Um bom demonstrador científico é quase um prestidigitador (na foto, o grande mágico americano Howard Thurston, 1869-1936, o "Rei das Cartas") . Quando realiza experiências científicas perante um grupo de crianças (a “ciência divertida”), é usual que uma ou mais das crianças digm logo que “é magia!”. É ciência, mas a ciência em acção parece, por vezes, magia.
No entanto, há uma diferença fundamental entre ciência e magia. Ela reside no facto de o cientista não esconder os “truques”. Pelo contrário: A sua obrigação profissional é precisamente explicar os “truques”. Ele deve procurar dizer como é e por que é. Pelo contrário, um mágico, descontadas as notáveis excepções, faz ponto de honra em esconder os truques, mantendo o público não só ignorante como enganado. A ciência emergiu da magia e da superstição quando juntou ao espanto a explicação. O economista John Maynard Keynes disse que Isaac Newton foi o primeiro cientista e o último dos mágicos (esta última faceta, menos conhecida, foi revelada por Keynes depois de ter conseguido adquirido alguns manuscritos do sábio inglês com conteúdos esotéricos). Na física Newton enfatizou as condições e as causas, mas na alquimia não conseguiu mais do que iludir-se e iludir os outros. De facto, Newton não foi o último dos mágicos. O mundo tem hoje muitos cientistas, mas continua a ter muitos mágicos... Nem sei o que há mais, se cientistas, se mágicos...
Alguns mágicos defenderam ou têm defendido a ciência, protegendo-a das investidas mais descaradas do engano e da crendice. Um dos mágicos actualmente mais conhecidos é o norte-americano James Randi, um campeão na luta contra o paranormal. Conhecedor profundo das habilidades dos mágicos, não tem hesitado, nas suas frequentes aparições públicas, em desmontar as mistificações mais abusivas: por exemplo o encurvamento de colheres com o poder da mente ou a transmissão de pensamento à distância. Apesar de o ilusionismo ser uma arte e, como todas as artes, proporcionar interessantes pontes com a ciência (a maior parte dos truques de magia tem uma explicação científica mais ou menos óbvia!), está por vezes próximo de perigosas práticas de mistificação.
Randi segue uma tradição de outros mágicos famosos. Dois dos maiores mágicos de sempre, capazes das mais espantosas habilidades, estiveram do lado da ciência. O francês Jean-Eugène Robert (1805-1871), a que acrescentou o nome de Houdin com o qual ficou famoso, foi o primeiro mágico a usar a electricidade, um dos fenómenos que dominou a ciência do século XIX. Foi também um apaixonado por autómatos e outros engenhos mecânicos (de resto, ele era relojoeiro de formação). Houdin, considerado o pai da moderna prestidigitação, gostava de denunciar os truques dos seus colegas que invocavam poderes sobrenaturais. E não se coibia de apresentar ao público as explicações naturais para algumas das suas manipulações. Os seus livros revelaram com precisão os passos técnicos. Veja-se por exemplo a obra póstuma “Magia e Física Recreativa”.
Um dos grandes admiradores e seguidores de Houdin foi o norte-americano (judeu, de origem húngara) Erik Weiz (1874-1926), mais conhecido pelo seu nome artístico Harry Houdini. Que tem Houdini a ver com Houdin? O nome de Houdini vem de Houdin, que ele nunca conheceu pessoalmente, mas sobre o qual escreveu um livro “The Unmasking of Robert-Houdin” (1908). Houdini ficou célebre pelas suas espectaculares escapadas. Acorrentado e fechado numa caixa que depois era submersa na água, conseguia desenvencilhar-se rapidamente. Também se conseguia libertar de uma camisa de forças suspenso de cabeça para baixo por uma grua. Magia? Poderes sobrenaturais? Bem, Houdini, tal como Houdin, lutou quanto pôde contra os mágicos que reclamavam ter poderes sobrenaturais. Como Houdin, desmontou os truques, mostrando como os seus truques podiam ser naturalmente explicados. Também enfrentou os leitores do pensamento alheio e os comunicadores com os mortos. Com um notável sentido de humor, anunciou uma experiência de espiritualismo com a sua esposa, que era por vezes sua “partenaire” no palco: o primeiro que morresse devia comunicar com o sobrevivente...
Uma das particularidades mais curiosas da vida de Houdini foi a sua amizade com o escritor inglês Arthur Conan Doyle, o autor das histórias de Sherlock Holmes. Apesar dos livros deste detective terem por trás um fundo de racionalidade (“Elementar, meu caro Watson!”), a verdade é que Conan Doyle acreditava no espiritualismo e, em particular na comunicação com os mortos. Em 1923, a revista “Scientific American” nomeou um comité para investigar o paranormal, tendo convidado Houdini. Doyle reagiu inmediatamente, considerando o comité uma “farsa”. A evidente diferença de opiniões não impediu, porém, Houdini e Doyle de continuarem amigos...
E, em Portugal, como vamos de magia? O mágico mais conhecido, Luís de Matos, nunca revelou nenhum dos seus truques. Muitos lembrar-se-ão de um número que ele fez de adivinhação dos números de totoloto, no qual um presidente de câmara o assessorou. O número foi tanto mais grotesco quanto nenhum dos protagonistas teve uma palavra que suscitasse uma só dúvida que fosse nos mais crédulos. Mas, se houve crédulos, houve também incrédulos, julgo que em maior número. Terão pensado: se ele consegue adivinhar os números do totoloto por que é que não está mais rico?
quarta-feira, 15 de agosto de 2007
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9 comentários:
Apenas uma mera hipótese. Os mais crédulos poderão ser levados a pensar que Luís de Matos "não está mais rico" por uma questão "deontológica"!!!... Ou seja, não querer servir-se de passos de mágica para um enriquecimento ilícito. O que, convenhamos, o tornaria uma das excepções, ou mesmo "avis rara", da sociedade portuguesa.
