quarta-feira, 29 de agosto de 2007

GÉNIOS DA FÍSICA


Ficou famosa a resposta de Oscar Wilde quando, na Alfândega de Nova Iorque, lhe perguntaram se tinha alguma coisa a declarar: "Nada a não ser o meu génio". O mesmo Oscar Wilde declarou a André Gide: "Sabe qual é o maior drama da minha vida? É que pus todo o meu génio na minha vida, na minha obra só pus o meu talento".

Tal como a literatura a ciência tem os seus génios. É sempre difícil dizer quais são os génios de uma dada época. Nem todos declararão à alfândega a sua genialidade. Uns porão a genialidade na sua vida e outros não. Mas, quando a época passa, torna-se mais fácil reconhecer um génio. Todos os génios costumam transformar-se em lendas. Deste ponto de vista, o século XX, que já passou, foi um verdadeiro alfobre de génios da física. Um "século de oiro"!

À frente de todos eles há que colocar sem sombra de dúvida Einstein, escolhido pela "Time" na passagem do milénio para "pessoa do século". Há um largo consenso em torno do seu primeiro lugar. Uma sondagem publicada pelo Instituto de Física britânico, também na passagem do milénio, colocou Einstein não só à cabeça dos físicos do século XX mas também de todos os tempos. Nesse "top ten" dos maiores físicos de sempre aparecem sete do século passado (os três intrusos foram Newton, Maxwell e Galileu, por ordem de selecção)...

O segundo lugar dos génios da física do século XX já é mais disputado mas há uma forte tendência para ele ser dado a Niels Bohr, o criador da teoria quântica antiga e o grande adversário intelectual de Einstein (de resto, ele ganhou a Einstein a polémica a respeito da teoria quântica, uma disputa com implicações filosóficas). Ganhou, de facto, o segundo lugar no inquérito britânico.

Einstein e Bohr têm um biógrafo comum, o físico norte-americano de origem holandesa Abraham Pais, que conheceu Einstein em Princeton e Bohr em Copenhaga. Pais é o autor de "Subtil é o Senhor. Vida e Pensamento de Albert Einstein" (Gradiva, 1993) e de "Niels Bohr's Times" (Oxford University Press, 1991, sem tradução em português). É curioso notar que Pais partilha com os dois génios a ascendência judaica (a genealogia de Pais remonta a judeus portugueses) . Porque é que há tantos génios judeus? Já foi muito debatida essa questão, mas talvez se possa encontrar a resposta no sistema de educação das famílias judaicas.

Ainda de Abraham Pais, a Gradiva publicou em 2002 o livro "Os Génios da Ciência", subintitulado "Uma galeria de retratos de físicos do século XX". Inclui, claro, Einstein e Bohr, sendo um excelente resumo das anteriores biografias dos dois. Mas vêm lá descrições de outros génios, como, por exemplo, Paul Dirac, o físico inglês que "casou" a teoria quântica com a teoria da relatividade (de certo modo uniu Bohr e Einstein), John von Neumann, o matemático norte-americano de origem judaica, nascido na Hungria, que escreveu uma obra essencial sobre a teoria quântica, e Eugene Wigner, o físico norte-americano de origem também judaica e também nascido na Hungria que aplicou a teoria quântica aos átomos e aos núcleos.

Os três físicos anteriores partilharam com Einstein o exílio americano durante a Segunda Guerra Mundial (e todos eles, excepto Dirac, viveram em Princeton, que foi assim a "capital dos génios"). Pais fala de uma "geração de ouro", que teve o azar de ter vivido a maior guerra de sempre. Pois em todos estes casos há génio nas suas vidas além do génio que há nas suas obras...

Pais faz notar que na visita de Einstein ao Japão, quando o físico foi recebido pelo Imperador, o centro de todas as atenções foi ele e não o Imperador. Einstein tinha experiência de lidar com reis pois correspondeu-se durante muito tempo com a rainha da Bélgica. Bohr, para não ficar atrás, também tem histórias com monarcas: quando se tornou professor em Copenhaga foi recebido, conforme a tradição, pelo rei da Dinamarca. Mas este associou o nome de Niels Bohr ao seu irmão Harald, que era um famoso jogador de futebol. A palavra é de Pais no resto desta deliciosa história:

"Após a apresentação, o rei disse que tinha muito prazer em conhecer o famoso futebolista Bohr, ao que Bohr respondeu algo como 'Tenho pena, mas Vossa Majestade deve estar a pensar no meu irmão'. O rei ficou surpreso pois, de acordo com as regras do jogo, não se deve contradizer o monarca durante uma cerimónia pública. Então o Rei Cristiano recomeçou tudo de novo, dizendo como estava satisfeito, etc. Bohr ficou muito desconfortável e replicou que, de facto, ele era futebolista, mas que tinha um irmão que era o famoso futebolista. Depois do que o Rei disse 'a audiência está terminada' e Bohr saiu, recuando, como o protocolo recomenda".

