segunda-feira, 23 de julho de 2007

O exame nacional de filosofia

Divulgamos aqui um artigo de Rui Baptista originalmente publicado no Diário de Coimbra (13 de Fevereiro de 2006) e que infelizmente não perdeu actualidade.

"O fascínio tecnicista e cientista é um sinal dos tempos, cujas repercussões se fazem sentir na organização, ou antes, na desorganização do sistema de ensino, a todos os níveis."
Georges Gusdorf

Abel Salazar foi professor universitário de Medicina, em inícios e meados do século passado, com um notável e eclético saber nos diversos domínios científicos e culturais: médico, escritor, pintor, escultor e filósofo, tendo-se doutorado, em 1915, com 20 valores com a tese Ensaio de Psicologia Filosófica. Com conhecimento de causa, sentenciou ele: “Um médico que só sabe de medicina nem isso sabe!”

Hoje, numa época em que os responsáveis pela tutela da Educação – em nome de uma deplorável facilidade no acesso ao ensino superior, ou (apenas) como tal plasmado na lei! – em boa hora arrepiaram caminho na decisão em acabar com o exame nacional de Literatura Portuguesa, mas persistem em manter essa decisão no que se reporta à Filosofia, uma questão se levanta. Deverá a Filosofia ser valorizada no âmbito dos cursos de humanidades e subalternizada no domínio das ciências naturais?

A questão nem sequer é nova! Segundo Georges Gusdorf, “na primavera de 1964, assistiu-se ao facto de “os decanos da Faculdade de Medicina e da Faculdade de Ciências da Universidade de Paris, proclamarem que a Medicina é doravante uma ciência; ninguém poderá pretender ser iniciado se não for geómetra, se não possuir noções de base como as de função, logaritmo, derivadas. A formação médica pressupõe uma escolaridade secundária que passa pelas classes terminais de ciências e de matemática dos liceus”. (Da História das Ciências à História do Pensamento, Editores Livreiros, Ldª., Lisboa, 1988, p. 9).

Ainda segundo este autor, “os distintos decanos preveniam os interessados e as famílias contra a deplorável perda de tempo e de inteligência que representaria um estágio na classe de Filosofia. Um jornalista foi, então, perguntar a estudantes de Medicina, escolhidos ao acaso, o que pensavam desta declaração. Responderam-lhe que lhes parecia, pelo menos, impensada. O conhecimento dos logaritmos é talvez útil ao médico, mas o conhecimento do homem e da condição humana é primordial; é deplorável que não entre em linha de conta na aprendizagem médica. Os estudantes tinham cem vezes razão em denunciar esta forma particularmente nociva de obscurantismo contemporâneo, que existe entre os potentados universitários como no homem da rua” (id., ibid.).

Este descabido, ridículo e insolente ataque à matriz de todas as ciências é tanto mais insólito quando nomes grados da Ciência se distinguiram no frutuoso deambular pelos caminhos de um Conhecimento sem fronteiras. Três exemplos, de entre muitos: Max Planck, físico e Prémio Nobel da Física (1918), preocupado com a relação entre a ciência e religião ; Ernest Krestchemer, médico psiquiatra alemão, doutor honoris causa em Filosofia pelas Universidades de Wurzburgo e Católica do Chile; e Bertrand Russell, matemático e filósofo britânico, Prémio Nobel da Literatura em 1950. E isto para não falar já em Albert Einstein, presença obrigatória em diversos manuais de Filosofia!

Poder-se-á objectar que a disciplina de Filosofia continua a fazer parte do currículo do ensino secundário, mas... o facto de não ser avaliada em exames nacionais coloca-a numa posição, no mínimo, insólita. E não me venham com a teoria de que os exames nacionais são uma forma menos válida ou justa de avaliar os alunos. O mal não está nos exames, mas na forma que preside à respectiva elaboração!

