Minha última crónica do "Público", ligeiramente editada:
Há quem pense que o sol do Verão amolece os miolos. Que, nesta época, todos nós ficamos cerebralmente limitados. E que as leituras de praia se devem, por isso, resumir ao jornal desportivo com as transferências de jogadores ou às revistas da cor do novo equipamento do Benfica. Ora é precisamente o contrário: sei de experiência feita que os dias longos das férias de Verão são perfeitos para o desenvolvimento do QI. Há muito tempo para pensar e há muitos livros que nos fazem pensar... Proponho por isso ao leitor que se disponha a confirmar esta minha experiência cerca de meia dúzia de títulos, todos em português, todos recentes, todos de não-ficção e todos recomendáveis para as horas ociosas do estio:
- Jorge Buescu, “O Fim do Mundo Está Próximo”, Gradiva. Não, não se trata do aquecimento global, de cuja origem antropogénica o autor duvida... Jorge Buescu, que escreve a melhor prosa de divulgação científica em português, apurou ainda mais o seu estilo inconfundível que já conhecíamos de dois livros anteriores, para glória e louvor da tão mal-amada matemática. É claro que, como o “eduquês” não gosta da matemática, Buescu detesta o “eduquês”: este livro é, além do mais, um libelo contra um sistema educativo letárgico onde três em cada quatro jovens reprovam no exame de Matemática do 9º ano. A qualidade da nossa democracia passsa também por enfrentar essa catástrofe.
- Richard Dawkins, "O Relojoeiro Cego", Gradiva (havia uma edição antiga das Edições 70). O famoso biólogo da Universidade de Oxford e autor do recente livro “The God Delusion” defende de um modo brilhante o ponto de vista de que a evolução é cega, não sendo por isso necessário invocar um criador que tudo vê e tudo muda. Os criacionistas, que nos Estados Unidos se têm revelado um perigo não só para a ciência como para a democracia e que já começam a ameaçar a Europa, encontram aqui uma obra que os reduz à sua insignificância intelectual.
- Reviel Netz e William Noel, “O Codex Arquimedes”, Edições 70. Este livro, ainda por publicar nos Estados Unidos, conta a empolgante saga de um palimpsesto da autoria do famoso sábio grego que, segundo a lenda, correu nu pelas ruas da cidade a gritar “Eureka!”. É um ensaio histórico-científico, mas lê-se como um “thriller”: um manuscrito muito raro, que chegou até nós por milagre, é decifrado usando a mais moderna tecnologia...
- José Reis, “Ensaios de Economia Impura”, Almedina. Um economista especialista em planeamento territorial e urbano reflecte sobre a sua ciência, à qual ele chama “impura”. Mas não há ciência "pura". O autor quer dizer que é uma ciência incerta, uma ciência que, para usar a expressão do escritor Amoz Oz, abarca “situações de final em aberto”. A ciência, habituada a fazer previsões, tem, no caso da economia, de se limitar a indicar propensões. Mas nem por isso deixa de ser ciência.
- Maria Antónia Oliveira, “Alexandre O’Neill. Uma Biografia Literária”, Dom Quixote. Um estudo bem documentado sobre o grande poeta português, boémio e mestre das palavras, que ironicamente se auto-intitulou “o caixa dòclos todo satisfeito”. Foi ele quem se insurgiu contra o nosso "modo funcionário de viver". E foi ele quem escreveu: “Colega, passe-me o quebra-palavras:/ encontrei uma que deve ter qualquer coisa lá dentro“. Pois as palavras de O’Neill têm sempre qualquer coisa lá dentro!
- Richard Dawkins, "O Relojoeiro Cego", Gradiva (havia uma edição antiga das Edições 70). O famoso biólogo da Universidade de Oxford e autor do recente livro “The God Delusion” defende de um modo brilhante o ponto de vista de que a evolução é cega, não sendo por isso necessário invocar um criador que tudo vê e tudo muda. Os criacionistas, que nos Estados Unidos se têm revelado um perigo não só para a ciência como para a democracia e que já começam a ameaçar a Europa, encontram aqui uma obra que os reduz à sua insignificância intelectual.
