sexta-feira, 6 de julho de 2007

A má fortuna dos claustros universitários

Como não há uma sem duas, novo post convidado de Rui Baptista, autor de crónicas semanais (à quinta-feira) sobre educação no "Primeiro de Janeiro":

Tenho medo das pessoas que acham que podem, da noite para o dia, agarrar a sociedade, torcer-lhe o pescoço e fazer uma nova.” (Fernand Brandel)

Começa a ser deveras preocupante e muito complicado acompanhar o dia-a-dia de uma crise que se instalou, de armas e bagagens, no ensino superior nacional com soluções para as calendas gregas ou, em contrapartida, tão rápidas que pecam por não serem meditadas nas suas verdadeiras implicações.

Como escreveu um poeta da pátria de Racine, “com ratos em cima do telhado e pássaros na cave”, em nome de “direitos adquiridos” é dada generosa guarida a situações escandalosas, nadas e criadas em conturbados períodos de desvario revolucionário ou em suas sequelas, em defesa dos quais logo acorre belicosa a guarda pretoriana encarregada de proteger fortes lóbis ao serviço de interesses bastardos dos seus beneficiários.
Do atrito que emperra a máquina do Estado, os problemas que se passam no ensino superior não público e diplomas por si outorgados (em que a Universidade Católica, por exemplo, é excepção) com avanços, recuos ou simples marcar passo na respectiva solução. Desnecessário nos parece apresentar casos concretos que se tornaram públicos, através das páginas dos jornais e écrãs de televisão. Outro exemplo da acefalia ou falta de visão de alguns governantes reside na autorização de funcionamento de cursos superiores a simples pedido ou exigência de populações de grandes, médios ou até pequenos burgos com o poder reivindicativo que lhes advêm de serem berço de nascimento de personagens ilustres com assento parlamentar ou em elevadas cargos. “Last but not least”, outro caso que dá que pensar fixa-se na confusão normativa que se instalou nas subtis diferenças entre os ensinos universitário e politécnico em que o legislador, em textos de linguagem prolixa, mal formulada e mal redigida, parece ter pensado o que não escreveu ou ter escrito o que não pensou. Esta falta de clareza, intencional ou não, traz à memória a história contada pelo romancista espanhol Pio Baroja de um ministro seu compatriota que virando-se para o seu secretário o adverte: “Senhor Rodriguez, veja lá se a lei está redigida com a suficiente confusão!”

Pela actualidade da nova proposta de lei do Ensino Superior, que tanta tinta já fez correr e, porventura, fará ainda mais, debrucemo-nos agora sobre acontecimentos em que se revigoram as críticas de discentes das universidades públicas perante a má fortuna que se pode abater sobre as actuais e vindouras gerações de estudantes, reagindo publicamente a um modelo de gestão escolar que lhes diminui o poder de representação e decisão escolar. Em outra barricada, a luta dos docentes universitários desfralda a bandeira da ameaça que paira sobre a coesão das faculdades relativamente à sua matriz e dela fazem clarim da revolta. Numa das suas objecções a esta lei o constitucionalista Jorge Miranda declara: “A possibilidade de uma instituição dentro de uma universidade, por exemplo o Instituto Superior Técnico, se transformar numa fundação, faz com que as faculdades que, virtualmente, têm maior projecção ou sejam mais ricas possam deixar as universidades, originando o seu desmembramento” (Revista “Sábado”, n.º 165 – 28 de Junho a 4 de Julho de 2007) .

Tempos atrás, em antecipação ao futuro, escrevemos: “Assiste-se a um certo desencanto pela sombra tutelar da universidade, a ponto de se ouvir que o Instituto Superior Técnico (IST) tem manifestado a vontade de se tornar uma escola independente da Universidade Técnica de Lisboa. Pensamos que essa intenção se manifesta nos anúncios que faz publicar na imprensa apresentando-se como IST, ‘tout court’. Em contrapartida, todos os outros institutos superiores ou faculdades desta universidade, antecedem à respectiva designação o nome da instituição universitária a que pertencem”(“Diário de Coimbra”, 13 de Novembro de 2004). Desta forma, a nova lei do Ensino Superior corporiza uma ambição antiga do IST que Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e seu professor catedrático, aproveita para apadrinhar na pia baptismal da Assembleia da República sem a água benta das bancadas da oposição.

