sexta-feira, 20 de julho de 2007
Em equipa que ganha, mexe-se!
Mais um post convidado de Norberto Pires:
Não há nada de mais errado do que este ditado popular que diz que “em equipa que ganha não se mexe”. Sempre achei esta ideia muito curiosa, porque penso que é muito perversa e excessivamente conservadora. No fundo o que este ditado diz é que se uma equipa ganha, ou seja, apresenta bons resultados, então é porque é uma boa equipa e não se deve mexer nela. Mas então quando é que se deve mexer? Se não se mexe enquanto ganha, então esperamos que perca para poder mexer. É por isso uma estratégia perdedora, a curto-médio prazo, e muito deficiente.
A pessoa que inventou este ditado não percebia nada de desenvolvimento sustentado, e tinha talvez como único objectivo proteger-se a si próprio. Na verdade, o que as organizações devem fazer é desenvolver uma estratégia que permita resultados continuados e sustentados pela actividade inovadora e empreendedora da organização, seja ela uma universidade ou uma empresa. E isso significa encontrar sempre as melhores opções, discutir as estratégias de forma fundamentada e decidir. Significa fazer ajustamentos, melhorar aspectos organizativos, introduzir elementos de diferenciação que permitam mecanismos saudáveis de competição interna. Mais do que empreendedorismo para o exterior, as organizações precisam de realizar mecanismos de empreendedorismo interno que permitam salientar os melhores: soluções, ideias, métodos, produtos e pessoas.
Nessa perspectiva, um determinado serviço ou produto só é bom quando se impõe por si próprio, isto é, quando demonstra ser uma mais-valia. E isso não é um valor absoluto, mas sim uma característica relativa que depende das circunstâncias do momento e de factores que gostaríamos de ter controlados. Mas não temos, a não ser que mantenhamos a nossa organização em permanente ebulição interna permitindo que as melhores soluções apareçam e vinguem, se tiverem de vingar.
Em equipa que ganha, mexe-se. Para que continue a ganhar. Não há nada mais estúpido que esperar o descalabro para mexer. É andar sempre a inventar a roda em ciclos mais ou menos regulares. Não é sustentado nem sustentável. Mas é assim que vivemos. E é assim que convivemos com as palavras inovação e empreendedorismo. Sem perceber que ambas detestam a estabilidade, o status-quo. São revolucionárias por natureza. Gostam de ebulição. Detestam hierarquias bacocas e ainda mais a palavra “não”. Quando a encontram no seu caminho arranjam sempre uma forma de lhe dar a volta. Não desistem, nunca. Sabem que ganham se não desistirem. Alimentam-se de ideias, sem pensar como viverão a seguir.
Várias pessoas e organizações perderam grandes oportunidades porque não souberam mudar quando era necessário. Tenho muito medo de um país que usa as palavras empreendedorismo, risco e inovação, como palavras ocas, «buzzwords» do momento. Lembro-me sempre da história de Jack Morton, um dos grandes líderes dos semicondutores, que liderou os Laboratórios Bell na época dourada dos transístores (de 1950 a 1970).Tomou a decisão (http://www.spectrum.ieee.org/dec06/4749) de não entrar na nova e não demonstrada tecnologia LSI, o que no curto prazo parecia uma boa decisão. Mas no médio/longo prazo foi desastrosa. Isso, em si, não tem nenhum problema. Más decisões têm consequências. O grave é que Jack Morton tinha uma atitude e postura de infalibilidade. Era um líder tão forte e agressivo que era capaz de tomar decisões incorrectas sem ser questionado pelos seus colegas. Os argumentos de autoridade abrandam os efeitos da inovação.
Cito a história de Jack Morton porque ele foi um dos engenheiros mais brilhantes do século XX. Um verdadeiro herói. Os transístores mudaram a nossa vida, e isso deve-se a ele em grande parte. No entanto, mesmo um herói comete erros. Isso deveria ser uma lição para todos. A nossa maior força é a capacidade de perguntar e de questionar. E isso significa ‘mexer’, experimentar. Nada é estável, pois mesmo uma vitória nunca é definitiva ou absoluta.