- Reviel Netz e William Noel, “O Codex Arquimedes”, Edições 70. Este livro, ainda por publicar nos Estados Unidos, conta a empolgante saga de um palimpsesto da autoria do famoso sábio grego que, segundo a lenda, correu nu pelas ruas da cidade a gritar “Eureka!”. É um ensaio histórico-científico, mas lê-se como um “thriller”: um manuscrito muito raro, que chegou até nós por milagre, é decifrado usando a mais moderna tecnologia...
- José Reis, “Ensaios de Economia Impura”, Almedina. Um economista especialista em planeamento territorial e urbano reflecte sobre a sua ciência, à qual ele chama “impura”. Mas não há ciência "pura". O autor quer dizer que é uma ciência incerta, uma ciência que, para usar a expressão do escritor Amoz Oz, abarca “situações de final em aberto”. A ciência, habituada a fazer previsões, tem, no caso da economia, de se limitar a indicar propensões. Mas nem por isso deixa de ser ciência.
- Maria Antónia Oliveira, “Alexandre O’Neill. Uma Biografia Literária”, Dom Quixote. Um estudo bem documentado sobre o grande poeta português, boémio e mestre das palavras, que ironicamente se auto-intitulou “o caixa dòclos todo satisfeito”. Foi ele quem se insurgiu contra o nosso "modo funcionário de viver". E foi ele quem escreveu: “Colega, passe-me o quebra-palavras:/ encontrei uma que deve ter qualquer coisa lá dentro“. Pois as palavras de O’Neill têm sempre qualquer coisa lá dentro!
12 comentários:
Há quem pense que os momentos de ócio são ponto de partida para esticar o corpo ao sol da praia sem nada fazer. Nada mais incorrecto. Por isso, só posso agradecer ao Prof. Carlos Fiolhais o conselho sobre os livros a ler durante as férias, com a promessa de ler parte deles.
Eu penso que entre esticar o corpo ao lado daquele belíssimo corpo estendido no areal ou encafuar-se na biblioteca a ler um paper sobre os últimos desenvolvimentos da mecânica quântica o Prof. Fiolhais não hesitaria um segundo em optar pela primeira hipótese, embora aconselhe aos seus leitores a segunda.
Porque há sempre a possibilidade de ler o paper noutra altura enquanto a oportunidade da foto só surge uma vez na vida. E como muito bem disse o Prof. Norberto Pires no post anterior:
"Inovar é mexer. Mexer em todos os sentidos.(...). É perceber porque mexer para o lado direito funciona, mas perguntar de imediato “e se for para o lado esquerdo?”, e “se for três vezes para a esquerda, duas para a direita?”, e “se abanar?”... “e se... humm!”.
Eu tenho a certeza que o Prof. Carlos Fiolhais é um adepto convicto do inovar.
Numa qualquer praia lusitana onde haja estrangeiros, repare-se que mais de metade deles está a ler livros (ou tem-nos ao lado).
Repare-se, depois, nos portugueses:
Raríssimo é o que está a ler um livro. Dos outros, e dos poucos que lêem alguma coisa, estão com revistas de fofocas (elas) ou com jornais "desportivos" (eles)...
Nem sempre há a sorte de se ter ao lado uma brasa daquelas. A "brasa" chega-nos em cima e ao lado quando o sol cai sobre nós: entre a utopia da brasa (sem aspas), opto pela ralidade da leitura de um bom livro recomendado por quem sabe da poda!
Claro está que onde escrevi "ralidade" queria escrever REALIDADE.
