A primeira instituição de história natural no Brasil, o Horto Botânico Real, hoje Jardim Botânico do Rio de Janeiro, foi criada em 1808 por D. João VI que se refugiara no Brasil um ano antes para fugir às invasões napoleónicas.
Quando em 1817, o herdeiro do trono português, mais tarde Pedro I do Brasil, se casou com Leopoldina da casa Habsburg, esta incluiu cientistas e artistas no séquito que a acompanhou até ao Rio de Janeiro. Entre estes acompanhantes destacam-se o botânico Carl Friedrich von Martius e o zoólogo Baptist von Spix. Um ano depois do casamento real, foi fundado, igualmente no Rio de Janeiro, o Museu Nacional, na época denominado Museu Imperial, que tinha como objectivo propagar o conhecimento e promover os estudos de Ciências Naturais
Antes da formalização do estudo da História Natural do Brasil esta tinha sido efectuada por Pero Vaz de Caminha na sua carta descritiva da nova terra e mais tarde pelas narrativas dos jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta.
Foram holandeses, 150 anos antes das expedições de Alexander von Humboldt pela América Latina e da sua obra «Voyages aux régions équinoxiales du Nouveau Continent», os autores de um estudo científico pioneiro da História natural e científica do Brasil. Em 1637 chega à colónia holandesa «Nieuw-Holland», no nordeste do Brasil, o conde (depois principe) Johann Moritz zu Nassau-Siegen, conhecido como João Maurício de Nassau, nomeado governador-geral do Brasil holandês. Como Leopoldina uns séculos depois, Maurício de Nassau deslocou-se para o Brasil com uma comitiva de pintores, artistas e cientistas. Entre estes incluiam-se o seu médico, Willem Pies (Piso ou Pison como se lhe refere Humboldt), considerado o fundador da medicina tropical, e Georg Markgraf, o astrónomo que fundou na cidade do Recife o primeiro Observatório Astronómico das Américas, reconhecido no século XIX por Martius como o pai da História Natural brasileira.
Estes naturalistas protagonizariam em 1638 a primeira expedição científica no Brasil, incluindo à Amazónia, que teve como fruto a extraordinária compilação intitulada Historiae Rerum Naturalium Brasiliae, publicada dez anos depois por Johann de Laet, em Amsterdão. Wilhelm Piso, que estudou os efeitos do clima tropical para a saúde tanto dos indígenas quanto dos europeus e analisou as propriedades das plantas autóctones medicinais, não apreciou os erros contidos na compilação de Laet e publicou em 1658 uma versão com o título De Indiae Utriusque re naturali et medica libri quatuordecim. Esta versão foi posteirormente resumida como «Oost- en Westindische Waarande» e funcionou, desde 1694, como um manual de doenças tropicais.
Outro naturalista holandês, naturalizado brasileiro em 1997, Marc Van Roosmalen, mereceu igualmente as atenções internacionais pelo seu trabalho, científico e em defesa da Amazónia, sendo nomeado um dos heróis do planeta pela revista Time em 2000. Na sua entrevista à Time, o cientista avisou que era necessário tomar medidas para proteger a Amazónia dos madeireiros e plantadores de soja caso contrário «a floresta tropical será destruída mesmo antes de nós sabermos que plantas e animais lá existem».
Aparentemente, como foi referido pelo Guardian e muitas outras fontes, o primatólogo chamou igualmente as atenções daqueles que criticou, que teriam urdido uma vendetta, concretizada dia 8 de Junho. Como afirma Bert de Boer, director do Apenheul, uma organização de conservação da Natureza holandesa, Van Roosmalen, que fundou em 1999 a Associação Amazónica para Preservação de Áreas de Alta Biodiversidade, é «Um grande defensor da natureza e muito apaixonado em relação a isso. O que é algo acerca do qual se tem de ser muito cauteloso no Brasil», acrescentando que suspeita que as grandes empresas com interesses na região tenham subornado o governo local para calar o mui vocal biólogo.
O naturalista foi condenado há um mês a uma pena de 14 anos de prisão, por dar abrigo em sua casa a 28 macacos orfãos, sem autorização do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), autorização que ele pedira anos antes e pensava ser automática mas ficara retida nas malhas burocráticas brasileiras.
Assim, o anterior herói do planeta que descobriu, para além de outras espécies de mamíferos terrestres, cerca de 20 novas espécies de primatas, os sauá Callicebus bernhardi e Callicebus stephennashi, por exemplo, foi condenado por biopirataria pela Justiça Federal a uma pena sem paralelo, cumprida na prisão Raimundo Vidal Pessoa em Manaus, onde ocorre pelo menos um assassínio por noite.
O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ennio Candotti, aproveitou para protestar o sucedido na abertura da 59ª Reunião Anual desta sociedade. A sua intervenção merece ser lida na íntegra, mas saliento o seguinte parágrafo:
«Van Roosmalen é um cientista, que, por sua obra, merece o nosso respeito e a nossa defesa. A alegada desobediência burocrática não justifica a pena. Não há noticia de penas semelhantes aplicadas a burocratas que nunca respondem aos pedidos de autorização: formal e pacientemente solicitados por pesquisadores».