Então para tornar-se crédulo acertava no primeiro prémio e distribuía-o, na íntegra, por organizações de cariz humanitário, ou outras. Há tanta gente necessitada!!!!
Se o Luís de Matos se pode dar ao luxo de fazer números como este com o Presidente da Câmara ou outros números de adivinhação de resultados de futebol é porque já lhe deve ter saído um totoloto qualquer.
Artur Figueiredo
De cada vez que alguém diz "elementar, meu caro Watson", como se citasse Conan Doyle ou Sherlock Holmes, está a contribuir para a difusão de um erro. Nem Doyle a escreveu nunca nem Holmes a disse alguma vez. Nem o Dr. Watson a terá ouvido sequer. Esta é uma da longa série de frases que os supostos autores jamais disseram.
Elementar, meu caro Fiolhais.
Um abraço.
Daniel
Os evolucionistas têm agora uma oportunidade para ganhar a dinheiro sem ter que repousar na magia do Luís de Matos.
A Origin-of Life Foundation oferece um prémio de $1,000,000 a quem explicar o modo como o Código Genético poderia ter surgido expontâneamente, por processos aleatórios.
Este grupo pretende responder àquela que é considerada a questão mais difícil e excruciante da ciência: como é que a vida surgiu?
Em causa está a origem das instruções genéticas contidas no DNA, isto é, da informação.
Assim como a informação contida numa Enciclopédia não se escreve a ela própria, também a origem da informação contida no código genético escapa às tentativas naturalistas para explicar a sua existência.
Note-se que esta Fundação não é criacionista. Apenas pretende encorajar a obtenção de uma explicação naturalista para a vida.
Pretende-se premiar a descrição completa e rigorosa da origem do sistema genético por processos naturais, de acordo com um cenário sequencial, de causa-efeito.
Como se sabe, o DNA tem uma natureza prescritiva, na medida em que contém um conjunto de instruções complexas e especificadas, e altamente miniaturizadas, para a construção da generalidade das espécies vegetais e animais.
Pretende-se saber como é que todas esssas prescrições se poderiam ter criado, mantido e tornado mais complexas ao longo de milhões de anos, até termos a vida como ela existe agora.
É interessante notar que nos documentos disponíveis no web site desta Fundação surgem muitas razões pelas quais a abiogénese parece ser impossível.
Por exemplo, pretende-se saber como é que uma sequência algoritmicamente complexa de codões poderia ter surgido na natureza, sendo que a sua utilidade fenotípica só se manifesta depois da sua tradução para uma linguagem completamente diferente (sequência AA).
Esta Fundação para a Origem da Vida salienta que os mecanismos geralmente citados a favour da evolução não ajudam a responder a esta questão, na medida em que a selecção natural só opera ao nível do fenótipo e não ao nível do genótipo.
De acordo com os documentos da fundação, nem as forças físico-químicas nem a selecção ambiental escolhem o próximo nucleótido a ser acrescentado ao polímero.
As mutações ocorrem no nível genético, ao passo que a selecção ambiental ocorrem num momento funcional (de dobragem), depois da existência de uma já extremamente complexa e consolidada sequência de nucleótidos e depois de uma já estabelecida função algorítimixa do biopolímero dobrado.
Ou seja, a Fundação reconhece que neste momento não existe nenhuma explicação naturalista da origem da vida. Pelo que o naturalismo carece de um fundamento empírico e racional.
Diferentemente, é inteiramente razoável e racional acreditar que Deus criou a Vida.
Na verdade, não existe um único exemplo de informação genética complexa e especificada pré-inexistente surgir por acaso.
Pelo contrário, tudo o que sabemos sobre informação nos mostra que a mesma tem sempre uma origem inteligente.
Curiosamente, os cientistas Jack Trevors e David Abel (este último membro da Fundação e especialista em biologia teorética) escreveram vários artigos sustentando a tese de que a abiogénese é não apenas inobservada, como inimaginável.
A “auto-organização” da vida carece totalmente de fundamento empírico e valor predictivo, não podendo sequer ser falsificada.
Se os evolucionistas pudessem desmentir isto, poderia hoje estar mais ricos.
Daniel de Sá,
A expressão «Foi elementar, meu caro Watson» faz parte do conto «O doente internado», e pode ser lida na 1ª linha da pág. 230 de «Obras completas de Conan Doyle», Ed. Livros do Brasil, Colecção Vampiro Gigante (*).
Se foi inventada, teremos de perguntar a Silveira de Mascarenhas porque é que o fez na sua tradução de 1985.
(*) A imagem pode ser vista em:
http://sorumbatico.blogspot.com/2005/12/falsas-frases-falsas.html
A frase «Foi elementar, meu caro Watson» aparece na famosa cena em que Holmes "adivinha" (ou antes, deduz) o que Watson está a pensar.
É uma homenagem de Doyle a Edgar Alan Poe, que descreve uma cena em tudo idêntica.
Ed
Obrigado pela correcção. Mas vou verificar, prometo. A começar pelo Poe. Se assim é, que me desculpe o Carlos Fiolhais.
Daniel
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