sábado, 12 de setembro de 2009

Breve história dos vírus 1

Artigo do bioquímico António Piedade publicado no jornal "Despertar", primeiro de uma série:

Os vírus, esses envelopes proteicos (algumas vezes também com lípidos) encapsulando ácidos nucleicos (ADN ou ARN), nunca foram tão mediatizados como nos dias que correm. Estas estruturas sub-microscópicas, com um diâmetro inferior a meio milionésimo do milímetro, têm sido recente e recorrentemente notícia de abertura na informação televisiva, capa de jornais, tema de debate, conteúdo de sítios na Internet, conversa entre familiares e colegas de trabalho, ganhando terreno às atribulações futebolísticas e aos folhetins do jet-set, à rendilhada coscuvilhice do croché das nossas vidas. Dito de outra forma, temos estado a imergir o planeta com ondas sonoras e electromagnéticas com conteúdos virais!

Esta invasão de vírus nas redacções da sociedade de informação e nas redes cibernautas sociais (Twitter, Facebook, Blogs, etc.) muito se deve à galopante disseminação pandémica do vírus causador da gripe A (H1N1). Mas, na verdade, aquilo que poderia parecer, numa primeira leitura, um aumento de informação científica e clínica sobre o vírus, espalhada pelo vento mediático pelos quatro cantos do mundo, não é mais do que um conjunto de directrizes, embora importantes, que visam alterar o nosso comportamento social para tentar travar a dispersão do vírus pelo biosfera humana.

De facto, pouca informação tem passado sobre o vírus em si. Dir-me-ão que, não podendo e não havendo tempo para fazer melhor, o importante e prioritário é difundir medidas de saúde pública claras e de entendimento universal. Para massificar comportamentos adequados. Para evitar centenas de milhar (ou milhões) de mortes e também para minorar o impacte da doença na debilitada economia mundial. Concordo com a urgência da mensagem. Contudo, no meio de tão grande caudal informativo, que começa a cansar por ser repetitivo e maçudo, e que começa a poder prejudicar a eficácia na difusão de informações novas, não ficaria mal um pouco de informação sobre o que é que são os agentes desta e de outras gripes, assim como de outras doenças que sempre afligiram a humanidade, e como e porquê nos infectam.

Sabemos que um dos grandes problemas na relação médico-paciente reside no facto de este último não seguir o tratamento prescrito pelo primeiro. E isto acontece, a meu ver, devido ao facto de o clínico dizer como é que o doente deve efectuar o tratamento sem, pelo menos, tentar explicar um bocadinho as razões do tratamento. É que, se o doente interiorizar por que razão se não seguir o procedimento indicado o medicamento não fará o efeito pretendido, então talvez saia do consultório mais auto-responsabilizado, aumentando assim a eficácia do tratamento.

Regressando à gripe, assistimos diariamente à insistência numa informação quantitativa, que busca credibilidade apresentando o número de contágios, o número de casos graves, o número de mortes, mas não traz quase nada de carácter mais qualitativo sobre a justificação da virulência diferenciadora da nova estirpe, sobre a racionalidade do que devemos fazer para evitar o contágio, sobre a explicação dos motivos porque somos vulneráveis aos vírus de uma maneira geral.

Ora bem, é exactamente neste contexto que, creio, posso utilizar este espaço. Assim, e sem querer ser pretensioso nem exaustivo, vou tentar transmitir uma breve história dos vírus. Farei uma viagem temporal que se inicia há cerca de 3,6 mil milhões de anos, numa altura em que, ao que sabemos, o nosso planeta assistia à primeira explosão de vida. Nesse contexto, apresentarei as diferentes hipóteses sobre a origem dos vírus, discutirei as diferentes opiniões sobre o papel destes na evolução da vida! Este recuo no tempo será importante para percebermos por que razão os vírus são capazes de infectar animais, plantas e bactérias com uma eficácia avassaladora. Porque é que os especialistas têm dúvidas em classificá-los como seres vivos (opinião que poderá chocar os que, estando vivos, são infectados com os vírus - mas a questão foi e, para alguns, ainda é pertinente: podemos ficar intoxicados com metais pesados como o chumbo, não é?). Porque é que suspeitamos que os vírus poderão ter sido actores principais no processo evolutivo que permitiu o aparecimento de células com ADN. Porque é que novas terapias os utilizam, fazendo uso da sua eficaz capacidade de transportar substâncias para dentro de células predestinadas no nosso organismo, visando terapias desenhadas individualmente caso a caso.

Enfim, tentarei dar uma visão alargada do passado, presente e futuro da nossa convivência com os vírus. Em tudo isto há um denominador comum: esta gripe não foi a primeira e não será certamente a última a incomodar-nos, uma vez que os vírus, assim como a vida, estão em constante evolução.

Legenda da figura 1:
Microscopia electrónica de transmissão de um capsídeo do vírus do herpes labial humano no interior de envelope lipídico. Diâmetro cerca de 100 nm (1 nm – milionésima parte do milímetro). Um glóbulo vermelho, com um diâmetro médio de 0,01 mm, é cerca de cem vezes maior (http://web.uct.ac.za/depts/mmi/stannard)

Legenda da figura 2:
Microscopia electrónica de transmissão de um aglomerado de vírus influenza tipo A causador de gripe. Fotografia de C. S. Goldsmith e A. Balish.

António Piedade

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