Bem mais venturoso seria este país, afogado em vagas de textos de natureza jurídica, se os verdadeiros responsáveis por este “statu quo” dedicassem o tempo necessário, que se não compadece em atar leis e pô-las ao fumeiro parlamentar, a reflectirem sobre este excerto de prosa de Mario Perniola, professor de Estética da Universidade de Roma: “Os fautores da tradição que apelam para os valores, para o classicismo, para o cânon, são postos fora de jogo por esses funâmbulos, esses equilibristas, esses acrobatas, que também querem ser eternizados no bronze e no mármore”.

E porque “nas costas dos outros lemos as nossas”, conveniente será para o país que os claustros universitários se não deixem levar pelo canto de sereia que, através do “reducionismo às técnicas pedagógicas” (na feliz expressão de Schulman), atraiu a seus escolhos os ensinos básico e secundário. Aliás, facto fortemente criticado pelo académico Carlos Fiolhais, quando escreve que“ Wilson [Edward Wilson, no seu livro “Consilience – The Unity of Knowledge",1998], defende a actualidade nos dias de hoje desse sonho iluminista (o título ‘consiliência’ designa precisamente a desejável união das ciências), em contraste nítido com as ideias românticas, relativistas ou pós-modernas que ignoram ou desprezam o valor da ciência”.

Assim, não podemos deixar de temer que um exagerado centralismo na “arte de ensinar”, na ainda experimental implementação do Processo de Bolonha em território nacional, traga consigo resultados mais ou menos negativos para a ciência e investigação científica indígenas. Razão mais que suficiente para que o reduto do conhecimento universal tome medidas contra ventos ciclónicos que sopram de países anglo-saxónicos na direcção de uma mudança brusca, radical e desadaptada a paradigmas nacionais de ensino superior. Podendo, com isso, abalar seriamente os sólidos caboucos multisseculares culturais, humanísticos e científicos da Universidade Portuguesa.

Rui Baptista
ruivbaptista@sapo.pt

5 comentários:

Anónimo disse...

O Técnico como escola integrada na UTL cresceu durante as décadas de oitenta e noventa do século passado de cerca de 300 para mais de 1000 docentes. Isto enquanto as restantes Escolas da Universidade iam crescendo ligeiramente na medida do aumento comportável dos seus respectivos “numerus clausus” (havia limitações legais ao crescimento dos docente que se relacionavam aos respectivos números de alunos). Aconteceu que o IST cresceu para mais de 10000 alunos e a segunda Escola da UTL tem cerca de metade dessa dimensão (e é o ISEG).
Esta pretensão de o IST sair da UTL nem sequer é nova e nos anos noventa só não se consumou por apenas alguns votos internos. E agora que os intérpretes no poder político e no IST têm afinidades que vão para além das académicas, reaparece este intuito “cessacionista” numa Universidade em que o IST sempre teve 40% do Senado da Universidade (esse já foi o compromisso inicial dos anos oitenta da autonomia universitária). Acontece também que o IST sempre ganhou pouco da sua presença no interior da UTL, Universidade que nunca conseguiu federar os interesses das suas Escolas num verdadeiro projecto de Universidade. E os dois anteriores Reitores, um do ISEG e outro do próprio IST que acaba de sair falharam nessa federação e na constituição de um centro reitoral capacitado e com estratégia e práticas consequentes para tal “empresa”.
O modelo que serviu de referência desde aquelas décadas ao IST foi o Imperial College que agora ele próprio se “cessionou” da Universidade de Londres. E não esqueço que o IST pode vir a constituir uma óbvia parceria estratégica com o ISCTE, escola que hoje tem grande dinâmica e dimensão apreciável (7500 a caminho de 10000 alunos nos próximos 3 anos). Isto porque no início dos anos oitenta o então Reitor da UTL, Professor Arantes e Oliveira, quis integrar o ISCTE na UTL e só não o concretizou porque teve a oposição do ISEG e d ISCSP. E esse foi, em meu modesto entender tendo acompanhado o histórico de perto, o único Reitor desde 1980 a ter uma visão federadora da UTL.
Um final é o de que o recentemente empossado Reitor da UTL é também, uma vez mais, professor do IST e acaba de ser apanhado em contra-mão por interesses óbvios conjugados académicos e políticos do poder ministerial e de governo do IST presentemente em acção. Porque até há menos de 6 messes o IST estava indiferentemente na UTL. Donde se pode concluir…?

