quinta-feira, 12 de julho de 2007

O REINO DE PORTUGAL EM 1766


Acaba de sair do prelo da Caleidoscópio, e pela primeira vez na nossa língua, o livro com o título acima da autoria de Charles Dumouriez (1739-1823), um espião francês ao serviço de Luís XV que morreu no exílio em Inglaterra (para onde fugiu depois darevolução Francesa devido a acusações de traição). Conforme o historiador António Ventura diz na introdução, foi um "livros sobre Portugal escritos por estrangeiros mais popular durante o século XVIII".

Uma das secções mais bem nutridas da minha bibblioteca pessoal é formada por obras, como esta, de estrangeiros sobre Portugal. O olhar dos outros sobre nós ilumina-nos. Mas este Dumouriez elimina-nos. Pensava eu que já tinha lido o pior sobre os portugueses quando li o poema de Lord Byron:

"Escravos miseráveis, apesar de nascidos
Entre as mais nobres cenas! Com tal gente,

Ó Natureza! por que desperdiçaste os teus favores?"


Mas Dumourieux antecedeu-o: e, na mesma linha, é mais demolidor. Leia-se este excerto:

"A miséria é o menor dos males a que os portugueses se deixam condenar voluntariamente, em vez de trabalhar; limitados ao necessário, quase insuficiente, eles deixam-se abater e enredam-se na sujidade, na desolação, na ignorância, na indisposição e na superstição. A sua cobardia negligente leva-os a encontrar doenças e males no mais belo país do mundo, e que seria o mais são e o mais feliz se fosse melhor habitado".

Sobre as habitações portuguesas diz o piorio:


"As casas também são extremamente sujas, mal construídas e incómodas; os mosquitos, os percevejos e os insectos de qualquer espécie, nascidos na lama de Lisboa e de outras cidades, tornam a estada insuportável e a ligeireza dos telhados e das muralhas não protegem os habitantes do rigor do inverno e dos ventos do norte".

Idem, aspas sobre a justiça:

"A justiça é administrada com as mesmas extorsões, o mesmo montoado de leis e a mesma quantidade de advocacia e de obstáculos que em Espanha, ou seja, pior do que no resto da Europa. As prisões são o alojamento da barbárie e do desespero; é-se muito arruinado se se é inocente; arruinado e absolvido se se é culpado."

Finalmente a universidade portuguesa também é desancada (vivia-se o tempo antes da reforma pombalina):

"A universidade de Coimbra, a mãe dos sábios em Portugal, é uma escola bárbara, cheia de todos os preconceitos escolásticos: não se conhece mais do que a filosofia de Aristóteles, atrasada em dez séculos, excedida de todos os sofismas teológicos dos primeiros sábios da era cristã e todas as subtilezas vergonhosas, insensatas e absurdas da escola e da pedantaria".

2 comentários:

Anónimo disse...

“Portugalmente”

Um país de ontem e de hoje, mesmamente. Sempre em redor da sua pequenez, do seu miserabilismo e da incapacidade e corruptibilidade fácil e tacanha das suas elites. Um país de Eça, decadentista com Pessoa, onde campeavam e agora se perpetuam as suas e mesmamente abomináveis e características personagens, e onde se diz, à falta de mais e melhor, que a Igreja obscurecia e continua obscurecendo as mentes eternamente.
Um país com medo de si-próprio, sem ensino sério e amplo, sem indústria capaz e sem governos com projecto.
Foi assim também no início do século vinte e deu, primeiro em bandalheira, e depois, consequentemente, em ditadura salvífica e absurdamente castradora.
Sempre o mesmo terreno da ignorância, vergonha, medo, secretismo, inveja, e muita, muita cobardia intelectual das pequenas elites estrangeiradas e esmagadoramente francófonas.
O mesmo país de hoje, ainda, onde a economia é incapaz, fora de tempo, onde as Universidades existem em si, para si, e governadas corporativamente. Um cantinho pretensamente europeu e moderno em que as luminárias políticas mentem descaradamente, onde o povo se diverte com telenovelas diárias, a justiça é folclore e inexiste, e o ensino é um embuste geracional de quem o comanda para quem o recebe.
Sobram as obras de regime, pretensamente o tutano governativo, discutidas no mesmo país que fecha tudo para os que pouco tinham, e abre auto-estradas para os caixeiros e para os cruzados do imobiliário.
Um país com uma “capital” a cair de podre e de dívidas, campeã da incúria e do desmazelo, onde se tropeça em cada buraco, se vive ao abandono e se a despovoa.
Um “Portugal com medo de existir”, triste e abandonado, sem alma e sem vontade de si.
E cada vez mais encruzilhado numa Europa que não se sabe bem o que é , o que vai ser, e para onde vai…!

Se Moncho disse...

É o masoquismo uma característica muito portuguesa.

Acredito que o Portugal da inquisição não fosse um destino turístico aconselhável. Mas hoje em dia as coisas mudaram muito. Tudo pode melhorar, mas a situação não é assim tão catastrófica. Este blogue é um bom exemplo de que tudo não é mau em Portugal.

Com carinho desde a Espanha.

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