“Qual yoga, qual nada! A melhor ginástica que existe é a leitura, em voz alta, dos Lusíadas” (Mário Quintana, jornalista e poeta brasileiro, 1906-1994).
Lê-se, por vezes, nos genéricos dos filmes de cinema que “qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência”. Mas o que aqui se narra é a realidade, ela mesma.
Embora um tanto distraidamente (o leitor sabe como é: está-se empenhado numa leitura quando se é despertado para algo que nos chama a atenção para o ecrã da televisão), ouvi, ontem, dia 28 de Maio, num programa da tarde de entretenimento televisivo, uma especialista, salvo erro em gestão de empresas, defender que, presos em longas filas de espera do trânsito citadino, para evitar ou diminuir o stress que precede a entrada matutina no emprego nada como não falar ao telemóvel, ouvir música relaxante e… fazer exercícios respiratórios.
Sem dúvida que os exercícios respiratórios têm um efeito relaxante. Mas executá-los em presença do monóxido de carbono dos escapes dos automóveis (gás tão letal que quando inspirado em recintos fechados como os das garagens pode conduzir à morte) nada melhor para encher os pulmões de um ar tóxico, meio caminho andado (neste caso, parado) para, auxiliado pelo fumo do tabaco, ser vitimado por doenças respiratórias com a gravidade do cancro dos pulmões, por exemplo.
Para além da poluição atmosférica, peste apocalíptica dos nossos dias com as fábricas a lançar das respectivas chaminés sobre as populações próximas gases tóxicos, a nefasta acção dos tubos de escape sobre os pulmões dá azo, também, a cardiopatias, por um empobrecimento do teor de oxigenação do miocárdio, mais pernicioso ainda para os praticantes de jogging que vemos nas ruas mais movimentadas das cidades serpenteando entre automóveis para atravessar as ruas em horas de ponta de trânsito. Perante este perigo para a saúde pública, já mesmo na década de 70 os polícias sinaleiros de Tóquio, nos cruzamentos mais movimentados e em horas de ponta, usavam máscaras para diminuir o perigo da inalação dos gases de escape dos veículos motorizados.
E porque vem a propósito, a ginástica respiratória, cujos benefícios são reconhecidos em patologias asmatiformes, por exemplo, já teve os seus dias de glória na Educação Física escolar, através do chamado método de ginástica respiratória da autoria do médico Weiss de Oliveira - método oficial de ginástica antes da adopção do sistema de Ginástica Sueca de Ling - que conduzia a situações caricatas como esta que relato passada no meu último ano do então ensino liceal.
O meu professor de Educação Física da altura, habilitado com o curso de Medicina e a especialidade de médico parteiro, era carenciado de atributos atléticos - vestindo, para dar as aulas, um pesado sobretudo que não conseguia disfarçar a sua fraca figura de homem baixo e gordo - que convencessem os alunos a seguirem-lhe o exemplo, quando, à porta do ginásio, nos dava a ordem: “Meus senhores façam o favor de entrar!" E logo se ouviam vozes, mais ou menos em surdina, mais ou menos audíveis: “Para ficarmos como o senhor doutor mais vale não fazermos ginástica…”
Mas nessa altura, se o professor não se impunha, impunha-se o reitor por ele, e nós lá íamos entrando contrafeitos deitarmo-nos de costas nos muitos bancos suecos ao longo das paredes do ginásio para fazermos os respectivos exercícios respiratórios em obediência de má vontade ao comando do professor: ”Inspire-expire, inspire-expire”, como se o ciclo respiratório não dependesse da amplitude da caixa torácica dos alunos, até ficarmos com a cabeça à roda por essa imposta hiperventilação pulmonar.
Aconteceu que, um dia, em plena aula de “ginástica de fole” (como era chamada na brincadeira, mas com toda a propriedade por nós) veio um contínuo chamar o professor para atender uma chamada telefónica urgente. Mal ele saiu, de um salto, levantámo-nos dos bancos, começámos a correr, subimos aos espaldares e às cordas, demos cambalhotas nos colchões, saltámos no “bock” e nos plintos extravasando o ardor de uma juventude irrequieta acorrentada aos bancos suecos numa espécie de suplício de ataúde em vida.
Entretanto, havia que tomar as devidas precauções. Pusemos um colega a espreitar pela frincha da porta do ginásio o regresso ao longe do professor para nos dar tempo de nos voltarmos a deitar de barriga para cima nos bancos suecos em inspiração forçada com peitaça de valentão de feira como tínhamos sido deixados pelo professor antes da sua saída da aula. Passados 10-15 longos minutos que nos pareceu ter a brevidade de um suspiro pelas cabriolices feitas anteriormente com todo o gosto, entrava novamente o professor, que, olhando para nós do alto da sua pequena estatura para a menor altura dos bancos suecos, sem se dar conta que a apneia forçada em tempo tão prolongado nos teria deixado sufocados com a palidez dos cadáveres dos teatros anatómicos nos dava a voz de comando: “Podem expirar, meus senhores!”
Entretanto, o cinema português dessa época (anos 40/50), sempre pronto a parodiar os costumes, confundia a ginástica respiratória com o método de ginástica sueca. Num desses filmes, defronte de uma janela aberta de par em par, a gordura de Vasco Santana contrastando com a magreza esquelética de Ribeirinho, ambos em escassa roupa interior que substituía o pijama, e em alguns casos a própria camisa de noite e o gorro nocturno dos homens, inspiravam e expiravam em movimentos cadenciados dos braços acima e abaixo e oscilações das respectivas caixas torácicas dizendo, com atlético orgulho que estavam a fazer “ginástica cueca”!
