Numa carta datada de 20 de Setembro de 1966, dirigida ao seu editor da Oxford University Press, Russell respondeu do seguinte modo a uma pergunta sobre qual seria a capa mais apropriada para uma nova edição do livro Os Problemas da Filosofia, originalmente publicado em 1912:
«A capa mais apropriada para este volume, na minha opinião, seria uma imagem de um símio a cair de um precipício exclamando “Oh, meu Deus! Quem me dera não ter lido Einstein!”»
A esta humorística sugestão, infelizmente nunca seguida por qualquer editor, acrescentou Russell um PS: «De modo algum deverá o símio parecer-se comigo.»
Além de exibir o seu saudável humor, esta carta mostra a importância que Russell dava à sua actualização científica, pois não concebia a filosofia como uma actividade independente das outras actividades cognitivas humanas, nomeadamente a ciência, nem superior a elas. A passagem do seu livro que entretanto se provou estar cientificamente errada, dado que não há qualquer éter, é a seguinte:
"A ciência física, mais ou menos inconscientemente, foi dar à perspectiva de que todos os fenómenos naturais devem ser reduzidos a movimentos. Luz, calor e som devem-se todos a movimentos ondulatórios, que viajam do corpo que os emitem até à pessoa que vê a luz ou sente o calor ou ouve o som. O que tem o movimento ondulatório é ou o éter ou a «matéria bruta», mas em qualquer caso é o que o filósofo chamaria matéria. As únicas propriedades que a ciência lhes atribui são a posição no espaço, e o poder de movimento de acordo com as leis do movimento. A ciência não nega que pode ter outras propriedades; mas se as tem, essas propriedades não são úteis para o homem de ciência, e não o ajudam de modo algum a explicar os fenómenos."
Em 1916, quatro anos depois deste mesmo livro ter sido publicado, Einstein publicou a sua teoria da relatividade geral, que integra os resultados da experiência de Michelson-Morley, que demonstrou repetidamente que a luz viaja sempre à mesma velocidade, independentemente da velocidade do observador relativamente à luz. Caso existisse éter, no sentido de ser o meio no qual as ondas electromagnéticas se propagariam (um pouco como a água é o meio no qual as ondas se propagam, quando atiramos uma pedra para um lago), a velocidade da luz teria de ser diferente consoante o emissor e o observador estivessem em repouso ou em movimento relativamente ao hipotético éter. Consequentemente, abandonou-se a ideia de que havia realmente qualquer éter, no sentido de um meio com propriedades mecânicas através do qual as ondas electromagnéticas se propagassem.
Russell pensava então que o éter seria o candidato científico natural à verdadeira matéria, no sentido em que tudo o mais seriam modificações desta substância. Russell descobriu depois que isto era falso, tendo inclusivamente publicado em 1925 o seu famoso ABC da Relatividade, que ainda hoje é considerado uma lúcida introdução informal fidedigna à teoria da relatividade de Einstein. Mas foi talvez um pouco duro consigo mesmo na carta que escreveu ao seu editor, pois o próprio Einstein declarava a existência do éter numa comunicação feita na Universidade de Leida (Holanda) no dia 5 de Maio de 1920:
«Segundo a teoria geral da relatividade, o espaço sem éter é impensável; pois em tal espaço não só não haveria propagação da luz, mas também não poderia haver padrões de espaço e tempo [...] Mas não se pode pensar que este éter é dotado da qualidade característica de um meio ponderável [...]» (The Collected Papers of Albert Einstein, Vol. 7, Princeton University Press, 2002).
Em qualquer caso, a substância do ponto de vista filosófico de Russell permanece: a matéria é seja o que for que a ciência empírica descubra que subjaz a todos os fenómenos que captamos pelos sentidos. Não se trata, pois, de declarar a priori, da cadeira reflexiva do filósofo, qual é a natureza última do mundo, mas antes de dialogar com as nossas melhores investigações sobre a natureza das coisas para tentar articular uma teoria que satisfaça a nossa melhor investigação, seja filosófica ou não, sobre a natureza última das coisas; o filósofo não tem qualquer prerrogativa especial.