A facilitação em deixar passar os alunos sem testar os conhecimentos adquiridos em exames nacionais nos diversos graus de ensino conduziu a população escolar portuguesa à crítica demolidora de Vasco Pulido Valente: “Um ensino, em particular ensino superior, ineficiente e caótico e, além disso, irreformável”!

Na verdade, chegou-se a níveis de ignorância que campeiam entre os próprios diplomados do ensino superior e que não são escamoteáveis por mais tempo, pese embora, como escreve Mario Perniola, professor de Estética da Universidade Tor Vergata de Roma, “haver sempre uma caterva de ingénuos prontos a escrever a história da última idiotice, a solenizar as tolices, a encontrar significados recônditos nas nulidades, a conceder entrada às imbecilidades no ensino de todas as ordens e graus, pensando que fazem obra democrática e progressista, que vão ao encontro dos jovens e do povo, que realizam a reunião da escola com a vida”.

Numa altura em que novas (e, ainda mais, facilitadoras!) formas de acesso a escolas de ensino superior se divisam no futuro prenunciando técnicos despojados de uma necessária formação cultural - a que a leitura constante de textos literários e a reflexão filosófica conduzem - e em que a quantidade de diplomados pelo ensino superior supera em muito a sua qualidade, os claustros universitários devem manter-se como guardiães esforçados da Cultura Humanística, do Conhecimento Científico e da Investigação Pura e Aplicada. Num contexto de elevada qualidade e numa tradição multissecular na formação de elites!

Rui Baptista
(Ex-docente da Universidade de Coimbra)

10 comentários:

Anónimo disse...

Educação Física sim, educação física é que é importante. Filosofia? Isso só faz pensar!

Anónimo disse...

Filósofo amador fez um desvio da linha, logo, é um desviador, de intencionalidade desconhecida. Logo, ele tem razão: é um filósofo amador.

Anónimo disse...