Também Dirac, von Neumann e Wigner têm histórias engraçadíssimas. Dirac perguntou um dia ao seu colega norte-americano Robert Oppenheimer, o chefe civil do projecto Manhattan da bomba atómica, que passava o tempo a ler Dante: "Como pode fazer física e poesia? Em física tentamos explicar em termos simples algo que ninguém sabia antes. Em poesia é exactamente ao contrário". Em rsposta Oppenheimer tentou oferecer-lhe livros de ficção, mas Dirac recusou amavelmente: "Ler livros interfere com o meu pensamento". Quanto a von Neumann, um personagem gordo e bonacheirão que também esteve no projecto Manhattan (Los Alamos foi um esconderijo de génios!), "era capaz de conduzir 200 km para jantar num restaurante mexicano favorito... Era capaz de contar tudo menos calorias". E Wigner tem uma curiosa relação pessoal com Dirac, um cientista solitário que parecia condenado a ficar solteiro: mas, em 1934 (no ano anterior, quando recebeu o Nobel, um jornal inglês chamou-lhe "o génio que receia todas as mulheres"), visitou Princeton e conheceu a irmã de Wigner. Acabou por se casar com ela, pelo que Wigner passou a chamar a Dirac "o meu famoso cunhado".

Todos este génios são hoje lendas da ciência. São mesmo génios!

14 comentários:

Anónimo disse...

Diz-se também que um reporter perguntou uma vez a Oscar Wilde: "Are you a practising homosexual?"

E ele respondeu: "I don't practise! I am perfect!"

Anónimo disse...

Igualmente, Einstein não escapou à ironia tão ao gosto dos génios que, não sei porquê, os vemos sempre sisudos nos laboratórios ou distraídos em graves lucubrações esotéricas. Conta-se que certa vez instado a explicar por palavras simples a Teoria da Relatividade, não se fez rogado ao convite: "Passe uma hora com uma linda garota e uma hora parecer-lhe-á um minuto; passe um minuto em cima de um fogão quente e um minuto parecer-lhe-á uma hora!"

Anónimo disse...

O que é um génio? Que definições pode apresentar? Como pode ser hoje identificado? Quais são as suas condições de possibilidade? Quais as vantagens e desvantagens de ser génio? Será que comunga de um padrão conceptual comum? Até que ponto pode ser ou não bem acolhido? Qual é a fronteira entre um génio e uma pessoa diga-se considerada normal? Mau feitio? Ciência? Metafísica? Reconhecimento? Anonimato? Afinal, o que é isso de ser um génio?

Anónimo disse...

Sobre este assunto haveria muito para dizer e corrigir, porém vou apenas restringir-me a três pontos:

1)A história da fisica, tal como a física, não realizada por votação. Contudo, mesmo que fosse, O debate (?)de quem terá sido o maior físico do século XX ou de outro século qualquer não deixaria de ser ridículo. Os físicos são, para os historiadores da física, objectos de estudo. E os objectos de estudo não são comparáveis, em absoluto, pela sua importância. Imagine-se que se pergunta " Quem é mais importante, o electrão ou o protão?"; ou mesmo "Quem foi o maior filósofo, Kant, Platão ou Hegel? Disparatado.

2) O livro "os génios da ciência" contém erros graves e, como quase tudo o que Pais escreveu,tem valor científico (história da ciência) quase nulo. Só para dar dois exemplos do aberrante que é este livro, note-se que entre o grande físicos do século não consta De Broglie, nem sequer o seu nome é mencionado com destaque. Aparece perdido e quase a favor na página. Qualquer pessoa que estude o minímo de história da física quântica sabe que De Broglie é central. Não pode ser passado por cima apenas por conveniência pessoal do autor.

E só para dar exemplo de outro erro, basta ver o horror do final da página 36, início da página 37. Se é coisa que Bohr não é é ser sucessor de Kant. Pelo menos da maneira como Pais afirma. Só quem não percebe nada de filosofia é que escreve uma alarvidade destas. Haveria mais exemplos. "Os génios da ciência" é um mau livro.