O Brasil abriga a mais diversificada e a menos conhecida flora e fauna do mundo, de importância ignorada e incalculável, que se perde a um ritmo acelerado, especialmente pela acção dos madeireiros, criadores de gado e plantadores de soja (e, contrariamente ao que afirmou o presidente Lula da Silva na recente Conferência Internacional de Biocombustíveis, cana do açúcar). Urge defender este património de depredações sortidas mas não creio que a prisão de Roosmalen configure uma medida neste sentido.
O advogado de Roosmalen está a preparar um apelo da sentença, que indigna cientistas no Brasil e um pouco por todo o mundo. Aparentemente a WWF, que está a investigar o assunto, espera apoio a nível mundial. Este site holandês pede que não sejam iniciadas petições em seu nome, para que não interfiram no processo judicial em curso. De qualquer forma, considero que a notícia deveria ter uma divulgação, que, tanto quanto me apercebi, não mereceu ainda nos media nacionais!
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17 comentários:
Cumprimento Palmira F. da Siva pela divulgação deste caso, que nos deve indignar a todos. De facto tem contornos inacreditáveis. Mas no contexto actual das novas predações, em que o Brasil promete, nada me admira. E no que toca a silêncios convenientes para salvaguarda de interesses económicos, o panorama é mesmo preocupante.
Caramba...Ainda bem que há quem não se cale. Como é possível haver tanto silêncio sobre este caso?
Estarei a confundir, ou o Sr. Aníbal condecorou no 10 de Junho um empresário português que prosperou no Brasil com o negócio das madeiras?
Hmm... devo ter ouvido mal a locução. E mesmo que tivesse sido, o nosso herói por certo terá cumprido escrupulosamente as boas práticas ambientais. Pelo menos é assim que os nossos madeireiros aprendem a trabalhar.
Argolada. Fui confirmar o nome do homem e aparece sempre associado a desenvolvimento sustentado... as minhas desculpas se for esse o caso.
A minha total solidariedade, à falta de algo mais consequente.
Luís Azevedo Rodrigues
"In 2002, the Dutch scientist turned Brazilian citizen was charged with animal trafficking and fined $1,667. At the time, Van Roosmalen told the Associated Press that the accusations were questionable since the animals were rescued from loggers who planned to eat the animals. "
"A slow approvals process--for permits ranging from scientific research to development--has been blamed for fueling endemic corruption. Scientists often complain that the process of obtaining official permission can drag out for months to years without "special payments."
In the 2002 case, Van Roosmalen told the Associated Press that he applied for permissions from Ibama in 1996, 1998 and 2000 but never heard back. The A.P. noted that it permissions are generally granted by default if Ibama, Brazil's environmental enforcement agency, does not respond within 45 days. "
sou um poucochinho céptica em relação à justiça brasileira, vou tentar descobrir petições para assinar e cartas para mandar. Na esperança que se consiga fazer alguma coisa antes de os madeireiros conseguirem assassinar Roosmalen na prisão.
Se o fizeram a Chico Mendes e àquela freira portuguesa há uns tempos cá fora, lá dentro é facilimo.
Obrigado Palmira por denunciar este caso escabroso!
Valia a pena, tentar convencer os dirigentes dos clubes de futebol, a manifestarem interesse no holandês para a próxima época (eles alinham em tanta coisa).
Era ver os jornalistas acampados à porta da tal prisão.
guida martins
Palmira, congratulo-te por teres denunciado/trazido este caso à estampa. Talvez fosse útil, perante a referida indiferença dos media, fazermos FW do teu post para os nossos amigos e conhecidos. Acredito que produzirá resultados positivos, como desejamos. Eu já comecei.
M Elvira Callapez
Engracado, se ele tivesse assassinado uma pessoa em Portugal talvez nao apanhasse tantos anos de cadeia... :-)
Na sequência do email que espalhei sobre este caso, entre os meus contactos, já recebi, da Holanda, esta reacção: "...I recently saw a very nice film on Marc Van Roosmalen on TV. Very interesting!
I knew that he is now in prison. It was on TV and in the newspapers. Of course, it is extremely injust & therefore every action against this is fully appropriate. ...". A seguir ...
Maria Elvira Callapez
Uma situação deveras desoladora. Quem tenta mudar o "status quo" acaba numa prisão! Obrigada por fazer transbordar a informção para o espaço "media" português! Já agora uma nota, Van Roosmalen e não Von a julgar por http://www.helpmarcvanroosmalen.nl/.
Marina
OOps
Claro que é van Roosmalen, já emendei a gralha. Obrigado Marina. E obrigado a todos pelas palavras; quando um amigo me enviou a notícia a minha reacção foi a mesma: como é possível que isto possa acontecer? E que não tenha existido duvulgação da notícia...
