarca, que em Portugal impera o eduquês como apologética ideológica da nomenclatura ministerial e o improviso e a impreparação dos governantes, esta última como resultado manifesto da ausência de reflexão estratégica relevante partidária sobre a educação e os seus principais desafios e objectivos. Quantas vezes ao longo destes anos longos de sucessivas reformas foi possível a sociedade e os seus actores civis relevantes discutirem sobre um documento ministerial proponente de uma estratégia de longo prazo para a educação e o seu sistema educativo. Perdemo-nos sempre, e sucessivamente, em intermináveis discussões jurídicas sobre leis de bases, ignorando imperialmente – no “império majestático estatista da educação” – os desafios do país e das famílias, os objectivos e resultados a obter, as avaliações dos mesmos e respectivas correcções e novas ambições. Foi ensurdecedor o silêncio ministerial e a conivência partidária e governamental sobre os dados sucessivos do projecto Pisa que colocavam comparativamente os “nossos filhos” nos piores lugares na Europa, sobre a quase completa falta de avaliação dos alunos e das escolas, sobre a absoluta ausência de metas e objectivos anuais e de legislatura ou superiores para o sistema educativo.
Acresce que ainda agora se não discute em Portugal, contrariamente ao que é prática corrente na Suécia e Dinamarca e vai passar a ser também proximamente no Reino Unido, a liberdade de escolha das escolas pelas famílias. Na Suécia e na Dinamarca já há anos o Estado (social-democrata e omnipresente) entregou aos pais o cheque educação e possibilitou o aparecimento de escolas financiadas por fundos públicos mas geridas privada ou socialmente – em óbvia concepção de um Estado garantia e regulador e não majestático e ineficaz. No Reino Unido, no último documento estratégico sobre a educação (de 2006), posto à discussão pela sociedade no seu todo e não na cortina férrea dos gabinetes ministeriais como entre nós, o governo conhecendo detalhadamente os níveis de sucesso das escolas e dos seus respectivos alunos – avaliados rigorosamente - colocava a hipótese de entregar as piores escolas à gestão das melhores, as quais têm gestores praticamente profissionalizados sendo professores mas com a designação de “reitores”, escolas estas que em razão dos seus níveis de sucesso poderiam vir a constituir autênticas “redes de escolas”. E também era admitida a possibilidade de para as piores escolas, findo um período de recuperação concedido sem êxito, elas serem encerradas – por constituírem más opções para as famílias e o País, obviamente.
Só mais uma pequena nota. Tal como em Portugal não existem centros de estudos universitários que se dediquem às temáticas da gestão e economia do ensino superior, também não existirão centros dedicados ao estudo consequente da economia da educação. Isto é particularmente revelador do interesse que estas temáticas relevantes para uma adequada governação dos dois sistemas despertam entre nós. No Reino Unido estes centros proliferam e trabalham, os mais reputados, para os respectivos Ministérios e são financiados pelos “research councils”. Só que em Portugal comparar políticas públicas (as denominadas “public policies” não as “politics” que essas abundam execravelmente no “Ministério da Má-Educação”) ainda é ou blasfémia ou ousadia.
Sou professor na área da biologia/geologia numa escola de Viseu (onde o Doutor Carlos Fiolhais já participou em actividades da escola )e concordo com o que foi escrito há 10 anos e que infelizmente permanece actual.
Neste momento, no entanto, o ensino experimental no ensino secundário está completamente posto em causa pois as reformas curriculares eliminaram disciplinas de laboratório tais como técnicas laboratoriais de biologia, geologia, física, química, assim como noutras disciplinas - técnicas de tradução, por exemplo - disciplinas que à minha experiência parecem essenciais para quem quer seguir um curso nas áreas das ciências experimentais. Dirão alguns autores que as competências que os alunos adquiriam eram desnecessárias, com o que não concordo, pois ainda me lembro das dificuldades que senti quando frequentei cadeiras universitárias com componente prática bastante exigente. Dirão também alguns dos criadores dos novos curricula, que o ensino experimental está assegurado nos programas pois eles prevêem actividades experimentais. Quem está no terreno sabe que é muito difícil realizar experiências válidas porque os programas são extensos , os laboratórios estão mal equipados e os reagentes são caros, nem sempre os horários prevêem aulas em laboratórios e, last but not the least... , ninguém nasce a saber mexer em equipamento de laboratório.
Quanto aos docentes, como é evidente, há-os bons e há aqueles que, não sendo maus, se limitam a fazer o mínimo para o que contribui em parte a desvalorização social a que a profissão foi sujeita nestes últimos anos. Mas, por favor, não os condenem, pois eles são obrigados a seguir as indicações do Ministério, não podem fugir.
E não vou dizer mais nada, pois estou a cair num desabafo que não é adequado, desculpem.
Jorge Figueiredo
Tanto os sucessivos Ministérios, como os seus críticos, incluindo o autor desta publicação, Sr. Carlos Fiolhais, não conseguem notar o principal obstáculo existente tanto no ensino das ciências, como no ensino nacional na sua íntegra: os alunos não conseguem aprender a ler, nem a contar, pois são ensinados por métodos inválidos, a partir da escola primária. O resto já dissemos anteriormente.
Assim, nos últimos 20 anos já "educamos" uma geração inteira - vítima da fraude educativa nacional, pois apenas 2 em cada 10 alunos conseguem adquirir as competências mínimas.
O comentário do sr. José Carrancudo está correcto na generalidade mas a falta de qualidade do ensino primário (1º ciclo do ensino básico) não explicará tudo, pois uma colega comentou para mim que no 2º ciclo os alunos têm uma grande oportunidade de desaprenderem aquilo que aprenderam antes.
Manuais? Exames? Currículos???
Concordo que a principal medida deveria ser a formação de professores. Ou melhor, a selecção de professores... ensinar é uma arte, mas neste país isso mede-se pelo número de artigos científicos publicados...
Fico extremamente triste por saber de um projecto como o da Escola da Ponte (http://www.eb1-ponte-n1.rcts.pt/html2/portug/bemvindo.htm, http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_da_Ponte) por fontes estrangeiras...
Condordo plenamente com a descrição de Rubem Alves acerca dessa mesma escola - Parte 1, Parte 2, Parte 3, Parte 4, Parte 5, Parte 6 e com a sua posição acerca de manuais e programas.
Nuno Pimenta
Enviar um comentário