3) Uma vez mais, Fiolhais demonstra os seus débeis conhecimentos em história da física. Pois, uma vez mais, "esquece" que Bohr não é apenas o pai da FQ antiga. É-o também da moderna. Aliás, o debate a que faz referência tem haver com a nova quântica e não com a antiga. Bastar-lhe-ia ler o livro do Pais para saber isso (nem tudo está errado, como é óbvio) para perceber isso. Como também para perceber que a Quântica actual nasce algures entre 1927-1935 (resposta de Bohr ao EPR) e não 1926 como asna em manter.

Notas finais:

- Bohr chegou a ser Guarda-Redes. Porém, como tinha medo de se atirar para as bolas rasteiras, deixou a modalidade.

- Sobre a falsa vantagem de um historiador conhecer, pessoalmente, o seu objecto de estudo, leia-se a introdução de Helge Kragh à sua biografia de Dirac. Já agora, é altamente recomendável que não se fiquem pela introdução. Sempre se fica a perceber como se pode escrever um excelente livro de história da física moderna.

JSA disse...

Cro Carlos P, diga-me lá, apenas escreve comentários para contrariar o Carlos Fiolhais não é verdade? «tem haver»? Num sítio quase trata o livro do Pais como abaixo de cão e indigno de referência e a seguir usa-o? Isso é conforme lhe dá a si na gana?

A forma de escolha da lista dos "Génios da Ciência" é obviamente subjectiva. Poderá ser (e creio que terá sido esse o caso na maior parte das vezes) pela influência que as teorias do cientista tiveram na sociedade. Dessa forma é difícil ignorar Einstein, quanto mais não seja pela forma como casou a figura do cientista genial com a do divulgador de ciência. Deveu-se muito disso a acasos, mas esses são também importantes. Pessoalmente colocaria em qualquer lista dos três principais cientistas do séc. XX a Marie Curie, mas isso seria eu. Rutherford seria um nome dificilmente contornável. Numa lista com os nomes de sempre eu teria que me lembrar de Boltzmann ou Kelvin (apesar das excentricidades deste). Mas, lá está, seria uma questão de subjectividade.

Quanto à pergunta sobre como identificar um génio, remeto uma resposta que não é minha: se tem que perguntar, é porque não o compreenderia.

Anónimo disse...

"Num sítio quase trata o livro do Pais como abaixo de cão e indigno de referência e a seguir usa-o? Isso é conforme lhe dá a si na gana?"

Claramente, não percebeu. Para mim, não é referência. Para o Fiolhais é. Logo, por um lado, ele não aprendeu com a sua própria referência. Por outro, lá por que um livro não é de referência não quer dizer que considere todo o seu conteúdo está errado. Creio que não seja difícil de compreender.

Em relação ao Fiolhais. Não gosto daqueles que apesar de apreciarem dar ares de grandes autoridades, com uma pretensa erudição, não sabem o que dizem/escrevem nem sequer estão dispostos a aprender. É uma luta de sempre. Por isso, sinto que estou no meu direito, e presto um bom serviço, ao exigir tanto rigor quanto exigiria a um aluno meu. É que isto de dar ares é muito fácil. Como é fácil enganar que tem poucos conhecimentos sobre um assunto em particular. O difícil é saber. E, como já o Desidério aqui assinalou, há sempre a ideia que todos podem falar de história ou de filosofia. Como se bastasse saber duas ou três vulgaridades. Como não houvesse quem dedique uma vida inteira a assuntos que, por exemplo, o Fiolhais trata aqui com a maior das soberbas e ignorância. A história e a filosofia não são menos importantes ou sérias que a física. Agora imagine que o Desidério - por exemplo - viesse para aqui fazer uns cálculos em mecânica dos meios deformáveis, o que diria se o apanha-se em erro? Não se insurgia? Ficava caladinho perante a suposta autoridade? Não é assim que o conhecimento avança.

Quanto à subjectividade. Faça o seguinte exercício: tente escrever a história dos grandes navegadores dos nossos descobrimentos omitindo, por exemplo, o Bartolomeu Dias. É possível, mas é, objectivamente, pobre.

Anónimo disse...

tem de fazer um post a explicar a diferença entre genio e grande..resolvia uma s[erie de desinterpretaç]oes*esta palavra existe_(

teclado marado o meu

Anónimo disse...

se o apanhasse em erro

Anónimo disse...

“The society which scorns excellence in plumbing because plumbing is a humble activity, and tolerates shoddiness in philosophy because philosophy is an exalted activity, will have neither good plumbing nor good philosophy. Neither its pipes nor its theories will hold water.”

- John W.. Gardner

JSA disse...

