A ciência nacional perdeu no domingo um dos seus mais ilustres químicos, Alberto Romão Dias. Proeminente cientista e genuíno pai da Química Organometálica em Portugal, fez escola por quase quatro décadas, formando mestres e doutores que se espalharam pelo país e que continuaram a tratá-lo por «chefe», a forma carinhosa com que muitos o tratavam, não apenas aqueles que como eu tiveram o privilégio de ser seus doutorandos.
Com alguns colegas do liceu Camões, de que faziam parte, entre outros, Brito Correia, Jorge Dias de Deus e Hasse Ferreira, foi entusiasmado para a química pelo professor José Teixeira, entusiasmo catalizado pela exposição patente no Técnico em finais dos anos 50, «O átomo para a paz». Ingressou no IST na licenciatura do «átomo para a paz» onde em 1964 se licenciaria em engenharia químico-industrial.
Ainda enquanto aluno, o então redactor da Técnica (e vice-presidente da associação de estudantes) contactou J.J. Fraústo da Silva e o seu jovem assistente Jorge Calado, que imediatamente lhe reconheceram o enorme potencial. Fraústo da Silva convidou-o para fazer investigação no seu grupo e posteriormente fez parte de um pequeno número de químicos promissores que a visão de Fraústo da Silva, à altura um dos dois únicos doutorados em Química no IST, enviou para Oxford. Sob a orientação de Malcolm Green, em 1970 Romão Dias doutorou-se em química.
De volta a Portugal, e com um pequeno interregno para a «tropa» em Angola - onde deu aulas na Faculdade de Engenharia - Romão Dias devotou as suas extraordinárias capacidades ao desenvolvimento da Química. Desenvolvimento que não se restringiu ao grupo de organometálicos do IST, no recém-construído Complexo Interdisciplinar abrigou muitos grupos de investigação exteriores ao IST que não dispunham nas suas instalações das infraestruturas necessárias, nomeadamente o grupo de António Xavier, que marcou indelevelmente a «química da vida» nacional e foi recentemente homenageado na sessão «Recordar António Xavier» que integrou a inauguração da Rede Nacional de Ressonância Magnética Nuclear.
A sua inexcedível devoção ao desenvolvimento da química em Portugal manifestou-se no relançamento da Sociedade Portuguesa de Química, de que foi secretário-geral no período 1978-1988 e presidente entre 1989 e 1991, em termos das sociedades científicas nacionais um relançamento pioneiro.
Autor de mais de 120 publicações científicas a quem o Journal of Organometallic Chemistry dedicou um número especial em 2001, ano em que completou 60 anos, o seu empenho na construção de uma Universidade melhor fizeram dele um modelo ímpar na nossa comunidade científica. A ele devemos muita da legislação por enquanto ainda em vigor, completamente inovadora na altura, implementada quando foi secretário de Estado do Ensino Superior no VIII Governo Constitucional, com primeiro-ministro F. Pinto Balsemão e ministro da Educação Fraústo da Silva. Por exemplo, foi da sua iniciativa a legislação que tornou nominal e justificado o voto em mestrados, doutoramentos e concursos documentais para professor associado e professor catedrático, substituindo o sistema de votação secreta por bolas pretas e brancas que vigorou até 1983. Este sistema sobrevive, por lapso, apenas nas provas de agregação.
O seu sentido de humor, acompanhado de dotes oratórios extraordinários, marcaram indelevelmente todos os alunos das licenciaturas do DEQ (agora DEQB) que guardam memórias bem coloridas das aulas de Química I ou Introdução à Teoria da Valência, que leccionou ininterruptamente desde 1974, incluindo o período em que foi secretário de estado. Muitos foram os que se contagiaram com o entusiasmo e amor pela química transmitido conjuntamente com as aulas que estão na génese de inúmeras carreiras de investigação.
Mas se o chefe foi um exemplo não só para os que com ele se formaram mas para toda uma geração de cientistas, pelo entusiasmo pela ciência que se traduziu numa vida dedicada à promoção da excelência na Universidade e da investigação científica em Portugal e pelas suas inimitáveis qualidades pedagógicas, recordo especialmente as suas notáveis qualidades humanas, que transpôs para todas as muitas actividades académicas em que se empenhou.
Enquanto os últimos acordes do violoncelo ressoavam num espaço demasiado pequeno para os que lhe quiseram prestar a última homenagem, recordei as conversas de fim de tarde no gabinete do grande Homem, Professor e Cientista, o nosso Chefe. Alberto Romão Dias será certamente recordado por muitos e diversos motivos como uma das figuras mais marcantes da ciência e da química do nosso país. Eu recordá-lo-ei sempre pelas palavras que tantas vezes trocámos nesse espaço...
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29 comentários:
Professora Palmira:
Está lindo! Obrigado por recordar desta forma esse grande Homem que gostava de si como a filha que não teve. Um bem haja pelas palavras!
