sexta-feira, 6 de julho de 2007

ENGENHO LUSO





Minha última crónica do "Público":

O New York Times de 29 de Junho último relatava aos americanos um facto pouco conhecido deles: “Uma versão da Internet foi inventada em Portugal há 500 anos por uma mão cheia de marinheiros com nomes como Pedro, Vasco e Bartolomeu. A tecnologia era grosseira. As ligações eram instáveis. O tempo de resposta era muito lento (uma mensagem enviada nessa rede podia demorar um ano a chegar). Mas eles construíram-na. Estavam sedentos de ter acesso ao mundo”.

Esta é sem dúvida, mesmo para nós, uma visão original dos Descobrimentos, que vem a propósito da actual exposição Encompassing the globe: Portugal and the world in the 16th and 17th centuries em Washington. Muito antes dos cabos ópticos, foi, de facto, a caravela que permitiu assegurar a primeira onda da globalização.

Com o final dos Descobrimentos a liderança da tecnologia passou para outros. Nós deixámos de fazer as coisas bem (o poeta Carlos Queiroz escreveu: “Só fazemos bem / Torres de Belém”). E o protagonismo nas comunicações à distância foi tomado por quem as fazia melhor...

Se hoje houvesse uma escolha das sete maravilhas da tecnologia, teríamos de incluir, para além da Internet, o telefone (a rede global moderna resulta aliás do “casamento” do computador com o telefone). Curiosamente, na origem do telefone está – pouca gente sabe - um notável contributo de um luso-descendente...

A primazia de Bell no telefone já não é hoje reconhecida. Um obscuro italiano, Antonio Meucci, entregou a patente primeiro. Todavia, em 1860, 16 anos antes da patente de Bell, um luso-alemão construiu, sem o registar, o primeiro telefone que funcionava (a primeira frase dita no aparelho foi sobre nutrição animal: “O cavalo não come salada de pepino”). Chamava-se Johann Philipp Reis (1834-1874) e o seu aparelho ficou conhecido por “telefone de Reis”. Reis era neto de judeus sefarditas da Beira Baixa que emigraram para a Alemanha no século XVIII. Órfão ainda em criança, foi criado por uma avó portuguesa que era bastante surda. E o telefone proveio da ideia de uma “orelha artificial” para a avó. O primeiro modelo de telefone – o neologismo deve-se a Reis - assentou em tecnologia luso-alemã: o microfone era uma rolha de cortiça oca coberta por uma pele de salsicha! Reis foi vencido pelo seu auto-didactismo (os seus artigos nas revistas científicas foram recusados), pelo antisemitismo (teve de abandonar a Sociedade dos Físicos de Frankfurt) e, finalmente e o pior, aos 40 anos pela tuberculose (a doença da época, que vitimou tantos génios).

Na lista das sete maravilhas tecnológicas a televisão tem decerto também um lugar. Esta – pensará o leitor – terá passado ao lado de qualquer intervenção nacional. Pois engana-se se pensar isso... Os historiadores da televisão reconhecem hoje o contributo original de Adriano de Paiva (1847-1907, faz agora 160 anos que nasceu em Braga e cem anos que morreu em Vila Nova de Gaia), doutor em Filosofia pela Universidade de Coimbra e professor de Física na Academia Politécnica do Porto. Em 1878, dois anos depois do telefone de Bell, sugeriu num artigo publicado em O Instituto que a ideia do telefone - a “orelha artificial” - fosse complementada pela de “olho artificial”. Com base em trabalhos anteriores dos irmãos Siemens que aproveitavam as propriedades óptico-eléctricas do selénio, Paiva propôs um sistema de televisão primitivo, embora sem nunca o chegar a realizar na prática. Outros não só tiveram a mesma ideia a seguir, como a conseguiram concretizar. Ficou a visão profética do professor portuense: “Com estes dois maravilhosos instrumentos [a televisão e o telefone], fixo em um ponto do globo, o homem estenderá a todo ele as faculdades visual e auditiva. A ubiquidade deixará de ser uma utopia para tornar-se perfeita realidade.”

De modo que o leitor quando estiver, diante da sua webcam, a falar para outro lado do mundo, lembre-se não só da epopeia marítima como dos trabalhos de Reis e de Paiva. Pode ser que a lembrança do engenho luso ajude a recuperar a depauperada auto-estima nacional...

3 comentários:

Anónimo disse...

Realmente posso garantir que não deixa de ser uma lufada vitalidade dar conta de trabalhos tão meritórios e de reconhecimentos, talvez tardios mas ainda assim merecidos, a cidadãos lusos ou daí descendentes.

Áparte a felicidade, pode ser feita também a leitura pegando nos exemplos dados (exceptuando as navegações) no sentido de mostrar como em tantas ocasiões a diferença entre nós e o outros, tidos como melhores, é tão escassa, mas por força da nossa apatia final, não chegamos aos louros e à premiação.

Marcelo Melo
[www.3vial.blogspot.com]

José Luís Malaquias disse...

Dois comentários:
Virámos as nossas costas ao génio quando expulsámos os judeus de Portugal (não é à toa que as potências que emergiram a seguir - Reino Unidos e Países Baixos - foram aqueles que os aceitaram e que, mais tarde, emergiram os EUA quando, por sua vez, a Europa os expulsou). Isso fica bem claro na odisseia de Reis e de muitos outros judeus sefarditas que triunfaram por essa Europa fora.

Os que ficámos não passamos de diletantes que temos boas ideias mas não as colocamos em prática.

Diana Olive Bacci disse...

O avô do meu marido, Sr Eugênio Bacci, era filho de Ana Meucci, neta de Antônio Meucci, o verdadeiro inventor do telefone.
Eugênio Bacci era italiano e imigrou para o Brasil com seus pais e irmãos.
Morou no interior de S. Paulo, em Bragança Paulista e depois foi morar no Sul de Minas.
Faleceu em Baependi MG.

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