Praias lusitanas?! Para quê? Ontem, quando regressava do Fórum Coimbra, depois de ter ido comprar uns livritos à FNAC, tive o grato prazer de me deparar com uma cena para mim inédita, em Portugal. Logo por detrás da bomba de gasolina que ladeia a entrada do Fórum situada no topo da colina, há uma espécie de descampado, porém muito bonito, com arvoredo meio selvagem, mas verdinho. O multibanco estava lento, porque havia muitos cartazes a anunciar «a gasolina mais barata da região», e por isso havia bichas de automóveis, o que me deu algum tempo para olhar em volta, centrando a minha atenção na paisagem «não humanizada», enquanto chegava a nossa vez. Pois qual não é o meu espanto quando, um pouco mais adiante, nesse mesmo «descampado» (em rigor, não percebo a lógica deste termo português!), vislumbro umas pernas de mulher deitada ao sol. Longas, serenas, a descoberto. Havia uma brisa fresca a roçar-lhe pelas carnes, mas o extraordinário é que ela tinha um livro na mão. Devia ter acabado de sair da FNAC, e o entusiasmo com o livro terá sido tanto que nem esperou mais tempo: ficou logo por ali, a curtir o sol, a frescura da brisa e esse subtilíssimo prazer que são as letras. Cenas como esta dão-me alguma esperança, apesar de tudo.
Adelaide Chichorro Ferreira
Uma lufada de bom gosto e bom senso pela escrita literária, se depreende do texto de Adelaide Chichorro Ferreira: demonstra que se pode escrever pouco e bem (muito bem) na defesa de uma causa que nos toca a alma. Prosas como esta dão-me esperança, apesar de tudo. E servem-me para me castigar da forma ligeira como redigi o meu comentário anterior.
Adelaide
Por acaso não viu por perto um senhor forte, com óculos graduados, de calções e t-shirt, binóculos a tiracolo, livro da colecção vampiro no bolso, a olhar embevecido para essa musa da leitura?
1. Tá bem, tá bem, mas a cena é verídica, e descrevi-a tal e qual. Há uma frase no meu texto que está porventura mal escrita. Leia-se antes: «as pernas duma mulher deitada ao sol».
2. Quando o dito senhor de calções e t-shirt, com a linguita de fora, conseguiu finalmente focar certeiramente os binóculos no título que a moça segurava nas mãos, decidiu oferecer apressadamente o livro da colecção vampiro à menina da caixa multibanco, e fugiu para bem longe a toda a velocidade, com os óculos escuros embaciados devido ao suor que subitamente lhe começou a jorrar pela testa abaixo.
Enquanto isso, a mocinha das pernas ao sol continuava profundamente embrenhada no novo livro do Richard Dawkins, acerca do Big Bang. Um que o biólogo ainda não escreveu, mas como as letras permitem estas viagens no tempo... nunca se sabe!
Adelaide Chichorro Ferreira
Não, não se trata do aquecimento global, de cuja origem antropogénica o autor duvida...
Não passará desapercebido a quem siga este blog com alguma regularidade que não só o autor de "O Fim do Mundo Está Próximo", Jorge Buescu, mas também o autor deste post, Carlos Fiolhais, duvidam (no mínimo) do aquecimento global antropogénico .