Maria
Fui sua aluna..uma dos muitos que no QA assitia às aulas de Introdução à Ligação Química...e uma dos muitos cuja imagem do Prof. Romão Dias era a imagem de marca da química do IST..com as pancadas na mesa com a vara de apontar, as perguntas 'Como que orbital prefeririam ser uma 2s ou 2sp?'
Os meus cumprimentos à família e amigos deste grande Homem.
Jamais esquecerei o ano que tive aulas com ele no QA (salvo erro 1997), e nomeadamente a sua sempre pertinente questão: "Se fossens uma molécula de hidreto de berílio seríens felizes? Pensem nisto!!"
Um grande senhor. Um obrigado à Palmira pelo seu testemunho!
Fui aluna dele no meu primeiro ano de faculdade e nunca hei-de esquecer o entusiasmo que punha em cada palavra que dizia... Incutiu-nos mais ainda o gosto e o amor pela Química! Disse-nos uma vez que não somos os patinhos feios mas sim os cisnes e é por isso mesmo que vamos continuar a lutar pela licenciatura em Química sempre!
Um grande Homem sim senhor!
... e o ponteiro que, de tempos a tempos, leia-se quando os decibéis ultrapassavam o valor pré-definido, batia com estrondo na mesa do QA...
Bons tempos, esses do curso, e o Prof Romão Dias faz parte deles. Há muito tempo que o não via, mas sempre ia sabendo alguma coisa por terceiros. Recentemente soube que o seu estado de saúde estava longe de ser o melhor, e hoje chegou-me a notícia.
Aqui fica, pois, a homenagem deste "miserável estuda" a um dos melhores professores que tive a sorte de apanhar durante o meu percurso académico(que pena ter sido só a Química I!).
Puta de vida...
Fui aluno em 1998 e só me sai isto:
Estamos mais pobres.
Fui aluno do Grande Professor, daqueles que deixam marca, não nunca me acertou com o ponteiro, só com o giz.
Lembro-me como se fosse hoje, e já lá vão quase 20 anos, da aula da praxe, a que passei a assistir religiosamente, sempre uma aula do Romão Dias.
Um Grande Homem, como há poucos. Um Grande Professor, como há ainda menos!
Quem teve aulas com o Prof. Romão Dias, nunca esquece........ Grande Perda.
Palmira, obrigado por relembrar o extraordinario prof. Romao Dias, o Chefe. Sempre me impressionou a sua personalidade, a capacidade em motivar, o da oratoria e o sentido de humor. Um leader nato. Hoje, recordo com nostalgia um jantar do grupo de Quimica Organo-metalica , na cervejaria "As duas Amazonas", onde o Chefe fez um discurso memoravel,à volta de uma cabeça de garopa gigante, sobre a (falta de) cultura dos nossos dias. Corria o ano de 1990...
"Le Poête est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher"
Charles Baudelaire , "L'albatros"
A Plus tard, Romao Dias...
São pessoas como o Prof. Romão Dias que nunca se esquecem e que nos inspiram pela vida fora.Obrigado Professor
É com profunda tristeza que leio acerca da morte de Romão Dias, que foi meu professor no IST. Era, aliás, naquele ambiente de profunda arrogância e de frieza humana que caracterizava o IST desses tempos, um dos melhores professores e cujas aulas mais entusiasmaram gerações de alunos. As aulas do Prof. Romão Dias eram de facto à noite, não de tarde, porque ele começava o dia à hora do almoço :-)
Alberto Romão Dias não olhava a modas ou a conveniências, era igual a si próprio. E é num momento de profunda instabilidade emocional, que escrevo estas linhas acerca de um dos poucos professores do IST que me deixou recordações de grandes aulas e grandes momentos de aprendizagem da Química. Sempre correcto, sempre sereno na sua verdade e respeitador da verdade dos outros, ao contrário de outros professores que conheci.
Que viva para sempre na nossa memória.
Você , nosso anjo , nossa estrela
Você , que hoje não está mais aqui
Conosco , nesse nosso caminhar
Foi peça , das mais importantes
Quando o percurso, estávamos a iniciar...
Você , foi assim como um anjo
Na vida , sempre a nos guiar
E se por acaso algum tropeço
Estava sempre ali a nos amparar...
Você, transferiu para nós
O amor e o carinho que tinha para dar
E para vê-lo sempre feliz a sorrir
Bastava feliz a sorrir a gente estar...
Em você , nosso anjo ,que hoje
Com outros anjos no céu deve estar
Na minha grande e incontida saudade
Uma homenagem lhe queria prestar ...
Você , uma das poucas pessoas
Que soube nos amar sem cobrar
Foi uma estrela em nosso caminho
Hoje , no céu , a nos iluminar !...
E o "Os caloiros este ano ainda são mais feios que o ano passado"?
E os jantares... e aquelas aulas de fim de tarde, onde ganhávamos coragem para não desistir...
Foi-se um Grande Homem, Portugal ficou mais pobre...
Aqui fica um dos momentos em que partilhou com os caloiros do ano 1994-1999. (Jantar do caloiro na feira popular).Sempre com um sorriso, é assim que nos vamos lembrar dele. Foi um professor que deixou marca em todos os seus alunos.