Obviamente, fiquei na dúvida se a expressão “filósofo amador” se referiria à pessoa do comentarista ou à minha. Nesta hipótese o apodo só me honra, porque amador é aquele que ama e a Filosofia (embora tenha completado o curso dos liceus em Ciências, como então se dizia, e ter sido presidente da Secção de Ciências da prestigiada Sociedade de Estudos de Moçambique) foi a minha disciplina do ensino preferida; e que julgo ter em muito contribuído para a minha formação humanística, embora correndo o risco de ser juiz em causa própria. E porque sei (e defendo) que a Filosofia é a base de um pensamento lógico que nos pode aproximar neste diferendo (ou continuar a afastar-nos, se tiver sido essa a intenção apriorística do seu comentário ao meu texto), convidava-o a reflectir comigo. Só em exéquias da dicotomia cartesiana, de uma mente maior (“res cogitans”) a escravizar um corpo menor (“res extensa”), se pode tornar frutuoso o diálogo entre a Educação (dita ) Intelectual, em exaltação de importância, e a Educação Física, em esconjuro de má fama. Diálogo, aliás, defendido por filósofos modernos, em denodada defesa de uma concepção holística do Homem, percepcionada pelo filósofo Jean-François Lyotard em precioso texto crítico: “Toda a energia pertence ao pensamento que diz o que diz, que quer o que quer; a matéria é o fracasso do pensamento, a sua massa inerte, a estupidez” (“O inumano”, Editorial Estampa, Lisboa, 1989). Numa síntese de rara felicidade já o psiquiatra alemão Ernest Kretschmer (1888-1964), que se notabilizou pelos estudos sobre a relação entre a constituição corporal e o carácter, referia numa síntese que ficou para a posteridade: “O homem pensa como todo o corpo”. Por outro lado, em fronteiras nacionais e em nossa contemporaneidade, Almada Negreiros (1893-1970), tido por João Bigote Chorão, “como, talvez, a personalidade mais completa e complexa e fascinante da cultura portuguesa do séculoXX”, endeusou o corpo, ao proclamar: “É preciso criar a adoração dos músculos”. Todavia, por o dualismo da obra de René Descartes muito continuar a pesar na cultura ocidental, subsiste, por vezes e ainda, a promíscua recordação dos hércules de feira ( o próprio Ramalho, do alto da sua imponente e “ramalhal figura”, nas palavras de Eça, orgulhava-se em dizer que tinha nascido para hércules de feira) em que um corpo bem musculado é havido como a renúncia das coisas do espírito, teimando umas tantas almas em associá-las a franzina compleição física, a pálida tez, senão mesmo, numa sempiternidade, a um romântico tossicar de bacilo de Koch de uma qualquer “Dama das Camélias” no leito de morte! Embora eu não a deseje iconoclasta, sei que a concepção que perfilho do Homem/Corpo (“Eu não tenho o meu corpo, eu sou o meu corpo” – Gabriel Marcel ), poderá entrar em conflito com o pensamento religioso subtraído do baú de tempos medievos, contrariar uma cultura amputada da sua globalidade (não é o desporto, ele próprio, havido como um fenómeno cultural?) ou enredar-se nos liames duma enraizada tradição transmitida pela máquina do tempo. Entendi ser minha obrigação correr esse risco, perante o desafio que me foi feito no comentário ao meu artigo, “O Exame Nacional de Filosofia”, porque não sou de virar a cara a um qualquer desafio, ainda que pela calada do anonimato! Todavia, “ab initio”, para evitar mal-entendidos, porventura iguais ou maiores, desde já afirmo, solenemente, que me desvinculo de um biologismo redutor (senão mesmo castrante!) por não mergulhar o genoma no caldo social. Mas não se pense, sequer, que a luminosidade do obscurantismo lançou anátemas, ou sombras funestas, somente sobre o corpo vivido: fê-lo também relativamente à sua representação escultórica. Segundo Athos Francisconi, “na Idade Média, o pensamento religioso mal compreendido (sublinho, “o pensamento religioso mal compreendido”), que via no corpo a obra tentadora do demónio, levou à destruição de belas estátuas gregas de atletas olímpicos e que, por isso, não chegaram aos nossos dias”. “Malgré tout”, para um parto difícil, com o cordão umbilical em entranhas do tempo, só o recurso ao fórceps dos “Mecanismos da Mente”, um notável livro de Colin Blakemore (“Cambridge University Press”, tradução portuguesa, Editorial Presença, Ld.ª, Lisboa 1986), ou à cesariana duma promissora Neurobiologia do 3.º milénio desbravada por António Damásio, uma presença portuguesa nos claustros da “Universidade de Iowa” com prestígio mundial, são mais capacitadas para dar uma resposta sobre a importância da Educação Física: “Santos ao pé da porta não fazem milagres”! Respaldo-me, assim, nesse orgulho da ciência nacional para, com base na sua premissa (“Existo, logo penso”), romper as grilhetas da servidão de um corpo, qual Espartaco, a libertar-se do dualismo cartesiano. Escreve ele: “O cérebro humano e o resto do corpo constituem um organismo indissociável, formando um conjunto integrado por meio de circuitos reguladores bioquímicos e neurológicos mutuamente interactivos (…)” (“O Erro de Descartes”, Publicações Europa-América, Ld.ª, Mem Martins, 1994, p.16). É natural que surja, aqui, a discussão da imaterialidade da alma, como o acontecido com uma criança de uma escola primária francesa que ao ser confrontada com esta temática explanada em termos simples por um conceituado médico e cientista seu conterrâneo, não se conteve perguntando angustiada: “Então, e a alma?” (aliás, título do seu livro em que relata o caso). Remeto-me para St.º Inácio de Loyola, pois trata-se de uma questão de fé: “Para aqueles que crêem, nenhuma explicação é necessária; para aqueles que não crêem, nenhuma explicação é possível”. Como remate, conta-se que alguém afirmou a um investigador entusiasta mas ininteligível que as suas teorias nada valiam, a menos que conseguisse explicá-las à empregada de um bar local! Ora nem eu sou investigador, nem nada me leva a supor ser o autor do comentário ao meu artigo empregada de um bar local!
“Sans rancune”
Rui Baptista

Anónimo disse...