Acontece que a ginástica sueca era bem diferente, mas, para fazer rir os espectadores, havia que estabelecer essa confusão. O método de ginástica sueca teve longa vida tendo sido seguido oficialmente nas escolas portuguesa de meados da década de 40 até parte da segunda metade do século passado, sendo seu criador o sueco P. H. Ling (1776-1839) influenciado pela sua “curiosidade pela civilização helénica, pelas ciências biológicas e várias línguas europeias que lhe permitiram pôr-se em contacto com o movimento cultural do seu tempo, levando-o a uma concepção humanitária, científica, higiénica e plástica da educação física” .
Método ginástico que contribuiu para o revigoramento do povo sueco enfraquecido pelo alcoolismo e pela tuberculose tendo conseguido o seu fecundante que um decreto real concretizasse o sonho da sua vida com a criação do Real Instituto Central de Ginástica de Estocolmo, em 1813, de que viria a ser nomeado director. Nos dias de hoje, o desporto com a aprendizagem das respectivas técnicas, fez-se rei coroado de trono incontestado da disciplina de Educação Física escolar.
E porque, como diziam os romanos, “nil novi sub sole”, aqui está como o passado se fez presente em estro por mim colhido nessa tarde na “caixa que mudou o mundo”, qual máquina de tempo que nos transporta do presente ao passado e do passado até ao futuro, como nos fizeram os livros de Julio Verne da nossa saudosa e distante juventude.
20 comentários:
"o desporto com a aprendizagem das respectivas técnicas, fez-se rei coroado de trono incontestado da disciplina de Educação Física escolar".
Pois, Caro Rui Baptista, mas a aprendizagem das respectivas técnicas, e talvez outros motivos, levam a que agora muitas aulas de Educação Física (estranha designação, em meu entender; o que será uma pessoa bem educada fisicamente?) sejam leccionadas teoricamente, com os alunos encafuados em salas de aula, e tendo que estudar resmas de fotocópias, para se sujeitarem a testes escritos, porque, dizem alguns, a Educação Física é uma disciplina como as outras. Que pena não ser uma disciplina especial, como a santíamos no meu tempo, digo eu... E o caso é tal que há muitos alunos que chegam a referir aquela disciplina, nos inquéritos das direcções de turma, como a disciplina a que têm mais dificuldade!
Dá para entender isto?
Meu Caro José Batista da Ascenção:
Grato pelo seu comentário. Claro que não dá para entender...ou talvez dê para entender bem demais!
Numa sociedade hipocinética como a nossa, defendo que a Educação Física deverá ser (ou deveria ser) uma disciplina que ponha os alunos a movimentarem-se, através de exercícios físicos devidamente estruturados e cientificados, em benefício de uma melhor saúde psicofísica, uma melhor oxigenação cerebral favorável a aprendizagens de outras matérias de natureza intelectual, e para evitar até que haja uma regressão da aquisição humana de bípede (que se perde na noite dos tempos permitindo ao homem erguer as mãos ao céu em prece a Deus) à sua condição anterior de quase quadrúpede.
E não se pense haver aqui qualquer exagero quando se atende à prevenção de doenças reumatismais de consequências anquilosantes, por exemplo, que obrigam pessoas não muito idosas, ou mesmo de meia-idade, a andarem de bengala com os olhos postos no chão sem poderem olhar o futuro de frente.
Mas isto é uma discussão que merece ser levada a efeito com mais pormenor, e a que eu não me escusarei se para tanto me forem lançados novos reptos com o agora por si levantado, em hora feliz e momento oportuno. “Alea jacta est!”
Se bem reparou (e reparou com certeza), eu próprio no meu post dou conta de caminhos que não perfilho quando escrevi:(…) “o desporto com a (escravatura da) aprendizagem das respectivas técnicas (como se a função das práticas desportivas escolares fosse formar atletas de elite) (…). As frases entre parêntesis ,agora acrescentadas, quiçá, ajudem a clarificar melhor o meu pensamento.
P.S.: "In dubio", gostaria de ser esclarecido se as resmas de fotocópias, testes teóricos de avaliação, etc., que menciona no seu comentário, se destinam a alunos da “Opção de Desporto”. Se assim for, cesse tudo quanto escrevi por os meus argumentos necessitarem de uma revisão conceptual.
Caro Rui Baptista
Infelizmente, a distribuição (paga pelos alunos) de fotocópias na disciplina de Educação Física não se restringe apenas aos alunos da opção de desporto. Depende um pouco do modo como cada docente aplica o programa da disciplina, podendo ser mais ou menos generalizada em cada escola. O mesmo se passa com a realização de testes escritos. Muitos docentes aplicam um por período (eu cá, então, se pudesse evitar dar alguns...).
Agora, os (meus) colegas de Educação Física não estão em bons lençóis, pois no horário de alguns deles constam tempos de aula de 45 minutos e, realmente, eu não sei como os alunos teriam tempo de se despir, fazer exercício físico, tomar banho, vestir-se e chegar a tempo à aula seguinte.