Ondina Freitas
Endereço das imagens:
http://img505.imageshack.us/img505/3079/romodias1yk0.jpg
http://img444.imageshack.us/img444/7242/romodias2ik4.jpg
Nesta partida nao ha sentido...
O Professor Romao Dias ficara sempre na nossa vida- marcou pela diferenca, pelo carinho e pela paixao pela ciencia
Quem mais poderia Ensinar a quimica dos elementos...
obrigada...
Recebi a triste notícia através da mensagem electrónica de um amigo e ex-colega do Técnico...senti um enorme vazio! Apesar de já terem passado mais de 15 anos desde a primeira aula com o Professor Romão Dias, lembro-me dessa, e das seguintes, como se tivessem decorrido ontem! Se há professores que marcam uma vida (e acredito que sim!), o Professor Romão Dias foi para mim um deles. Um...entre poucos! Ficará sempre guardado como uma boa memória! Um Professor excepcional!
Será sempre recordado com um sorriso. As sua aulas eram um prazer!
Adeus e até sempre.
Senti um enorme nó na garganta quando soube da morte do prof. Romão Dias.
As suas aulas de QI e QII no QA eram sempre uma descoberta.
Até sempre.
Saudação, Palmira.
Foi o primeiro professor que conheci no IST; na primeira aula de QI fez um comentário que ainda hoje, passados 17 anos tenho presente na minha memória: vocês estão muito "convencidos" pois conseguiram entrar para o IST, no entanto estamos cá para os deitar abaixo, depois vocês levantam-se e nós tornamos a deita-los ao chão, até ao dia em que já não caiem: nesse dia são finalmente engenheiros.
As suas aulas foram sempre um espectáculo, onde se aprendia não apenas química, mas também a viver, lançar giz..
Foi um prazer tê-lo tido por professor e obrigado por tudo o que me ensinou
O Prof. Romão Dias foi certamente "O Professor" do curso de Engenharia Química no IST. Tive o privilégio de ter 2 cadeiras com o mestre nos anos 88-89. Eram aulas mesmo ao final do dia (19h-20h), mas sempre cheias de alunos que nunca se cansavam de o ouvir. Era um comunicador nato e com um tão grande conhecimento científico! Nunca me esquecerei de uma das primeiras aulas ele nos ter dito: "pensam que sabem já muito de química; pois bem, tudo o que ouviram até agora estava errado! Agora, sim, vão começar a aprender a verdadeira química!".
Até Sempre Prof. Romão Dias!
Triste notícia... Também eu há muitos anos (em 1993/94) o tive como Professor na cadeira de Quimica I do curso de Engenharia Química... Seria difícil esquecer alguém com uma presença tão forte, marcante.
Sendo de Metalúrgica, tive apenas umas poucas aulas com o Prof. Romão Dias. Mas as suficientes para perceber o modo vibrante como ele vivia a Química e a dava a conhecer, para além da relação amiga que estabelecia com os alunos. Nunca ouvi um comentário negativo ao mesmo.
O IST e a Química perdem um grande Professor, a família e os amigos perderão certamente um grande Homem. Bem Haja
Soube pelo Dias de Deus da morte do Romão. Há anos que não o via.
Agora aparece-me aqui (via Macau) este Blog que me permitiu ler palavras amigas e saudosas sobre este amigo, para mim perdido no tempo.Assim, deixem-me escrever uma pequena memória passada com o Romão e comigo no inicio da sua carreira académica:
- Quando o Luis Almeida Alves, convidou o Romão Dias, para assistente,(63/64 ?? - iniciou aí a sua carreira académica ??)colocou-lhe como condição abandonar a vice-presidência que desempenhava na AEIST.
Fui eu que o substitui nessas funções associativas que meses depois resultaram em expulsões,considerando os "crimes" que cometemos em defesa da liberdade neste país.
O Director Almeida Alves chamou-me então e disse-me: - "eles" estão pedindo o nomes dos dirigentes da Associação e, no seu caso eu vou informar que o lugar era ocupado pelo Romão, mas que ele saiu do lugar em data fora dos acontecimentos. Se "eles" não perguntarem mais nada, eu nada direi e assim safa-se o Romão e safa-se você.
"Eles" não perguntaram mais nada!
Até sempre caro amigo!!
Em Setembro de 1996, depois do primeiro dia de aulas - e da primeira aula com o Professor Romão Dias -, contei a experiência a um meu irmão que também foi aluno dele, na mesma licenciatura. O seu comentário, se bem que um pouco injusto para outros professores, resumo tudo: "É a única aula de jeito que vais ter. As outras, até ao fim do curso, serão todas uma grande porcaria."
Obrigado, Professor.
Um Grande Homem um Grande Professor, ainda me lembro da discusão de relatórios de laboratórios, é uma história q para sempre irei recordar.
E como diria ele:
"E agora esqueçam tudo o q aprenderam!"
Obrigado Professor.
"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."
Fernando Pessoa
Até sempre meu Professor e Amigo
é verdade... grandes pancadas...
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