A minha esperança é que há-de acabar este governo de gente que, se não é ignorante, não faz nada para que o país não o seja. Seria possível o mundo ter atingido o grau de dsenvolvimento que alcançou sem a Filosofia? É certo que a Filosofia não inventou o computador nem descobriu a penicilina, mas ensina a pensar, e sem bem pensar não se vai a lado nenhum.
Já agora, uma história dessa ignorância que já vem de longe. Há uns anos recebi um convite da minha Câmara Municipal em que, como especificação, constava apenas "uma conferência na Casa da Cultura". Cheguei lá, e dei de caras com o Georges Gusdorf em pessoa.

Anónimo disse...

Adendas ao meu comentário anterior: 1)Já cansado, a terminar o meu longo comentário de ontem, já minutos depois da meia-noite, referi-me "à empregada do bar" fazendo uma transcrição incompleta documentada por Colin Blakemore (em obra anteriormente por mim citada, p.7), que ora se dá à estampa em versão integral: "Diz-se que Lord Rutherford afirmou a um investigador entusiasta mas ininteligível do Cavendish Laboratory que as suas teorias nada valem , a menos que conseguisse explicá-las à empregada de um bar local..."2)Debalde, tentei encontrar, pela manhã de hoje, na minha desorganizada biblioteca o livro "Então, e a alma?", para o referenciar convenientemente pois é um pequeno opúsculo de um autor, de grande renome no mundo cientifico com preocupações de natureza filosófica, que merece ser lido e divulgado.3)Acerca da alma, julgo de interesse acrescentar-lhe o que a este respeito escreve Michel Renaud, professor de Filosofia da Universidade Nova de Lisboa:"(...) o estatuto do pensamento depois da morte humana é totalmente diferente ('intuitivo' e já não conceptual), a tradição clássica reconhecia implicitamente que a dimensão corpórea do homem impõe à consciência um regime de abstracção a partir das realidades visíveis e sensíveis"("O CÉREBRO E O ESPÍRITO", Colóquio realizado em Novembro de 1985 pela Associação dos Médicos Católicos Portugueses no Auditório da Universidade de Coimbra, publicado em livro com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, p.230).

Anónimo disse...

Educação Física, Motricidade Humana e Desporto (pequena nota)

Também entre nós, a partir da filosofia e mais concretamente da epistemologia, há quem sabiamente tenha pensado o corpo, a mente, e mais especialmente o movimento humano a que doutoralmente apelidou de motricidade humana. Trata-se do Professor Manuel Sérgio, que recentemente deu a sua última lição, e que pensou o ser humano não a partir da separação cartesiana entre corpo e mente mas pelo contrário baseado na integralidade totalística. Para este Professor não pode existir educação física, ela é contrasensitiva com o carácter integral da “natureza humana”, uma vez que o seu “paradigma” fundador assentava e assenta numa entidade física separadora e autónoma no homem. Este, como não se cansa de repetir o referido professor, é sempre intencionalidade, e o movimento impõe, natural e inelutavelmente, o pensar e a mente. O homem é, por conseguinte, o homem em movimento desde o seu nascimento até à morte. Este é o enquadramento da ruptura da motricidade humana que retoma de Gadamer a ideia de que “o jogo é a base da explicação ontológica”. E neste jogo, o desporto formal e informal é categoria maior.
Subsistem, todavia, entre nós, na Universidade, aliados ao pedagogismo científico dos cientistas educacionais, os “fundamentalistas” de uma educação física da qual o desporto está praticamente arredado. E alguns continuam nesse pretensiosismo “curricularista” a eximir a denominada “educação física” à efectiva direcção para o desporto ou para uma “educação desportiva” integralista do ser humano. Ora, é o desporto a “tecnologia” humana que faz a íntima relação entre o corpo e a mente, servindo ao homem na sua superação, na competição consigo e com os demais e no relacionamento social que implica regras de conduta estritas e a compreensão do outro. Porque o desporto, esse sim, tem de estar ao serviço de uma intenção reflectida do homem (de um pensamento de si e para si), do seu melhoramento físico e espiritual/mental em intimidade, e da própria sociedade em que se exprime como prática de muitos seres humanos em relação entre si em espaços específicos de prática desportiva.

