sábado, 17 de outubro de 2009
Telómeros e Telomerase…Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina
Texto do bioquímico António Piedade, acabado de sair em "O Despertar":
A história biológica de cada um começou numa única célula. Essa célula primeva dividiu-se num número astronómico de outras células que materializam o que somos hoje, incluindo as células dos órgãos que permitem a leitura destas linhas.
Todos os dias, milhões de células morrem no nosso corpo sendo substituídas por outras para que as funções vitais sejam efectuadas com uma harmoniosa bio-economia, contribuindo para o estado geral de saúde. No decurso deste crescimento, reposição e regeneração celular, ocorre uma complexa coreografia de fibras proteicas e outras biomoléculas que trata em dividir uma célula em duas e replicar, sem erros, biliões de informações contidas em 46 cromossomas que albergam o nosso genoma, codificado numa longa molécula de ADN (ver como exemplo aqui).
Na divisão celular, ou mitose, cada uma das células resultantes recebe uma cópia exacta de cada um dos cromossomas. A compreensão de como isto acontece foi sempre considerada decisiva para entender diversos processos celulares, incluindo o da morte celular. Como é que os cromossomas, ou melhor, o ADN que os compõe, são copiados? Quando é que a célula “sabe” que deve iniciar a copiar a informação genética? Têm as células relógios nos seus cromossomas? Como é que as extremidades dos cromossomas são copiadas e como é que ficam protegidas? Há algum “nó “no fim dos cromossomas que evite que o ADN se desenrole ou que seja “danificado”?
Inúmeros cientistas contribuíram nos últimos 70 anos para compreender a duplicação e divisão dos cromossomas. E muitos deles receberam o prémio Nobel por isso. De novo, o prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina (ver aqui) galardoou o trabalho desenvolvido nos últimos vinte anos por Elizabeth H. Blackburn, Carol W. Greider e Jack W. Szostak, sobre os mecanismos envolvidos na cópia e protecção das extremidades dos cromossomas, ou Telómeros (do grego telos, final, e meros, parte). Este trio desvendou a sequência inscrita no ADN presente nos telómeros: a sequência terminal de bases repete milhares de vezes o verso 5’-TTAAGGG-3’ (T = Timina; A = Adenina; G = Guanina) e este padrão é comum a outras espécies, desde organismos simples ao Homem. Depois descobriram que a duplicação desta sequência é efectuada por uma proteína, a Telomerase, diferente das outras proteínas que duplicam o ADN do resto do cromossoma. Identificaram ainda que esta proteína com actividade catalítica, ou enzima, contem na sua constituição um molde de outro ácido nucleico, o ARN (que difere do ADN, entre outras coisas, pelo facto da Timina estar substituída pelo Uracil). Este molde é utilizado para repor ou adicionar a sequência TTAAGGG no fim da cópia do ADN no cromossoma. Ou seja, se a telomerase não estiver presente, ou a sua actividade estiver diminuída, aquela sequência não é reposta e o cromossoma “encolhe” em cada divisão celular. Se a telomerase estiver activa fica garantida a duplicação exacta do telómero.
Sabemos hoje que a telomerase está activa em células estaminais embrionárias mas não em células adultas somáticas. Uma constante das células tumorais e cancerígenas, que advêm das células adultas ou somáticas, é a aparente reactivação da actividade da telomerase e concomitante explosão na actividade mitótica com jeitos de imortalidade.
Embora conheçamos desde o ano 2000 (ver aqui) que o gene hTERT, que codifica a parte proteica da telomerase (que em rigor é um complexo ribonucleo-protéico, com actividade transcriptase reversa), se encontra no cromossoma 5 (em rigor 5p15.33), diga-se em abono da curiosidade que outras investigações recentes nos sustentam a suspeição de uma origem viral para a telomerase (ver aqui), algo ocorrido nos primórdios dos esboços cromossómicos que conduziram à célula eucariótica “moderna”.
Estas descobertas têm contribuído para o nosso entendimento sobre o processo natural de gestão da longitude e estabilidade de cada um dos cromossomas e logo de um certo marcador celular da “idade” histórica do indivíduo, ou envelhecimento. Isto é, um menor comprimento do telómero, indica que a célula é resultado de um já grande número de cópias e que se calhar, de igual forma que um documento fotocopiado muitas vezes, a fidelidade do que está a ser copiado em relação ao conteúdo existente naquela longínqua célula primeva é muito deficiente: está pois chegada a hora da senescência e a célula fica incapaz de se dividir.
(contínua para o prémio Nobel da Química)
Figuras: Cromossoma e modelo da telomerase
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