Só não percebo (isto é, percebo, mas não aceito) como é que ninguém (salvo seja) se importa com isto.
O Dr. H. Weiss de Oliveira, da Associação dos Médicos Católicos Portugueses, considerava que o seu método de ginástica era “baseado sobre a Religião Católica e, em particular, assente sobre a verdade do dogma do Pecado Original”. Esta afirmação derivava do facto de, segundo o próprio Weiss de Oliveira, as bases do método terem fundamentos religiosos e científicos, sublinhando que: “Os fundamentos e os limites de um método verdadeiro de educação física só os podia fornecer uma doutrina assente sobre o conhecimento exacto da nossa narureza física – e esse vimos ser a sueca, - mas completada por outra que conhecesse a nossa natureza espiritual e a que destino sobrenatural estão reservadas, o que só na doutrina católica cabalmente encontramos. (…) Forçoso era impregnar a educação física do espírito católico, catolicisá-la por assim dizer (…)”.
O método consistia ainda em fazer com que a coluna vertebral, na posição de deitado de costas no banco sueco, e depois sentado no mesmo banco, com as costas bem encostadas ao espaldar, ficasse corrigida para alcançar a verticalidade, facto impensável no sistema de Ling, em virtude de os exercícios se iniciarem a partir da posição de pé.
O melhor argumento de que se serviu, para justificar o processo utilizado, colheu-o da leitura do sudário de Cristo, dizendo: ”Encontramo-nos assim perante uma coluna rectificada, e tão rectificada que nem a seladura lombar, tão pouco acentuada é, se acusa na imagem impressa no Sudario. / Que mais decisivo argumento precisamos nós, os crentes, sobretudo, para estarmos seguros de que o terreno que pisamos tem sido firme?”. Mas esqueceu-se que Cristo, logicamente, não tinha seguido nem praticado a técnica portuguesa, para que a sua coluna servisse de exemplo, condenando o sistema sueco implantado por Ling.
Muito embora o verdadeiro autor fosse Furtado Coelho, que o apontou no seu trabalho “Manual teórico e prático de ginástica respiratória”, o que é confirmado pelo próprio Weiss de Oliveira ao limitar-se a propagandear a técnica, através de múltiplas conferências e muitos escritos, e de tal forma que acabou por ser considerado o criador da “técnica portuguesa”, como a denominou, em oposição à “técnica de Ling”. Fernando Pessoa, a conselho médico socorreu-se da ginástica respiratória de Furtado Coelho, tecendo grandes encómios no “Exórdio em prol da filantropia & da educação física” (Porto, Editorial Cultura, 1933):
“Quando, em 1907, o Prof. Egas Moniz me passou, para fins ginásticos, para as mãos de Luís Furtado Coelho, para ser cadáver só me faltava morrer. Em menos de três meses e a três lições por semana, pôs-me Furtado Coelho em tal estado de transformação que, diga-se com modéstia, ainda hoje existo – com que vantagens, para a civilização europeia, não me compete a mim dizer.”(p. 22).
(continua)
(conclusão)
Com este exórdio à ginástica respiratória logo apareceram mais inventores da nova coqueluche. Caberia ao deputado otorrinolaringologista Moura Relvas desfazer dúvidas quanto aos progenitores desta ginástica respiratória, numa sessão da Assembleia Nacional, com esta intervenção lapidar: “Surge neste momento o aspecto da ginástica respiratória, que de há muito é adoptada em Portugal, devendo acrescentar que ela é boa mas não é portuguesa. Falou-se aqui do Sr. Dr. Weiss de Oliveira, como sendo o seu autor, mas neste ponto há um equívoco, por isso que a ginástica respiratória é de há muito aplicada pelos otorrinolaringologistas para reeducar os rapazes operados de adenóides e aos indivíduos que não sabem respirar”. (Diário das Sessões da Assembleia Nacional n.º 40, 1935, p. 814).
A fazer fé na Portaria n.º 8.904, de 3.1.1938, haveria uma terceira entidade que aplicaria a ginástica respiratória, e que poderia ter reclamado para si a invenção da ginástica respiratória. Com efeito, diz a citada norma: “Inclui a categoria de professor de canto coral e ginástica respiratória da colónia da Guiné”. Teríamos assim três hipóteses de reclamantes da paternidade da ginástica respiratória: um fisioterapeuta, um otorrinolaringologista e um professor de canto, caso este tivesse tido assento nas bancadas da Assembleia Nacional para expor os seus argumentos.
Isto faz parte do historial das crises por que a educação física tem passado como um judeu errante. Mas, relativamente à educação física, desde John Locke que pela primeira vez utilizou a expressão “educação física”, em 1693, até 2010, passaram 3 séculos (317 anos), e continuamos sem saber o que temos e o que utilizamos?.
Meu Caro José Batista da Ascenção:
Retenho do seu 1.º comentário o ter considerado a expressão Educação Física estranha. Isto é uma discussão académica por resolver, embora se gastem folhas de teses para encontrar uma expressão a contento para substituir a Educação Física sem resultado a contento de todos.
De uma forma geral, toda a gente sabe mais ou menos do que se trata quando a utilizamos. Uns pretendem substituí-la por Educação pelo Movimento, outros por Cinesiologia (ciência que estuda o movimento humano), outros ainda por Motricidade Humana.
