sábado, 31 de dezembro de 2011

O Sapatinho


Post recebido do Prof. António Mouzinho (a sua novela pedagógica continua para o ano):

Quando se ultrapassa os 50 anos, as pequenas coisas começam a ser devidamente apreciadas. Após os 60, não são só apreciadas: são consideradas de requintado gosto!

O ministério da Educação tem destas surpresas: depois de me deixar ser professor, após o estágio, passou-me, nos finais de 80, a funcionário público (o serviço público, inicialmente, fazia parte da função; não era a função que fazia parte do serviço…); logo depois, após de anos de mar, passou-me a congelado, algures pelo 8.º escalão; na fase de descongelação, apontou-me, vertiginoso e triunfante, ao 10.º escalão, e então a titular — para logo deixar de o ser (entradas de barão; saídas de peão…) — rapou-me um número no escalão, prometendo-me a subida ao 10.º mediante avaliações, e… depois de tudo isso, congelou-me de novo no 9.º; mas…

(o ministério da Educação, dizia eu, tem destas surpresas…)

… é senão quando, a 23 de Dezembro, no Diário da República, mesmo a tempo do sapatinho, surge o Despacho 17169/2011 de 12 de Dezembro!

Após quase 11 anos de vigência de um longo disparate (posto por escrito, na sequência do Decreto-Lei n.º 6/2001 de 18 de Janeiro) que dá pelo nome de «Currículo Nacional do Ensino Básico—Competências Essenciais», assisto — deliciado — à revogação!

Para os mais desatentos, uma passagem escolhida a esmo (é dum capítulo referente ao «Estudo do Meio»; aparece a cerca de 1/3 do documento, pelo que poderia igualmente intitular-se «Estudo do Terço»): «[a] progressão [educativa dos alunos] tem origem no subjectivo (o experiencialmente vivido) e visa o objectivo (o socialmente partilhado) e parte do mais global e indiferenciado para o particular e específico atendendo às múltiplas componentes que integram o Meio, não para desfazer a sua unidade, mas para melhor a compreender e explicar".

Caramba!

Mais adiante (vou-me já embora!, mas não resisto a só-mais-esta): «Neste sentido, o currículo de EM [Estudo do Meio] deve ser gerido de forma aberta e flexível. Não se trata de pôr de lado o programa de EM, mas de o olhar na perspectiva do desenvolvimento de competências a adquirir pelos alunos. Embora o programa se apresente por blocos de conteúdos segundo uma ordem, o próprio documento sugere que "os professores deverão recriar o programa, de modo a atender aos diversificados pontos de partida e ritmos de aprendizagem dos alunos, aos seus interesses e necessidades e às características do meio" (DEB, 1998:108), podendo "alterar a ordem dos conteúdos, associá-los a diferentes formas, variar o seu grau de aprofundamento ou mesmo acrescentar outros" (ibid).

Estas considerações remetem para abordagens centradas na definição de problemas de interesse pessoal, social e local. Ora, entende-se que esta abertura não deve ser posta em causa pela organização avulsa de conteúdos em blocos compartimentados

Em Roma sê Romano. Em terra de Lapões, centra-os na Lapónia. Não lhes fales de mais nada, porque tudo o resto é abstrato. Contextualiza, contextualiza ou morre!

«Currículo bla, bla, bla, bla, blásico» — repousa em paz!

P.S.: aprendi no livrinho a diferença entre exercício e problema. É assim: «Ao contrário de um exercício – em que o aluno é sujeito passivo da aprendizagem, os saberes implicados se referem exclusivamente à utilização e ou reprodução de algo que se memorizou, os dados são os estritamente necessários e encontram-se explícitos no enunciado, admite uma única forma de resolução e uma solução, também, única –, um problema implica activamente o aluno por constituir um desafio sem resposta imediata e sem estratégias preestabelecidas.» Como sou professor de Desenho e Geometria Descritiva, dá-me um jeitaço.

Agora é que saio: António Mouzinho

3 comentários:

Anónimo disse...

Tanta desorientação aos resultados junta. M.E. = Ministério do Esotérico.

Fartinho da Silva disse...

Se os disparates pagassem imposto, os autores dessas imbecilidades eram os maiores contribuintes do Estado português; e ninguém falava em défice...

Fartinho da Silva disse...

Como é que não haveríamos de estar falidos com gente desta qualidade a comandar os destinos do país?

"O PODER DA LITERATURA". UMA HISTÓRIA, UM LIVRO

Talvez haja quem se recorde de, nos anos oitenta do passado século, certa professora, chamada Maria do Carmo Vieira, e os seus alunos do 11....