Se não o percebi foi porque não explicou. Note, escreve inicialmente que «"Os génios da ciência" é um mau livro». Depois, mais abaixo, quando lhe dá jeito atacar o Carlos Fiolhais, diz «Bastar-lhe-ia ler o livro do Pais para saber isso (nem tudo está errado, como é óbvio) para perceber isso». Parafraseando o que disse, não estou a dizer que está errado. Apenas que é pouco coerente.

Quanto ao Carlos Fiolhais, confesso que não é, de maneira nenhuma, o meu autor preferido no blogue. Ainda assim seria interessante notar que isto se trata de um blogue, não de uma aula. Não me vou meter em questões de Mecânica Quântica (sou engenheiro químico) mas creio que pequenas (sim, sei que são pequenas apenas para pessoas como eu, leigas na matéria) disputas sobre quem apresentou primeiro determinada teoria têm muitas vezes fronteiras algo difusas e sujeitas a interpretação, mesmo na ciência. Não poderei eu julgá-lo, mas não creio que o Carlos Fiolhais nos tenha já transmitido informações erradas sobre factos da física e é esse o ponto que realmente interessaria.

Relativamente aos cientistas e à subjectividade, noto que Bartolomeu Dias não surge quase nunca nas listas dos grandes navegadores mundiais. Aliás, dificilmente lá entra o Pedro ÁQlvares de Cabral, sequer. A história e, consequentemente, as listas, são escritas a partir de momentos marcantes. Dessa forma, o dorar do cabo não foi importante. A descoberta do caminho marítimo para a Índia sim. Tal como Colombo entra nessas questões, apesar de ter morrido sem se aperceber daquilo que tinha feito por acaso.

Quer queira quer não, estas listas são subjectivas. Não existe uma objectividade real nestes aspectos. Poderemos defender objectivamente dois pontos de vista distintos (imaginemos, por hipótese, que eu defenderia Newton como o maior físico de sempre e o Carlos P defendia Einstein) e chegar a conclusões distintas. Sempre objectivamente. Apenas porque damos pesos diferentes a determinados aspectos que consideremos fundamentais. A subjectividade seria assim inescapável. Por chiste, chamemos-lhe o buraco negro da argumentação. Com ou sem cabelo...

Anónimo disse...

I guess John Gardner could say - I love to love and be loved and that is something between me and God

Anónimo disse...

Caro jsa:

A analogia do bartolomeu dias tem como contexto as descobertas portuguesas, não a história da navegação mundial.

Em relação as listas. É claro que são subjectivas. Todas as ciência têm subjectividades. Só tipos afectados por cientísmos patetas é que o ignoram. Porém, o esforço da ciência é também este: Procurar ser-se objectivo. Em história, uma das formas de se ser é explicitando a sua abordagem. No caso deste livro, o critério do Pais parece ter sido o mais absurdo em história: o seu círculo de conhecidos. Creio que isto diz bastante sobre o valor desta obra.

Em relação às asneiras do Fiolhais. Repare, ele não vem para aqui escrever sobre física pura e dura. Ele, normalmente, cinge-se a afirmar vulgaridades e fazer referência a livros sem qualquer valor. Pelo meio, vai largando frase do género "Paul Dirac, o físico inglês que "casou" a teoria quântica com a teoria da relatividade (de certo modo uniu Bohr e Einstein)". Embora o termo casar esteja - e bem - entre aspas, aquilo que o Dirac fez está a léguas de ser um casamento. O termo mais correcto seria, talvez, "flirt" ou "piscar-de-olhos". O problema do casamento entre as duas físicas não só foi um dos problemas mais centrais de toda a vida de Dirac, como tem sido um dos temas nucleares em em fundamentos de física, desde há várias décadas para cá. Uma vez mais, aquilo que parece ser uma pequena frase sem grande importância para uns - como Fiolhais - é, na realidade, um mundo. O leitor deste blog não tem culpa que o CF seja pouco versado em fundamentos de física, ou em filosofia da ciência. Nem isso se deve exigir ao CF. Pois, a actividade científica dele é noutra área. Porém, o leitor deste blog deve ter o direito de exigir que sempre que o CF - ou outro - ponha o pé fora da sua casa, o faça com o maior dos cuidados, e não com soberba. Veja bem o cuidado e o rigor do Desidério - ou, em muitos casos, da Palmira - e compare.

Anónimo disse...

Admiro muito Von Neuman pois sua obra é bem diversificada vai desde computação,meteorologia,estatística,hidrodinâmica das explosões e foi ele que desenvolveu a teoria dos jogos(Nash aprofundou e acrescentou o equilíbrio Nash),O próprio Einstein o considerou o maior matemático do século 20.

Anónimo disse...

eu acho que ser ; genio e ter muita capacidade q muitos nao tem

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