Repare que no caso da alquimia houve exéquias de uma teoria morta que viria a reencarnar na Química moderna, em ruptura com a pedra filosofal capaz de transformar metais sem nobreza em ouro – uma utopia,
A Medicina, crença em amuletos ou talismãs, a Economia, para Aristóteles, a simples arte do governo da casa, evoluíram para significados bem mais abrangentes e complexos que muito ampliaram , com a lupa da passagem do tempo, os seus acanhados significados sem qualquer recurso a uma ridícula cosmética ou a uma plástica grotesca. È certo que houve tentativas fracassadas nesse sentido, como a de Cournot e Jevons, para substituir o nome de Economia Política por Crematística e do professor Macedo Pinto, da Universidade de Coimbra, para alterar o nome de Medicina Veterinária para Zooatria.
Todavia, ciências há em que o nome de referência foi caindo em desuso ou adquiriu um significado diferente, como Cibernética que para Platão significava a “arte de conduzir um navio” e para Ampére (1843) “o estudo dos meios de governo das sociedades”. Coube a Wiener (1948) ir desencantá-la ao baú das coisas com a poeira dos tempos para nomear o “antigo governo de uma máquina, com certa autonomia e capacidade de iniciativa e sua aplicação ao estudo do sistema nervoso”.
Repare, meu caro José Batista da Ascenção, que a expressão Educação Física é a tradução de “Physical Education”, nome utilizado para referenciar as inúmeras faculdades anglo-saxónicas (e não só) que estudam esta matéria. Por outro lado, eu julgo que o desporto de alta competição se emancipou da Educação Física assim como a Psicologia se emancipou da Filosofia. Tanto assim é que a Faculdade de Educação Física da Universidade de Coimbra adoptou o acrescento de Ciências do Desporto e a Universidade do Porto Faculdade de Ciências do Desporto, “tout court”. Unicamente o ISEF da Universidade Técnica de Lisboa adoptou o nome de Faculdade de Motricidade Humana, para mim expressão alargada a actividades tão latas como a cirurgia, uma técnica, o futebol, um desporto, a pintura, uma arte. E com isso, poder-se-ão apagar as “impressões digitais” que a Educação Física tem deixado (e continua a deixar) na memória dos homens, das sociedades e do próprio mundo civilizado?
E aqui está como com o seu comentário levantou uma questão polémica que está longe de estar resolvida tornando-se até, se me é permitido, uma questão de “lana caprina” perante os desafios que esperam a Educação Física numa época em que o movimento do homem foi substituído por deslocações de automóvel ou transportes públicos e em que a mecanização diminuiu o trabalho braçal, fazendo com que a exercitação física se torne num caso de saúde pública. Já no século XIX, Schopenhauer advertia: “Sem exercicio físico quotidiano apropriado é impossível mantermo-nos de boa saúde”. Recuando ao século XV, Leonard da Vinci legou-nos: “O corpo humano é como uma navalha de barba; se não for utilizado enferruja!”
Levantar o problema desta “estranha designação”, para utilizar palavras suas, meu Caro José Batista da Assunção, é como abrir uma Caixa de Pandora.
Caro Rui Baptista
É certo que os alunos realizam testes escritos, mas estes apenas contam 20 % na avaliação. O problema reside na relação equilibrada entre o tempo de acompanhamento que um professor, na prática (em turmas de 28 alunos), pode dispensar aos alunos e aquilo que avalia. Se no Ensino Básico esse facto não é muito relevante, no Ensino Secundário torna-se um drama, sobretudo quando o aluno tem média de dezassete e dezoito a várias disciplinas e um dez a Educação Física. A média final e a entrada em determinados cursos ficam, assim, claramente comprometidos.
Julgo que se poderia obviar esta situação, com proveito para todos, se fossem criados dois níveis, correspondendo a duas disciplinas. Educação Física A ( destinada a alunos de Desporto) e Educação Física B ( de carácter geral).
Todas as expressões ligadas ao mundo das actividades fisicas, das educações físicas, dos jogos, dos desportos, e similares ou aparentadas, sofrem de polissemia, pelas diversas interpretações adoptadas por cada país, por cada tradutor-traidor, provocando uma difusão distorcida de cada uma delas.
A semântica, com o tempo, multiplica as versões. E poucas devem ser as áreas do conhecimento onde a confusão terminológica esteja tão enraizada como nesta educação física. Resulta daqui que, para cada expressão ou palavra, podemos encontrar mil e uma definições e considerar que todas elas são boas. Mal de que André-Jean Arnaut também se queixa relativamente à definição do Direito: há milhares e todas elas são boas. O que equivale a dizer que continuamos órfãos de uma definição, porque se todas elas são boas é porque nenhuma delas nos satisfaz.
Depois somos confrontados, perante este panorama, com a decisão de que, se a palavra ou a expressão, é de difícil definição, devemos encontrar a palavra ou expressão que melhor se ajuste ao utensílio questionado. Os criadores da “educação física” foram os médicos para quem a expressão era traduzida, ora por “cuidados higiénicos”, ora por “fisioterapia”, mas nos seus primórdios centrava-se na puericultura. Isto para ver como as interpretações dos signos evoluem.
Os militares agarraram na expressão para melhorarem a aptidão física dos recrutas, e os pedagogos adoptaram-na, como manutenção ou melhoria da saúde, porque no fundo tratava-se do movimento. Dentro da própria Medicina as variações eram constantes e acabavam por a educação física se converter num meio higiénico e terapêutico.