domingo, 26 de agosto de 2007
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10 comentários:
Caro Desidério:
Isto está errado:
"Em 1905, sete anos antes deste mesmo livro ter sido publicado, Einstein publicou a sua teoria da relatividade geral, que integra os resultados da experiência de Michelson-Morley, que demonstrou repetidamente que a luz viaja sempre à mesma velocidade, independentemente da velocidade do observador relativamente à luz"
Em junho de 1905 Einstein publica, nos Annalen der Physik, a relatividade especial (ou restrita) e não a generalizada. Nesta publicação não há qualquer referência (nem lhe interessava nada fazê-lo) à experiência de Michelson-Morley. Aliás, não há qualquer referência a experiências que "mostrem" a inexistência do éter. Por fim, estas não demonstram que a velocidade seja um invariante em qualquer meio. Primeiro - como bem sabe - porque nenhuma experiência empírica demonstra o quer que seja. Em segundo lugar, porque a própria medição da velocidade da luz é medida partindo do pressuposto que o seu valor é invariante conforme o sentido. Isto é, que a velocidade de ida é igual à de regresso. Pressuposto que, ainda hoje, é assunto de debate.
Fonte: Quantum Generations, Helge Kragh (1999), Princeton University press, p. 90
"estas não demonstram que a velocidade seja um invariante em qualquer meio"
Quer-se aqui dizer que a velocidade da luz, num dado meio, é invariante.
Este um dos postulados da relatividade restrita. Logo, é algo de que se parte, e não que demonstre.
Última nota: Como o próprio Einstein, a única coisa que foi recusada foi a ideia do éter ter propriedades mecânicas. Anos mais tarde o próprio Einstein tentou reintroduzir o conceito de éter. Outra tentativa de repor o conceito (ou ideia) de éter na física foi realizada por Dirac. Ainda hoje há diversas tentativas neste sentido.
Porconseguinte, é errado - ou, pelo menos, não exacto - afirmar que a ideia de éter está arredada, em definitivo, da física.
Caro Carlos
Obrigado pelas correcções, que já introduzi no post! Referia-me à relatividade geral, publicada em 1916, quatro anos depois do livro de Russell. Quanto ao éter, queria apenas dizer que deixou de ser necessário enquanto meio de propagação das ondas electromagnéticas.
Quanto à experiência de MM, o que se pretendia era medir a diferença de velocidade da luz, mas nunca se detectou qualquer diferença. Interpretar este resultado é outra coisa; podemos continuar a dizer que a velocidade da luz não é invariante, encontrando uma explicação ad-hoc para o facto de não detectarmos a variação. É isso que está a dizer? É que o que que queria dizer é precisamente que a relatividade de Einstein não precisa de fazer tal coisa: pode admitir pura e simplesmente que realmente a velocidade da luz é invariante, como a experiência de MM sugere. Pode ajudar-me a esclarecer isto? Obrigado.
Caro Desidério:
Considere a seguinte experiência de pensamento:
Apartir de um ponto médio M, de um segmento de recta AB, são enviados dois fotões. Um no sentido de B. O outro no sentido de A. Comentário de Einstein, em 1916:
"O facto de que a luz empregue o mesmo tempo para percorrer AM e BM é somente uma convenção arbitrariamente estabelecida para obter uma definição de simultaneadade, e não uma hipótese sobre a natureza da luz do ponto de vista físico."
Ou seja, é um postulado afirmar que a luz se desloca, num dado meio, com velocidade invariante à sua direcção de propagação. Postulado esse que não é falsificável - como todos os postulados - pois não é (era)possível medir a velocidade da luz unidireccionalmente (entre MB, por exemplo). Apenas se mede o valor médio da velocidade da luz.
Esta dificuldade já havia sido descoberta por Poincaré em 1898, e ficou conhecida como a maldição de Poincaré.
Deste modo, é tão arbitrário julgar que a velocidade da luz é sempre c, seja qual for a direcção, como julgar que é de c/2 num sentido e 2c no outro.
Em física quântica há ( ou parece haver) experiências de super-luminosidade. Ou seja, onde o valor medido da velocidade da luz é superior a c. Têm sido assunto de profundo debate nos últimos 10 anos.
Recomendo-lhe que leia "As lições de Relatividade" de Franco Selleri, ou "Some fundamental problems in the special theory of relativity" (artigo) de Max Jammer.
Dois ultimos apontamentos:
O próprio Einstein afirmou, em dada altura que não sei precisar, que se poderia olhar para o espaço-tempo como um novo éter.
Pese embora não esteja alinhado com Rorty, lamento que não tenha aqui sido feita qualquer menção à sua morte, em junho.
