A propósito do pequeno texto de Francesco Alberoni sobre os exames escolares antes publicado, um leitor do De Rerum Natura enviou-nos um comentário que destacamos, pelo facto de aquilo que é do domínio da educação, tal como tudo o resto, não poder deixar de se cruzar com a literatura e, em particular, com a poesia.
"Só quando temos que enfrentar um exame é que nós nos apercebemos do que podíamos e devíamos ter feito. Antes tendemos a deixar-nos embalar pelas ilusões, a imaginar o mundo como nos gostaria que fosse" (Francesco Alberoni, 1995).
Há uma passagem no poema O Guardador de Rebanhos do Fernando Pessoa (Alberto Caeiro):
XLI
No entardecer dos dias de Verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa...
Mas as árvores permanecem imóveis
Em todas as folhas das suas folhas
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão,
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria...
Ah, os sentidos, os doentes que vêem e ouvem!
Fôssemos nós como devíamos ser
//
E não haveria em nós necessidade de ilusão ...
Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida
E nem repararmos para que há sentidos ...
Mas graças a Deus que há imperfeição no Mundo
Porque a imperfeição é uma cousa,
E haver gente que erra é original,
E haver gente doente torna o Mundo engraçado.
Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos,
E deve haver muita cousa
Para termos muito que ver e ouvir...
terça-feira, 18 de agosto de 2009
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3 comentários:
A propósito de exames deixo aqui esta carta de Eça de Queirós a Oliveira Martins:
"Bristol, 29 de Julho de 1886
Meu Querido Oliveira Martins.
O portador desta carta será, creio eu, o sobrinho de minha mulher, D. Luís de Castro, que vai fazer exames - exames que ele te explicará, porque eu nada compreendo das divertidas complicações da pedagogia nacional. Sei apenas que, quando um rapaz quer ser engenheiro - o Estado imediatamente lhe ensina Retórica e Direito Canónico: e quando o temperamento de outro moço o inclina para a Teologia - logo o Estado o torna proficientíssimo em Desenho Linear e Botânica. Quando eu estava no Porto, assisti com efeito ao pavoroso espectáculo dos estudos de Luís de Castro: ele quer ser, creio eu, engenheiro naval: e para isso andava introduzindo dentro do crânio, por meio de um martelo e de um compêndio, um tratado de direito civil, as "Éclogas" de Virgílio e a lista de todos os reis de França e de Inglaterra, com os seus nomes, os seus números, as suas alcunhas, as suas famílias, os seus bastardos e as suas fundações pias. E foi então que eu compreendi a filosofia e a secreta moral do empenho. O empenho, tão caluniado pelos austeros, é por fim a salvação do País.
O empenho é o correctivo do bom senso público aplicado ao disparate oficial. Sempre que um regulamento, saído de um antro burocrático, impôe ao público uma prática tola - o público coliga-se por meio do empenho, para lhe anular os efeitos funestos. O Estado, imbecil, exige que meu filho ou sobrinho, que quer ser engenheiro, saiba de cor a Lógica do João Dória e a Retórica do Cardoso?... Pois bem, eu o lograrei, na sua imbecilidade! E vou direito ao examinador e, por meio do empenho, consigo que o rapaz venha a ser engenheiro, sem nada saber dos impossíveis físicos e metafísicos e da Teoria do Silogismo. Tal é o grande, nobre papel do empenho na sociedade portuguesa: ele é a conjuração do bom senso positivo contra o idealismo obsoleto e tolo das instituições.
Este aranzel tende a acalmar a tua consciência de filósofo e de patriota - quando eu agora te pedir, com instância que te empenhes para que D. Luís de Castro seja aprovado em todas essas matérias que o Estado lhe fez decorar, que ele decorou com paciência e submissão, mas que, no momento preciso, lhe podem esquecer - como todas as coisas que a gente sabe só de cor, e só em obediência ao Estado!
Como esta carta é só de empenho, não te falo em outros assuntos - a não ser em dois igualmente interessantíssimos para Portugal e para mim: quando há probabilidades de que tu, ENFIM, nos comeces a governar? E quando aparecem os sonetos de Santo Antero?
Abraça o Santo, e tu, recebe abraço igualmente afectuoso, do teu do C.
Queirós”
A "coisa" vem de longe...
Américo Oliveira
A coisa até pode vir de longe, mas não é inata!!!
Essa é que é essa!!!
A coisa até pode não ser inata, mas não nos larga!
Essa é que é essa!
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