Seguidamente apareceu Ling com a “ginástica sueca”, e a “educação física” adoptou-a de imediato resultando daqui que falar numa era falar da outra, isto é, dada a concreta visibilidade da “ginástica” com as suas flexões, rotações, extensões e inclinações da cabeça, do tronco e dos membros, os seus saltos de plinto e de bock, o uso de quadros, espaldares, traves e bancos, a abstracta e invisível “educação física” apagou-se.
Ao ponto de um médico francês de seu nome Tissié ter dito, quando se inventou a bicicleta, que a mesma constituía, tal como os espaldares e o plinto, um “bom aparelho de ginástica”, em vez de constituir um bom meio de “educação física”. Ideia secundada por um hípico ao opinar que o hipismo era uma boa ginástica.
De resto hoje em dia a ginástica desportizou-se e está longe da sua roupagem de berço. Já se vê aqui como sempre foi difícil aos humanos encontrar a indumentária elocutória ajustada a tão estranha personalidade, apesar de ter servido a médicos, militares e pedagogos, ou talvez por isso. Cada área passa a dominar um vocábulo que se lhe adapta ou, utilizando a linguagem da moda, cada área cria o seu “prêt-a-porter”.
(Continua)
(Continuação)
Neste percurso já de si tão acidentado, por tripartido, os ingleses pioraram o panorama com a invenção do “desporto”, o que veio despertar e perturbar a comunidade da “educação física” e a da “ginástica”, e levantar grandes polémicas sobre as vantagens e desvantagens de cada sistema. Uma tripla aliança era impensável.
A partir daqui a comunidade médica começou a apresentar dissertações médicas contra o “desporto” defendendo “a educação física” como o melhor instrumento, asseverando até peremptoriamente que esta só podia ser exercida por médicos.
Mas os militares tinham a força das armas e os pedagogos tinham as armas da pedagogia, e fizeram ouvidos de mercador. Cada um que cozinhasse a “educação física” à sua feição.
Posto isto fica entendido como é que se constrói uma Torre de Babel, e, porque inacabada, os canadianos, logo seguidos dos franceses, entenderam desconstruí-la, inventando a expressão “actividade física”. Ali caberiam as ginásticas, os desportos, os atletismos, os lazeres, e tudo o que fizesse mexer o corpo, mas esquecidos de que a “educação física”, dado o seu vazio, já se abastecera dessa panóplia, para justificar a sua flutuação à tona da água. No fundo tratava-se apenas de substituir a problemática e indefinida “educação física”, pelas constantes dúvidas que suscitava entre os profissionais, por uma expressão mais clarificada. Em vão. Falar em “educação física” ou em “actividade física”, era falar a mesma linguagem: um era o espelho do outro.
Criado este novo e inesperado problema, trataram de compor uma teoria explicativa forçada para a “actividade física”, para justificar a diferença, mas o conteúdo cabia na perfeição na velha “educação física”. E de construção em construção, acabar-se-á por criar um edifício onde cabem todos os estilos arquitectónicos, desde a Idade Média até os nossos dias.
Ante esta insurreição, e para erradicar as “actividades físicas” e lutar pela eternidade da “educação física”, apareceu um grupo da “Faculté d’Éducation Physique et Sportive”, da Universidade de Sherbrooke, no Quebec, a publicar o “Bulletin d’Analyse Critique de l’Éducation Physique”, onde abundam as definições de “educação física”, se enaltecem as suas virtudes e se louva a sua existência. Portanto já temos várias frentes de combate: “educação física”, “ginástica”, “desporto”, “actividade física”.
(Continua)
Ah, caro João Boaventura: realmente fornece-nos amavelmente abundância de informação.
Eu, como professor, é que tenho uma certa relutância relativamente às disciplinas que se designam "educação... qualquer coisa", como também "educação musical", por exemplo. Quem é bem educado musicalmente: A Maria João Pires, o Toy (ou lá como se chama...), qualquer pessoa?...
E, isto agora é uma confissão, sempre que uma disciplina se chama "educação... qualquer coisa", e sabendo eu como tem evoluído a escola portuguesa nas últimas três décadas, e as "inovações" a que tem estado sujeita, vem-me sempe à ideia o grande "educador" Mao-Tsé-Tung".
É por isso que, enquanto professor, eu gostaria sobretudo de ensinar. Na escola, a nível do ensino secundário, a educação, em meu humilde entendimento, não se ensina: estipula-se, dá-se o exemplo e exige-se.
(continuação)
Caro José Batista da Ascenção
Talvez as variantes do signo “física” nos forneça alguma luz, já que aborda a questão da excedente “educação”, quando da “educação física se fala. Por exemplo, no 3.º ano do curso de arquitectura a disciplina de “geografia física… pretende desenvolver a capacidade científica e autoridade crítica na área do meio ambiente e, mais concretamente, na área do suporte físico do ambiente urbano”, ou dito de outra maneira, trata-se da formação do “arquitecto paisagista”. O programa abarca, em síntese, conhecimentos sobre o globo e a atmosfera terrestres, climatologia, geomorfologia, uso e gestão da água, funções da vegetação, meio biológico, e política do ambiente em Portugal.