Caro Carlos
Estou a perceber! Curiosamente, não é o tipo de coisa que se leia em livros e enciclopédias. Tanto na Encarta como num livro do Sklar, que é físico e faz filosofia da física, se fala da experiência de MM como algo que mostra que a hipótese da variação da velocidade da luz em função do éter era pelo menos difícil de sustentar. Obrigado pela achega!
Quanto ao Rorty, isso foi noticiado na Crítica (criticanarede.com), que é uma revista de filosofia. Isto é um blog mais de ciência, apenas com uma mãozinha de filosofia... Se eu desatar a noticiar aqui as coisas da filosofia, nunca mais acabo! Mas fica anotada a sua sugestão.
Torna-se evidente que o filósofo não deve reclamar qualquer prerrogativa especial
A tirada de Bertrand Russell sobre o éter faz lembrar a tirada do geneticista Susumu Ohno, o primeiro a cunhar o termo “junk-DNA” em 1972.
Ele usou o termo para designar os supostos “pseudo genes” (geralmente considerados parentes defuntos dps genes conhecidos não codificadores de proteínas), tendo o termo sido posteriormente alargado para designar todo o DNA não codificante (DNA que não contém genes e não codifica proteínas).
Para Susumo Ohno, o “junk-DNA” não passava de um lastro vestigial de fósseis genéticos, isto é, de genes extintos. Para ele, isso era evidência abundante de evolução.
O entendimento dominante até há pouco tempo era o de que, dada a suposta inutilidade do “junk-DNA” o mesmo estava imune a pressões selectivas, podendo as mutações acumular sem qualquer dano para o organismo.
Infelizmente para os defensores deste entendimento, o mês de Junho, com os 29 artigos sobre o projecto ENCODE, publicados nas revistas Nature e Genome Research, veio retirar-lhe toda e qualquer plausibilidade e tornar insustentáveis as conclusões evolutivas extraídas do alegado “junk-DNA”.
Os especialistas poderão ver por si mesmos.
O projecto ENCODE estudou 1% do genoma humano, ou aproximadamente 30 milhões de bases ao longo de todo o genoma.
Para sua surpresa, os cientistas descobriram que muito do suposto “junk-DNA” é transcrito em RNA e inteiramente funcional.
Assim vão por água abaixo todos os argumentos evolucionistas baseados no "junk-DNA", que, de resto, não eram poucos.
Escusado será dizer que os criacionistas vêm nos resultados do projecto ENCODE um importante desenvolvimento científico corroborando inteiramente o seu modelo de funcionalidade do DNA.
Será isto pseudo-ciência? Claro que não. As evidências são científicas e estão publicadas em revistas científicas.
Pseudo-ciência era a crença no alegado “junk-DNA” e a extracção de inúmeras consequências evolutivas a partir de uma base tão pouco sólida.
Pseudo-ciência era a relutância de muitos cientistas em “perder tempo” a estudar o “junk-DNA” por se estar convencido da sua não funcionalidade.
O facto de se acreditar que Deus criou o Universo e a Vida não é uma razão para não os estudar.
Pelo contrário. É uma excelente razão para os estudar!
Anónimo Jónatas Machado:
Não diga disparates sobre o junk DNA. Aliás, não diga disparates sobre coisas em que é completamente ignorante.
sobre o que diz no post do átomo, também acho que as questões controversas em ciência devem ser debatidas na praça pública e as controvérsias decididas por voto.
não percebo nada de teorias de cordas e pelo que o meu namorado que é físico diz, não sou a única. Resolvia-se a controvérsia num instante se a teoria de cordas fosse decidida na praça pública.
teoria de cordas e outras coisas. nós em biologia tempos uma cadeirita de matemática geral que não dá para entender matemáticas mais avançadas. também acho que polémicas que nem entendo o nome deviam ser resolvidas na praça pública.
aquilo em que eu trabalho também devia ser decidido na praça pública. ainda não consegui perceber os meus resultados e se a praça pública decidisse que eram obra dos caminhos insondáveis de deus conseguia finalmente publicar os resultados :))))
Eu até entendo quando lemos algumas coisas que nos venham os calores mas depois de alguns dias por aqui já me mete impressão as reacções de alergia extrema quando alguém toca na palavra Deus. Se as pessoas dizem disparates creio que a opção inteligente e que mais se coaduna com este blog será dar uma resposta fundamentada (e porque não pedagógica) refutando as "asneiras" e "disparates". Eu, que nunca ouvi falar em DNA inútil (e isto é só um exemplo), aproveitaria muito mais ler algo fundamentado sobre o assunto que apenas saber que alguém "diz disparates".
cumprimentos
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