Anónimo disse...

Julgo que esta temática merece uma discussão mais aprofundada em que eu tentei discutir opor uma antítese à tese de Manuel Sérgio, numa Comunicação por mim apresentada no 'IV Congresso de Educação Física e Ciências do Desporto dos Países de Língua Portuguesa" e "V Congresso da Sociedade Portuguesa de Educação Física", promovida pelo Curso de Licenciatura de Ciências do Desporto e de Educação Física, da Universidade de Coimbra, transcrita no meu artigo "Motricidade Humana: um novo paradigma para a Educação Física?"("Revista Horizonte", Vol. XVII,n. 99, pp.3-7). Termino o artigo da forma seguinte:"(...) tão-só, pretendi apresentar a minha discordância pessoal para com uma tese anunciada e defendida jubilosamente e em título de conferência, por Manuel Sérgio (cfr., "Motricidade Humana, uma nova ciência do homem”, ISEF, Serviços de Edição, Lisboa, 1987, p. 34) que entende a Educação Física como as areias movediças de uma pré-ciência e a Motricidade Humana como o piso firme de uma "ciência", assim como Marx entendeu como pré-história a história que antecedeu a Revolução de Outubro!" O início da minha conferência exprimia, precisamente, uma perspectiva global de "O homem esse desconhecido", apropriando-me do título do muito divulgado livro de Alex Carrel. Escrevi, então: "Somos personagens fugazes de uma Humanidade supersticiosa do seu fim no virar do segundo para o terceiro milénio da era de Cristo [recordo que estávamos em 1995], mas, paradoxalmente, preocupada com a explosão do Sol que astrónomos lhe anunciam para daqui a 4.500 milhões de anos! É esse um dos calcanhares de Aquiles da Ciência dos nossos dias: na ânsia de prever um futuro longínquo de quase uma eternidade, atrasa-se no conhecimento do que lhe está mais próximo e lhe dá a própria existência - o Homem. Mas. porque segundo Peter Medawar (Prémio Nobel, 1960) a Ciência não pode responder às questões últimas sobre o sentido da vida’, a Religião que se perde na imensidade de tempos idos, a Filosofia helénica que atravessou a bruma dos séculos, a Biologia hodierna, apenas com dois séculos de vida, porfiam, desesperadamente, em dar resposta, ‘de per se’ ou em conjunto, ao grande enigma do ‘animal racional’ de Lineu (1707-1778) que geneticistas nos dizem hoje diferenciar-se de um simples rato por ter uns tantos de genes a mais, em contradita com o fervor religioso do literata Chateaubriand quando escreve, em 1802: ‘Se nos é permitido dizer, é, parece-nos, uma grande pena encontrar o Homem mamífero classificado, depois do sistema de Lineu, como os macacos, os morcegos e os pássaros’”.É este, o homem que pensa, se movimenta, ri e chora, que não pode ser cortado em fatias, reprovado pelo gestaltismo que nos diz que o todo é maior que a soma das partes. É este, o homem que filosofa, se emociona, faz exercício físico durante o treino desportivo com finalidades de natureza, pedagógica ou de alto rendimento, ou, sequer, ainda como mera actividade lúdica, que eu desejo perspectivado, desde sempre, e que defendi numa conferência que proferi na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação de Coimbra, em Janeiro de1990, com o título “A unidade do homem através do acto motor”. Quando generalizo polemicamente a expressão “Educação Física” englobo nela o Desporto que dela se emancipou, quando despojado “de artefactos pedagógicos”, na feliz expressão de Jorge Bento, professor catedrático da Faculdade de Ciências do Desporto da Universidade do Porto (ex-Faculdade de Educação Física e Ciências do Desporto), como o acontecido com a Psicologia em relação à Filosofia, por exemplo. Mas será a chamada Educação Física um conjunto