terça-feira, 11 de novembro de 2008

ANTÓNIO HOMEM E A INQUISIÇÃO


Está a chegar ao fim a exposição “Coimbra Judaica” organizada pela Biblioteca Geral dsa Universidade de Coimbra em colaboração com a Câmara Municipal de Coimbra. Entre os documentos que têm suscitado maior interesse estão os do processo de António Homem, o lente da Universidade de Coimbra que, em 1624, foi queimado pela Inquisição depois de dado como culpado do crime de criptojudaísmo, agravado pela prática homosexual. Transcrevo a lista dos manuscritos ora expostos e uma biografia sumária daquele professor, que se encontra na Internet, da autoria do professor brasileiro Luiz Mott.

Documentos manuscritos relativos a António Homem na exposição “Coimbra Judaica”, Sala de S. Pedro da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra

HOMEM, António, 1564-1624. Sequitur explicandus t[i]t[ulus] Qui filii sint legitimi: ab infelicíssimo D[octore], Anno D[omi]ni 1608 [Manuscrito]. [Século XVII]. Ms. 985

HOMEM, António, 1564-1624. Sequitur explicandus t[i]t[ul]us De causa possessionis et proprietatis a D[octore] Antonio Homem anno 1615 [Manuscrito]. [Século XVII].Ms. 796

SENTENÇA de Antonio Homem Lente de Prima de cânones na Universidade de Coimbra e conego Doutoral nella, [Lisboa, 5 de Mayo de 1624] [Manuscrito]. [Século XVII]. Ms. 595

Filhos de Abraão & de Sodoma: Cristãos-novos Homossexuais nos Tempos da Inquisição

por Luiz Mott, Professor aposentado da Universidade da Baía, Brasil

“(...)Também relaxado à justiça secular foi um dos mais famosos mártires da Inquisição Portuguesa, o meio cristão-novo Antônio Homem (...) De família de medianos recursos, Antônio Homem formou-se no Colégio das Artes dos Jesuítas e em Cânones pela Universidade de Coimbra (1585), ocupando gradativamente os principais postos nesta Universidade, até chegar à cátedra como Lente de Prima de Cânones. Ordenado sacerdote, foi igualmente cônego doutoral, confessor e examinador sinodal. Possuidor de rica biblioteca e confortável residência, aparentemente era cidadão acima de qualquer suspeita: segundo suas próprias palavras, sempre teve vida mui exemplar, modesta, composta em obras, trajo e palavras, com grande nome neste Reino e fora dele pelas suas letras e louvor de seus bons procedimentos. Celebra missa, vai ao coro do cabido, dá esmola dois dias por semana aos pobres e outras secretas à viúvas e colégios pobres, considerado um dos mais exemplares e beneméritos sacerdotes de todo o Bispado. Era amigo de bispos, fidalgos, e até mesmo do Inquisidor Geral.

Secretamente, porém, era praticante de dois crimes hediondos: amava rapazes e seguia a Lei de Moisés. Contra si estão arquivados dois volumosos processos na Torre do Tombo, um por judaísmo com 660 páginas e outro por sodomia, com 240. Em ambos crimes estava gravemente comprometido.

Em devassa realizada em Coimbra em 1619, depuseram contra o Lente de Prima 35 denunciantes, entre testemunhas e cúmplices, que o acusam de grande quantidade de atos homoeróticos, no mais das vezes, molices, raramente sodomia propriamente dita.

(...) Se as provas de sodomia contra Antônio Homem não eram tão sólidas, nem graves, as de cripto-judeu eram abundantes e altamente comprometedoras. Segundo seu principal biógrafo, João Manuel Andrade, Antônio Homem descendia de judeus por varonia, e recebera de seu pai a crença na Lei de Moisés. E um dia teve um sonho. Convenceu-se de que era a pessoa ideal para unificar os judeus secretos de Portugal e restaurar o culto do Templo de Israel, apressando deste modo a vinda do Messias. E assim organizou na cidade do Mondego uma congregação de cristãos-novos judaizantes, a que deu o nome de Confraria de São Diogo, em homenagem a um frade que fora excetuado anos antes, proclamando a excelência da religião mosaica. A confraria teve um sucesso espantoso. Chegou a ter mais de 50 membros, e ramificações em três mosteiros, onde freiras cristãs-novas tanto rezavam ao Deus dos cristãos como ao Senhor de Israel. E foi descoberto quase por acaso.