Temos assim uma “física” no sentido platónico, já abordado por Timeu, de Platão. Para que a “geografia física” funcione eficazmente foi necessário aparelhá-la na “educação da geografia física”, exactamente nos mesmos moldes em que se criou a “educação física”, a “educação da física”, ou a “educação química”, a “educação geográfica”, a “educação filosófica”, a “educação biológica”, e outras. Trata-se aqui, especificamente, como referem os que à “educação matemática” se dedicam”, de estudos universitários atinentes ao ensino e aprendizagem da Matemática, com recurso às disciplinas de suporte (v.g. didáctica, pedagogia, psicologia), para a formação dos professores de Matemática, que, terminada a licenciatura, não se estancam nos conhecimentos adquiridos, já que se aventuram a dinamizar a disciplina através de reuniões, congressos, seminários, o que motivou a UNESCO, a partir da década de 50, a realizar “Congressos de Educação Matemática”, e não "Congressos de Matemática".
A “educação química” segue os mesmos passos propondo currículos inovadores para que o ensino da química seja atractivo e motivador. A “educação geográfica” não foge à regra como a Geographical Association o demonstra ao organizar anualmente o seu congresso. Posto isto, voltemos à “física”, signo requisitado não só pela “geografia física” mas igualmente por outras áreas: “experiência física”, “medicina física”, “forma física”. Pelo que até aqui se tem exposto as expressões merecem ser enquadradas na nossa secular “educação física” (vulgo “do corpo”). Porquê? Porque o signo “física” aborda e estuda os componentes fundamentais do Universo, quais as forças que eles exercem e quais as consequências, em razão da filosofia grega ter entendido que “física” (physique) significava “natureza”, isto é, tudo o que pertencia ao mundo natural, ao Universo físico, daqui nascendo, da concepção cosmológica aristotélica, a ciência e a cosmologia da Idade Média.
Portanto, o “físico”, o cientista ou profissional da “ciência física”, é aquele que estuda os fenómenos físicos que abarcam a mecânica, a termodinâmica, acústica, óptica, molecular, atómica, quântica… como apreendi na Faculdade de Ciências. A adopção do signo “educação física” pelos médicos dos séculos XVII e XVIII, só se explica por se ter considerado que o corpo, estando inscrito no Universo físico, regulado por leis próprias, estaria igualmente sujeito a leis próprias. Mas, a “educação física”, nos seus fundamentos, mais não era do que a obediência aos preceitos da “higiene” necessária na puericultura. É verdade que os médicos deixaram de a usar, e que a sua difusão e manutenção se devem, inocentemente, aos pedagogos e militares, por considerarem que teria uma abrangência maior que a velha ginástica. E não tem nenhuma relação com a “educação da física”.
(continua)
Conclusão
O estudo comparado pode fornecer pistas. Por exemplo, o Dr. João Filipe Matos sobre “Matemática, educação e desenvolvimento social – questionando mitos que sustentam opções actuais em desenvolvimento curricular em matemática”, propõe a eliminação da disciplina de “matemática” dos currícula do ensino básico, e sugere que, em vez da disciplina de matemática, seja criada a “disciplina ou área disciplinar de educação matemática”. A este propósito, o autor, e em apoio da sua tese, relembra, em nota de pé de página, o que se passou com a ginástica, explicando:
“Recordo que em Portugal a disciplina de Ginástica foi substituída nos anos setenta pela disciplina de Educação Física; neste caso, muito mais do que uma mudança de nome, tratou-se da introdução de uma conjunto de elementos que trouxeram uma orientação muito diferente a essa disciplina através de dimensões tais como a educação motora, saúde e higiene do corpo, o desporto nas suas diversas componentes, etc.”
A argumentação comparativa validaria a tese se a “ginástica” passasse a “educação ginástica”, o que não ocorreu. Primeiro porque nunca houve mudança de nome mas apenas a manutenção da “educação física”, como signo que passaria a englobar, no seu seio, uma panóplia de actividades, dado que a “educação física” e a “ginástica” são criações do séc. XVIII, e nunca uma superou a outra ou substituiu a outra. E em segundo lugar porque a introdução dos novos elementos apontados pelo autor ocorreu em ambos signos, isto é, “a educação motora, saúde e higiene do corpo, o desporto nas suas diversas componentes, etc.” contemplaram tanto a “ginástica” como a “educação física”.
A bem dizer acabou por dominar a “ginástica” (de contornos precisos) porque, mesmo depois de legitimada a “educação física” (de contornos imprecisos) como disciplina curricular, os profissionais desta área eram designados vulgarmente como “professores de ginástica”. O que nos conduz à aula de 25.11.1980 dos “Les Cours de Gilles Deleuze”, quando e onde Deleuze considera desnecessário indagar o que é que determinado conceito representa, porque, adianta, “é preciso perguntar qual é o seu lugar num conjunto de outros conceitos. Na maioria dos filósofos, os conceitos que eles criam são inseparáveis, e são tomados em verdadeiras seqüências.”
Parece assim responder à proliferação dos signos em que a nossa área é pródiga, mas da qual resulta uma promiscuidade que oblitera o sentido de cada um deles, embora Wittgenstein nos anime por considerar que o “signo ganha sentido apenas no seu uso” (Investigações filosóficas, São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 129). Como os filósofos têm horror ao óbvio, já posso entender as razões que levaram John Locke a considerar, no § 134:
“That which every gentleman (that takes any care of his education) desires for his son, besides the state he leaves him, is contained (I suppose) in these four things, virtue, wisdom, breeding, and learning. I will not trouble myself whether these names do not some of them sometimes stand for the same thing, or really include one another. It serves my turn here to follow the popular use of these words, which, I presume, is clear enough to make me be understood, and I hope there will be no difficulty to comprehend my meaning.” (Some thoughts concerning education, A New Edition, London: Sold by J. and R. Tonson in the Strand. 1779).”