O que me parece notável — e não inocente — é que este último, ao recomendar pedagogicamente livros sobre ciência para o povão ler nas férias, comece com um que na matéria — ao que sugere a fina ironia que utiliza, pois desconheço a obra — desafia o absoluto consenso científico de que o aquecimento gloibal é de facto antropogénico…
Por outras palavras, é a opinião destes dois alegados distintos paladinos da ciência lusitanos contra a das Academias das Ciências dos Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Alemanha, França, Itália, Rússia, Canadá, África do Sul, Brasil, China, México e Índia… para não falar da Union of Concerned Scientists, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC), American Association for the Advancement of Science (AAAS), American Meteorological Society (AMS), National Research Council, Canadian Meteorological and Oceanographic Society (CMOS),.National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), American Geophysical Union, American Chemical Society, American Association of State Climatologists, World Meteorological Organization, United Nations Environment Program, American Astronomical Society, etc, etc.… (fonte: http://www.logicalscience.com/consensus/consensus.htm)
Cada um é livre de ter a sua opinião — e assim, não me levem a mal se na matéria eu não alinhar com os srs. Buescu e Fiolhais. Para mim, a questão do aquecimento global antropogénico é séria demais para andarmos a brincar aos hereges…E, pelo andar da carruagem, um dia destes veremos o próprio Desidério Murcho a duvidar de que a Terra é redonda, tão forte é neste blog o espírito "à Galileu" de estar contra a ortodoxia…
(Abaixo uma versão «barbeada» do ponto 2. acima, sem os irritantes advérbios de modo)
«2. Quando o dito senhor de calções e t-shirt, com a linguita de fora, conseguiu focar os binóculos no título que a moça segurava nas mãos, decidiu oferecer o livro da colecção vampiro à menina da caixa multibanco, e fugiu para bem longe a toda a velocidade, com os óculos escuros embaciados devido ao suor que lhe começou a jorrar pela testa abaixo.
Enquanto isso, a mocinha das pernas ao sol continuava embrenhada no novo livro do Richard Dawkins acerca do Big Bang. Um que o biólogo ainda não escreveu, mas como as letras permitem estas viagens no tempo... nunca se sabe!»
Adelaide Chichorro Ferreira
Quase me arrependo de ter escrito o que escrevi acima, acerca dos prazeres da leitura! Fi-lo num período em que não vi televisão, e em que me recolhi para ver um pouco de cinema, ouvir música clássica, retomar umas leituras, estar com a família.
Não me apercebi da dimensão do que se passou este fim-de-semana com as cheias em Inglaterra, a não ser agora (2ª feira), em que acabo de ligar um pouco para a skynews. É terrível, de facto, e continua a chover intensamente nas zonas afectadas. Percebo agora melhor o contexto do comentário de Zeca Diabo (ver acima), que aparentemente tinha pouco a ver com os restantes. As questões energética e do abastecimento de água são importantes. E parece que em Barcelona houve hoje um apagão, por causas desconhecidas, na sequência de dois incêndios em transformadores eléctricos. Terá isto a ver (indirectamente, claro...) com o desligar duma central eléctrica em Inglaterra por causa das cheias? Eis uma pergunta que se me coloca inevitavelmente. E se calhar eu não devia sequer formulá-la, como leiga que sou nestas temáticas.
Nestas alturas é preciso que os serviços de emergência e a solidariedade humana funcionem. Sem voyeurismos, e com a serenidade que se impõe, para a qual todos nós devemos contribuir o melhor que soubermos, também com aquilo que dizemos ou evitamos dizer. Há soluções para os problemas energéticos e de abastecimento de água. Não há tanto para os riscos induzidos pelo pânico e desorganização, em consequência de catástrofes súbitas. A solidariedade humana é uma herança cultural de que, particularmente nestas alturas, não se deve abdicar. Não interessa quem ganha uma discussão: interessa salvar as gentes das zonas afectadas, e reconstruir o melhor possível, com requisitos ambientais correctos, o que as águas destruíram. Nunca como agora a questão dos novos paradigmas culturais (e tecnológicos) adquire pertinência. Na sequência desta catástrofe, a Inglaterra não vai poder fazer «mais do mesmo», no que toca ao clima. É importante estar atento também ao período pós-crise.
Se a ciência é demasiado complexa para ser deixada apenas aos cientistas, não menos verdade é que são eles (eu seguramente que não sou perita nisso!) que detêm o saber técnico que permite gerir o melhor possível situações de crise. É também necessário reconhecer que eles raramente têm culpa do que a economia faz das suas invenções. Aliás, perder demasiado tempo com considerações sobre a culpa antropogénica de tais catástrofes é, a meu ver, desnecessário.
É mais urgente que a informação possa fluir de forma racional e clara, incitando a que as pessoas saibam, e consigam, entreajudar-se da melhor forma.
Adelaide Chichorro Ferreira
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