Inovar é mexer. Mexer em todos os sentidos. Testar sempre novas soluções. Vingam as melhores, até que aparece uma ainda melhor. Inovar é nunca estar satisfeito. Inovar é instabilizar, pôr a medalha e voltar a tirar porque outro a merece mais. É perceber porque mexer para o lado direito funciona, mas perguntar de imediato “e se for para o lado esquerdo?”, e “se for três vezes para a esquerda, duas para a direita?”, e “se abanar?”... “e se... humm!”. A nossa maior força é a capacidade de perguntar e de questionar. E isso significa “mexer”, experimentar. Nada é estável, mesmo quando se ganha. Porque a vitória nunca é definitiva ou absoluta. É só mais um passo nesta permanente caminhada que é viver.
Como dizia Albert Einstein: “It’s not that I am so smart, it’s just that I stay with problems longer.”
Dá que pensar, não é?
J. Norberto Pires
Nota: Este artigo foi publicado na revista Robótica (editorial, página 1), e uma versão mais curta no Expresso de 13 de Julho de 2007 (Caderno de Economia, página 29).
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
AS FÉRIAS ESCOLARES DOS ALUNOS SERÃO PARA... APRENDER IA!
Quando, em Agosto deste ano, o actual Ministério da Educação anunciou que ia avaliar o impacto dos manuais digitais suspendendo, entretanto,...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à in...
6 comentários:
:)))
palavras, palavras, palavras. venham os espanhóis.
(Re)li mais uma vez, com agrado, este artigo que acho interessante pela forma como apresenta um grande desafio: Inovação/Empreendedorismo, que aliás só é possível vingar se recuperarmos alguns valores que temos vindo a perder nas últimas décadas, nomeadamente, o valor do trabalho, do rigor, do esforço, da exigência… valores que têm que ser incutidos desde a mais tenra idade... e se a família muitas vezes não o faz, porque se demite, ou não o consegue fazer, então cabe à escola fazê-lo o melhor que sabe e é capaz. Embora seja uma tarefa muito difícil nos tempos que correm. Pois, ao que parece, a Tutela não dá grande relevo a valores desta natureza. Se lermos atentamente os documentos curriculares percebemos claramente isso quando as ideias neles repassadas são por exemplo de que todos os valores são relativos, construídos, subjectivos, equivalentes… logo, aqui também entram os valores do conhecimento, do trabalho, da tolerância… e se a escola também não pode impor valores, mas deve respeitar a liberdade de escolha… etc, etc… podemos imaginar os possíveis cenários
Parece-me que em Portugal, os iluminados decisores da Educação ainda não perceberam para onde estamos a caminhar com estas políticas educativas destrambelhadas, e para onde estamos a conduzir as nossas crianças e jovens. Ainda não perceberam concerteza que o sucesso, não é fruto da auto-orientação dos alunos; o sucesso é sobretudo o resultado de muito trabalho, muito esforço e dedicação… valores que é urgente recuperar e transmitir na escola. O meu cartão laranja para a Tutela nesta matéria de orientações curriculares!
muito interessante. sim senhor.
Concordo inteiramente com a mensagem deste post. Dinamismo e (ou para a) Inovação. O primeiro obstáculo é uma sociedade que não valoriza o Mérito preferindo o comodismo e o facilitismo. Os resultados de análises do sistema de ensino feitas pelo Instituto da Inteligência relativos à forma como o sistema educativo lida com o sobredotados, ou o que queiram chamar, são confrangedores.
O mito do igualitarismo dirigiu o sistema de ensino para o nivelamento por baixo sendo esmagadoramente negativo e castrante para o aluno com mérito em qualquer área. Esta situação se por um lado dá jeito aos políticos (quanto maior a ignorância maior a facilidade em manter o statu-quo) por outro é o cabo dos trabalhos para o desenvolvimento e performance do país.
Artur Figueiredo
Mais um post interessante deste autor, este particularmente incisivo.
Rita M.
Enviar um comentário