Não é que isto sirva de alguma coisa, mas depois de ler este post enviei um email ao Senhor Embaixador do Brasil em Portugal a lembrar-lhe que Van Roosmalen não está esquecido, e que se for assassinado na prisão o mundo inteiro saberá quem o condenou à morte. Pedi-lhe ainda que transmitisse esta mensagem ao senhor Presidente Luís Inácio da Silva.
Claro que não recebi resposta nenhuma, nem conto receber, mas mesmo que o que fazemos não sirva para nada temos que fazer alguma coisa.
Vocês são loucos???
Esse cara captura animais de modo ilegal pra promover seu próprio nome cientificamente e vocês ainda tem a cara de pau de defendê-lo. E trabalhei de forma indireta com ele e posso garantir que é um pseudo - cientista querendo promover seu próprio nome
OK, tudo bem. Eu até posso achar que o senhor Marc Van Roosmalen é um tipo com boas intenções e, no meu íntimo, gostar de saber que existe alguém assim. Mas eu não consigo ter uma uma visão opaca sobre este caso. Primeiro porque não acredito em heróis. Segundo porque não conheço o senhor de lado nenhum. Terceiro porque não acredito em tudo o que me dizem. Quarto porque continuo ainda a achar que a forma mais eficaz de mudar passa por uma atitute reformista. Não nutro qualquer simpatia pelos fundamentalistas pois sei muito bem, extremamente bem, de que massa são feitos embora tenha sempre algumas dúvidas sobre as suas reais intenções. Pode ser até que o que se está a passar com o senhor Marc Van Roosmalen seja injusto do ponto de vista do "espectador-indignado-com-as-injustiças-do-mundo" (que são bem mais e muito mais graves do que esta). Mas daí até achar-se que um "herói" é ao mesmo tempo um intocável à luz daquilo que achamos ser "justo" ou "injusto" é que me parece demais. Aliás, foi precisamente com esse estatuto conferido pelas gentes que se julgavam OS JUSTOS, possuidores de uma só verdade, que muitos heróis gozaram desse estatuto para praticar o crime. Afinal, a lei é para todos ou não? Ou os "heróis" merecem um tratamento especial? A justiça brasileira fez o seu trabalho. Não deve ser atacada por ter agido. Esta questão deve ser recentrada no plano político. Isso sim faz sentido. Infelizmente, parece que fazer de um tema o tema da actualidade mundial fica muito caro (vejam o caso de Al Goore de quem, digo-o com todas as letras, duvido das suas intenções, sobretudo por o achar demasiado caro, demasiado banal, demasiado preocupado em fazer questão que os seus filmes e os seus livros tenham impresso o seu nome em tamanho mais que o título, ao fim e ao cabo, demasiado maquiavélico). Todos sabemos já há muito tempo o que se passa com a Amazónia. Apesar de sentados confortavelmente nos nossos sofás, nos nossos gabinetes, nos nossos carros, há coisas, muitas coisas que podemos fazer. Primeiro, conhecer a realidade. E depois, por exemplo, pressionar a embaixada brasileira em Portugal, não comprar móveis feitos de madeira vinda do Brasil, não comer carne de animais que são produzidos no Brasil, etc. Isto sim é fazer alguma coisa (nós, e não esperar que os outros façam para depois nos indignarmos com as "injustiças") para que as coisas possam lenta e gradualmente ir mudando. Tudo isto é legítimo e legal. Como vêem, podemos fazer muita coisa para salvar a Amazónia dos nossos actos predatórios. Agora, caçar bruxas é que não.
Esse tal Ricardo S. Reis dos Santos é um tagarela metido a crítico. Não tem a menor idéia (e não ideia) do que realmente se passa nas terras do além mar, onde a corrupção grassa (muito por infuência do caráter lusitano!)
Usa a tática de confundir, pondo-se no pedestal, defendendo um dos lados e defendendo também o outro. No fundo não fala nada, como todos os fundamentalistas enrustidos!
Finalizando (que não se deve gastar tantas palavras para casos assim), certamente diria um representante do Império: Oh Ricardinho! saia do armário!
Esse caso é controverso... muitos de vocês aproveitam a ocasião para derramar uma xenófobia desnecessaria..
A justiça brasileira pode ser omissa ou falha com o dito "ladrão de galinhas", mas trata com enorme benevolência e possibilidades de recurso o "calibre grosso". Os portugueses sabem disso, pois eh para cá que correm quando a situação aperta...
Esse senhor está associado a muita sujeira, lavagem de dinheiro, apropriação de território indígena e, finalmente biopirataria. Tem um nome na ciência mas não parece ser a ovelha que é pintado aqui.
Oxalá a verdade venha a tona. Cuidado para não serem bois de piranha.
Por fim, é Óbvio, que uma carta encaminhada ao nosso Consulado, como diz o senhor acima, em respeito aos cidadãos do Brasil, têm mesmo que ser jogada no lixo. caso contrário, protesto eu.
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