Como se verifica pelo texto também Locke não se preocupava muito com o óbvio dos signos: "virtue, wisdom, breeding, and learning", deixando ao critério das pessoas o melhor significado que a cada um aprouvesse. Ou talvez por pensar que a expressão “educação física”, da sua autoria, iria levantar estas dúvidas que ora se expõem. E deixou rasto como vamos assistindo com o signo “educação física.”
Caro José Batista da Ascenção:
Terminei o meu comentário (30.Maio: 01:15) dirigido a si, meu Caro José Batista da Ascenção, da forma seguinte: “Levantar o problema desta ‘estranha designação’ [Educação Física], para utilizar palavras suas, é como abrir uma Caixa de Pandora”.
Na culpabilização que a mim mesmo imponho por este final, não posso voltar as costas a uma temática que está longe de ter um fim à vista, dando eu conta, entretanto, que onde a minha discordância se agudiza é na tentativa de mudança do nome de Educação Física para Motricidade Humana (tese de doutoramento defendida pelo filósofo Manuel Sérgio no Instituto Superior de Educação Física de Lisboa, actual Faculdade de Motricidade Humana).
Isto por entender, salvaguardado o devido respeito, que esta mudança espelha,de certo modo, servindo-me das palavras de André Lalanda, dicionarista de termos filosóficos, “ um certo gosto pelo equívoco e uma certa obscuridade que dá a ilusão de profundeza”. Por seu turno, Armand Cuvillier, também, autor de um dicionário de Filosofia, em citação de Léon Bérard (!876-1960), membro da Academia de França, escreve, atribuindo o apodo de “atrabilaire” aos filósofos da época: “Implantou-se o costume de empregar muitas palavras tiradas do nosso velho vocabulário, mas tomadas num sentido novo e misterioso a ponto de que se poderia crer que nos esforçamos por mais não chamar as coisas pelo nome”.
Por tudo isto, e em resumo, mesmo se, por hipótese, ultrapassada a minha discordância com um paradigma que se quer emergente (Motricidade Humana), permanece a questão do nome de Educação Física que se fez património léxico do mundo sem perder o viço das folhas primaveris no Outono corrosivo da linguagem do homem comum e, muito menos, das instituições universitárias que se dedicam ao seu estudo nos quatro cantos do globo.
Desde já declaro que, de modo algum, pretendo assumir uma acção conspirativa contra a Motricidade Humana ou os seus defensores por mais atrevidos ou recatados, ousados ou tíbios, zelotes ou verdadeiros. que eles sejam.
Unicamente pretendi emitir a minha discordância suscitada, entre outras razões de maior peso, pelo arrimo que encontro em Charles Pierce 1839-1914): “Alguns filósofos imaginaram que para encetar uma pesquisa bastava formular uma questão ou vertê-la por escrito. Recomendaram até que se começasse o estudo pondo tudo em questão. Mas o simples facto de dar uma forma interrogativa a uma questão não excita o espírito para a luta por uma crença”.
Em síntese, Manuel Sérgio tem (ele próprio o escreve) a Educação Física como areias movediças de uma “pré-ciência” e a Motricidade Humana como piso firme de uma “ciência”, assim como Karl Marx teve como “pré-história” a “história” que antecedeu a Revolução de Outubro.
Deu para entender agora, meu Caro José Batista da Ascenção, a minha alegoria quando falei do perigo da abertura da Caixa de Pandora por o simples nome de Educação Física fazer correr de fontes diferentes muita água, umas vezes cristalina, outras vezes cheia de impurezas?
No penúltimo § do meu comentário anterior (01:555) em que escrevi "areias movediças" e "piso firme", esclareço serem metáforas minhas aplicadas às expressões "pré-ciência" e "ciência" de Manuel Sérgio.
Caros João Boaventura e Rui Baptista:
Sinto-me grato pelas explanações, tão fundamentadas, de cada um.
Porém, eu, como docente do ensino secundário, vejo uma série de disciplinas ou propostas de disciplinas como: educação física, educação musical, educação ambiental, educação para a saúde, educação sexual, educação para a prevenção rodoviária, educação para a cidadania, etc, e pergunto, desde há muito: quantas educações são precisas para formar um ser humano?, ou, quantas educações há em cada ser humano?
Não estamos a elidir o significado do conceito, por dispersão e exaustão?
E depois, quando se trata de educação, como cada um tem a sua, o que os docentes fazem nas aulas mais se me afigura ideologia... E vamos tendo educação física em aulas teóricas, a testar em papel e lápis, com muitos alunos a abominá-la. Isso é bom?
Só mais uma nota: não pretendo que respondam às questões que permanecem em mim. Agradeço-lhes por dispenderem tanto tempo e palavras com as minhas preocupações, que não são teóricas, pois, além de ser professor, ainda tenho filhos no ensino secundário.