de conhecimentos e metodologias, socorrendo-me das belíssimas do poeta Reinaldo Ferreira (filho do conhecido Repórter X), “num voo cego a nada”, cujas ambições de cidadania feneceram na história das coisas desesperançadas? Estará a sua sobrevivência hipotecada à mudança do nome para Motricidade Humana, expressão alargada a actividades tão latas como a cirurgia, uma técnica, o futebol, um desporto, a pintura, uma arte, ou ao simples movimento fetal, o agitar de um ser em devir? E com isso, apagar as “impressões digitais” que ela vai deixando na memória dos homens e da própria sociedade? Em resumo, mesmo, se por hipótese, ultrapassada a divergência com o paradigma que se quer emergente, permanece a indiscutível a questão do nome de Educação Física que se fez património léxico do mundo hodierno sem perder o viço das folhas primaveris no Outono erosivo da linguagem do homem comum ou das instituições universitárias que se dedicam ao seu estudo nos quatro cantos do globo. E isto mesmo sem a intransigência dialogante de Robert Hind, professor universitário e membro da “Royal Society”, quando em discussão académica (1989) com George Miller, fundador do “Centro Cognitivo de Harvard”, lhe diz; “Não acredito em paradigmas que se desalojam uns aos outros, penso que é incomensurável o tempo perdido por pessoa que lutam umas contra as outras pela honra dos seus próprios paradigmas”. “Last but not least”, não é novidade nenhuma que o nome inicial de muitas ciências nada têm a ver com um passado que se quer bem para longe, mudando-lhe o nome. Assim, a Medicina, crença em amuletos e talismãs, a Psicologia, fenómenos da alma, a Economia, para Aristóteles, a simples arte do governo da casa, evoluíram para significantes bem mais abrangentes e complexos que em muito ampliaram , com a lupa do tempo, os seus acanhados significados sem qualquer recurso a uma ridícula cosmética ou a um grotesca plástica. É um facto que houve tentativas fracassadas, na vertigem da procura da novidade, como a de Cournot e Jevons, para substituir o nome de Economia Política por Crematística e do professor Macedo Pinto, da Universidade de Coimbra, para alterar o nome de Medicina Veterinária para Zooatria, por exemplo. No entanto, ciências há em que o nome que as referenciava foi caindo em desuso, como Cibernética, que para Platão significava a “arte de conduzir um navio” e para Ampere (1843) “o estudo dos meios de governo da sociedade. Coube a Wiener (1948) ir desencantá-la ao baú das coisas caídas em esquecimento para dar nome ao “antigo governo de uma máquina com certa autonomia e capacidade de iniciativa e sua aplicação ao estudo do sistema nervoso”. “O tempora! O mores”! O debate instalou-se e parece ter vindo para continuar. Na voz do povo, “há males que vêm por bem”! Assim, obrigo-me a agradecer, ao “filósofo anónimo”, o despoletar destas questões, embora um bichinho atrás da orelha me segrede que o não fez com boas intenções! Enfim, feitios…

Anónimo disse...

Como se pode deduzir, quando, a abrir o meu comentário anterior, escrevi: "Julgo que esta temática merece uma discussão mais aprofundada em que eu tentei discutir opor uma antítese à tese de Manuel Sérgio(...)", houve uma sobreposição de texto. A forma corrigida é esta:"Julgo que esta temática merece uma discussão mais aprofundada como aquela em que opus uma antítese à tese de Manuel Sérgio (...)

Anónimo disse...

nao nao nao mentira

Rui Baptista disse...

Honra minha desmerecida. Um ano e nove meses depois do meu último comentário ainda há quem se dê ao trabalho de escrever um comentário com 4 palavras...é obra!

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