Após quatro anos e meio penando nos cárceres, padecendo quantidade doenças e achaques, período em que se sucederam muitas diligências, contraditas, retificações e ratificações, já tendo os inquisidores arrolado o nome de 85 membros conhecidos da Confraria de São Diogo, além de 55 freiras judaizantes de diferentes conventos, tudo confirmado por diversos de seus confrades cripto-judeus, que de fato, o Dr. Antônio Homem era o corifeu e sumo-sacerdote desta "herética pravidade", conquanto persistisse em negar a prática do judaísmo, deliberam finalmente, ser merecedor da condenação à pena de morte. Foi considerando herege, apóstata, pertinaz, negativo, dogmatista e sacerdote de judeus.

Na interpretação de seu biógrafo, a única explicação de o Preceptor Infelix negar irredutivelmente assumir suas culpas de judaísmo, podendo assim safar-se da fogueira, foi seu heróico altruísmo, evitando ter de citar os nomes de todos seus discípulos, esquivando-se, desta forma, arrastá-los à mesma pira.

Oitenta e quatro réus foram sentenciados junto com o Lente de Coimbra, no auto de fé de 5 de Maio de 1624, dos quais, oito relaxados à justiça secular para serem queimados. A solenidade ocorreu na Ribeira de Lisboa, junto à Casa dos Contos. O pregador, um dominicano e deputado do Santo Ofício, escolheu o Profeta Isaías como mote, execrando a quantidade de judeus existentes no reino e que dele fugiam, a ponto que os estrangeiros vêm a conceber a opinião que todos os portugueses são judeus! E completa: Há muitos poucos anos que nos autos da fé saíam somente judeus baixos e cominheiros: vede a agora o que saem: muitos eclesiásticos, religiosos, bacharéis, licenciados, doutores e lentes, aparentados com gente nobre, com a metade somente, um quarto e um oitavo de cristãos-novos.

Em sua sentença, explicitavam-se os dois motivos de sua condenação: sendo cristão batizado, obrigado a ter e crer tudo o que tem, crê e ensina a Santa Madre Igreja de Roma, ele o fez pelo contrário, e teve crença na Lei de Moisés, declarando-se judeu... Como letrado, sacerdote e homem de qualidade, e como tal obrigado a viver impa e honestamente, dando de sua vida e costumes bom exemplo, ele o fez pelo contrário, e de muito tempo a esta parte, esquecido de sua obrigação, com muito atrevimento, cometeu o horrendo e abominável pecado de sodomia contra naturam, exercitando-o por muitas vezes com diversas pessoas do sexo masculino, sendo sempre agente.

Além do confisco de todos seus bens, incluindo preciosa biblioteca, determinou-se que fossem derrubadas, assoladas e salgadas as casas onde se faziam as ditas solenidades judaicas, e nunca mais se tornem a reedificar, levantando-se no mesmo sítio um padrão alto, com letreiro que declare a causa pela qual se derrubaram e salgaram. Foi queimado vivo.”

Luiz Mott

3 comentários:

Aqualung disse...

António Homem podia ser Homossexual e até podia ser Judeu, mas era certamente mais HOMEM que aqueles que o "denunciaram", julgaram e condenaram...

José Fernandes disse...

"perspectiva disse...

Curiosamente, quando o Apóstolo Paulo visitou Atenas, também achou os atenienses muito supersticiosos, apesar de toda a filosofia grega epicurista e estoica dominante (vid. Actos 17). "

O que para aí vai... homem de Deus. Paulo não era um dos doze apóstolos. Tenha dó!

Depois, tem razão, aquilo de pai de santo é treta, aliás tudo naquilo é uma grande aldrabice consumada.

Mas a Lusa Atenas tem o direito de albergar todos os que querem ter voz no assunto, assim quem não esteve lá pode dizer o que quiser e há-de ter sempre razão.

Uma associação de bruxos e bruxas; feiticeiros e endireitas; padres e monges; freiras e adivinhas. Aliás até podem por estatutos a própria Bíblia que é o supra sumo da magia. Quem se lembraria de transformar vinho tinto em sangue e depois dá-lo a beber aos crentes? Se aparecesse algum bruxo a fazer isto era logo apelidado de charlatão, mas isso acontece todos os dias em todas as igrejas.
Ah!, pois é o verdadeiro Deus... já me esquecia dessa. Então quer vossa mercê dizer que há vários deuses mas que só um é verdadeiro, os outros são charlatães?
Tenha dó, homem de Deus, deixe-os lá juntarem-se em Coimbra, Vale de Perdizes ou onde quer que seja. Aquela gente não faz mal a ninguém e só lá vai quem quer.

http://quirologo.blogspot.com/

José Fernandes disse...

Por erro este comment devia ter ido para o post Charlatães. Peço imensa desculpa.

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