Anónimo disse...

Este comentário de J. Pinto Coreia, ao meu artigo, vem aprofundar as raízes de um possível "Grito do Ipiranga" do IST no intuto de se tornar independente da Universidade Técnica de Lisboa. E que, segundo ele, remonta aos anos noventa. Aliás à referência já feita por mim sobre este assunto ("Diário de Coimbra", 13.Nov.2004), acrescento uma outra anterior (4.Março.2003): "Neste Portugal pós-moderno (se me é permitida a adjectivação), assiste-se a um certo desencanto pela sombra tutelar da Universidade portuguesa, a ponto de se ouvir para aí que o IST, escola de proa no ensino da Engenharia, aquém e além-fronteiras, tem manifestado vontade de se tornar numa escola independente" (id.ibid.).Ou seja: temos aqui duas realidades: uma intramuros (relatada por J. Pinto Correia), outra que saltou esses muros de uma forma subtil que se descortinava, apenas, pelos anúncios que o IST fazia publicar na imprensa e em que não era referida a sua matriz (por mim relatada). Fica a ganhar o leitor com estes dois esclarecimentos que se completam como irmãos siameses. E que julgo poderem justificar a minha presença: aqui e agora.

Anónimo disse...

Agradeço o favor com que recebeu o meu contributo.
Permito-me acrescentar a perfeita insuficiência de pensar a Universidade em Portugal bem expressa no facto de só existir um Centro de Estudos dedicado a essa temática. E essa incapacidade é bem expressa no próprio Conselho de Reitores (o CRUP) que apenas produziu um texto menor e quase analfabeto sobre o tema do papel da Universidade entre nós. Esse texto que já tem anos (penso) continua ainda no site do CRUP e patenteia a mediania inaceitável dessa reflexão feita pelo órgão máximo das Universidades Portuguesas. O próprio Centro de Estudos português que existe é tributário dum Centro Holandês, o "CHEPS - Center for Higher Education Policy Studies", que há quase 20 anos foi criado num também pequeno país e que é hoje um Centro de conhecimento referencial no Mundo. Bastará visitar o seu site em "CHEPS2 para rapidamente se comparar a distância abissal - e tem investigadores doutorados ou a doutorar-se na temática provenientes de todo o Mundo. E acresce que desde sempre a ele esteve ligado uma "eminência portuguesa" que teve papel relevantíssimo no governo do sistema universitário nacional nos anos 80 e 90 do século passado e nunca foi para além dessa modestididae e irrelevância nacional nesse pensamento (estratégico) sobre o ensino universitário.
Somos de outro planeta, onde aterram os alienígenas e estrangeirados, grandes reformadores, que de uma penada, ouvindo alguns oráculos do templo e do além, desatam a revolucionar tudo e todos. "Parece que" quem finge ter um olho e é dono do poder faz o que e como quer, obviamente. E nós veneradores e obrigados...!

P.S.:Peço que continue nesta senda de reflexão. Haja quem...!

Anónimo disse...

Os mais ilustres arautos do conhecimento da nação também se distraem uns poucachinhos...

Felizmente:-) neste meios (ao contrário de outros meandros da sociedade portuguesa) não podemos culpar os corporativismos, companheirismos, compadrios e que tais como responsáveis da indigência do saber e da desadequação do seu produto ao mercado.

Mas que essa indigência e a desadequação se vêem a olho nú por aí, vêem!

Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Quem fala por enigmas é enigmático
O anónimo Artur Figueriredo fala por enigmas como a esfinge
Logo o anónimo Artur Figueiredo é enigmático como a esfinge.

TODA A GLÓRIA É EFÉMERA

Quando os generais romanos ganhavam uma guerra dura e bem combatida, davam-lhes um cortejo e rumavam ao centro de uma Roma agradecida. ...