Caro José Batista da Ascenção:
Acredite que não estou a fugir com o rabo à seringa (passe o plebeísmo) das suas preocupações como professor e pai no que respeita à metodologia seguida nas aulas de educação física. Apenas estou a ultimar um "post" para publicação.
Aqui fica, portanto, a promessa de uma resposta breve embora sabendo eu estar a destapar uma nova Caixa de Pandora. Nunca fugi a desafios deste género, ademais vindo de um Colega que tem dispensado constante atenção aos meus "post's" com comentários oportunos, sempre delicados e, por isso, sempre bem-vindos.
Cordiais cumprimentos.
Meu caro Rui Baptista:
Nunca em momento algum o julguei Homem de "fugir com o rabo à seringa". Aprecio-o, a si e à sua persistente coragem.
Muito grato.
Com toda a cordialidade.
Resposta ao comentário de José Batista da Ascenção (31. Maio; 20:11):
Ponho de parte a discussão do nome de Educação Física (como terá visto, tanto eu como o João Boaventura afadigámo-nos em deslindar uma meada de que não se encontra o fim).
Assim, começo por responder à sua pergunta: “Quantas educações são precisas para formar um ser humano? Julgo que a resposta pode ser encontrada numa educação integral que, para Denzel, é alcançada pelo “desenvolvimento harmonioso das faculdades físicas, morais e intelectuais”.
Quanto ao conceito de educação, as definições mais que abundam, mas revejo-me na definição de Kant: “A educação consiste em desenvolver, em cada indivíiduo, toda a perfeição de que ele é susceptível”.
Ou seja, na perspectiva de uma educação integral, a Educação Física escolar assume papel de grande relevância que o falecido presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, soube traduzir com rara felicidade num artigo com o sugestivo título “The soft american” ( O Americano Mole):”A aptidão Física não é apenas uma das mais importantes chaves para se ter um organismo sadio, é a base da actividade intelectual criativa e humana. A relação entre a saúde do corpo e as actividades da mente é subtil e complexa. Ainda falta muito para ser entendida. Os gregos, porém, ensinaram-nos que a inteligência e a habilidade só podem funcionar no auge da sua capacidade se o corpo estiver sadio e forte; que os espíritos fortes e as mentes confiantes geralmente habitam corpos sadios”.
De quando em vez, por incompreensão para com aqueles que vêem na Educação Física uma cabeça a pensar com os pés, surgem exageros como o do congressista americano Woods Hutchinson que afirmou, perante membros do governo, “ser preferível um campo de jogos sem uma escola a uma escola sem campo de jogos”!!!
Mas respondendo directamente ao cerne da sua questão, com a excepção da Opção de Desporto, sou contra uma Educação Física sedentária em que a educação pelo movimento é substituída por uma educação com aulas teóricas e realização de testes de avaliação escritos. E sinto-me bem respaldado neste contexto por assistirmos a uma sociedade mecanizada que enfraquece os músculos , desvitaliza os ossos, põe o sistema cardiovascular a trabalhar ao ralanti, dá azo ao aparecimento das chamada doenças hipocinéticas da sociedade dos nossos dias de que Alexander Berg (doutorado em Matemática pela Universidade da Califórnia) lança o alarme com dados estatísticos, na última metade do século XX:” A força muscular do homem e doa animais domésticos produz 1% de toda a energia produzida e consumida na terra, quando, em meados do século XIX, produzia 94%”.
Nesta altura ainda não tinha surgido em Portugal o peregrino Magalhães que viaja até à Venezuela (claro que não estou a falar do navegador Fernão Magalhães) que crianças enfermiças, por falta de exercício físico, não pode ser uma patente portuguesa, só nossa.
(CONTINUA)
(CONTINUAÇÃO)
Para obviar razões dou conta de um relatório recente do Parlamento Europeu, aprovado por ampla maioria: 590 votos a favor, 56 contra e 21 abstenções (pelo que se passa nas nossas escolas, como nos diz, desconfio que os votos contras tiveram o sinete dos “nossos deputados”).
Defende esse relatório uma carga horária de educação física nos ensinos básico e secundário que contemple um MÍNIMO de três horas semanais. Uma da razões apresentadas em defesa desta medida reporta-se ao facto dos jovens portugueses, espanhóis e italianos, entre os 7 e 8 anos, excederem em 30% os níveis de peso e obesidade. E acrescenta o relatório que este excesso de peso não se fica tanto a dever a uma elevada ingestão de alimentps, mas mais a uma declarada inactividade física: essas crianças não comem mais, mexem-se menos. Ou seja, segundo Gasc, são “ostras fixadas ao rochedo”.
Suponhamos, ainda que em mera hipótese, que um doente chega a um consultório médico. O médico em vez de lhe diagnosticar o padecimento e ministrar-lhe a medicação conveniente, senta-o a uma secretária para ouvir prelecções teóricas de anatomia e fisiologia para passado uns dias o obrigar a prestar provas escritas da “ciência” aprendida ou não.
Caricato não é, meu Caro António Batista da Ascensão. Mas foi a melhor forma que encontrei para uma resposta directa à sua pergunta: “Isso é bom?” Não é bom, nem mau. É péssimo!
Assim como há programas maus nas outras disciplinas, a educação física dificilmente fugiria à regra. Regra que deve ser mudada em benefício da juventude portuguesa. Trata-se até de uma grave questão de saúde pública!
Muito bem.
Muito obrigado.
Estou de acordo.
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