Foi publicado o diploma legal que obriga a introdução da educação sexual no ensino básico e secundário. É a Lei n.º 60/2009, de 6 de Agosto. Consultei-a e (infelizmente) não me surpreendeu, por ser em tudo semelhante às restantes que regem a nossa escola.
1. Antes de mais, tenho a dizer que a lei está escrita naquela retórica que, enfim, nos deixa perplexos perante tanta imaginação de manobrar o português. Por exemplo: “valorização da sexualidade e afectividade entre as pessoas no desenvolvimento individual respeitando o pluralismo das concepções existentes na sociedade portuguesa” significa, exactamente, o quê!?
2. Propõe-se a lei, de modo claramente irreal, levar as escolas a resolver, de um momento para o outro, antigos e graves problemas da sociedade (sublinho o que se me afigura serem grandes exageros): “A eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual”; "A capacidade de protecção face a todas as formas de exploração e de abuso sexuais”.
3. É uma lei politicamente correcta, pois invoca, como sempre, o “respeito”, por tudo e por todos (como se tal fosse possível e, até, desejável): “O respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais”. (Em texto posterior tentarei explicar melhor a imposição do dever de repeito independentemente das circunstâncias).
4. É uma lei que põe em primeiro plano os “clientes do sistema”, ou seja, alunos e famílias, os professores e outros técnicos, a quem se deveria reconhecer competência de decisão em matéria de educação formal, vêm a seguir: “O reconhecimento da importância de participação no processo educativo de encarregados de educação, alunos, professores e técnicos de saúde”; “Os encarregados de educação, os estudantes e as respectivas estruturas respresentativas devem ter um papel activo na prossecução e concretização das finalidades da presente lei” (…) "são informados de todas as actividades curriculares e não curriculares desenvolvidas no âmbito da educação sexual”.
5. Contempla-se na lei que os alunos, além destas grandes responsabilidades (não posso deixar de retomar uma passagem do que acabei de transcrever: “devem ter um papel activo na prossecução e concretização das finalidades da presente lei”), terão outras de igual estatura: haverá nas escolas um gabinete de atendimento, que será organizado com a sua participação, devendo estar “especialmente envolvidos na definição dos seus objectivos”.
6. Como não poderia deixar de ser, a lei imputa aos professores, além da leccionação desta a nova vertente educativa (será que é mesmo nova?), mais tarefas burocrática e de coordenação. Logo em Setembro têm de ter a educação sexual incluída no Projecto Educativo de Escola e no Projecto Educativo de Turma, numa lógica disciplinar, interdisciplinar, transversal. Colaborando entre si, em equipa, têm, ainda, entre outras tarefas de “Promover o envolvimento da comunidade educativa” e “Organizar iniciativas de complemento curricular (…) adequadas”, “estabelecer parcerias”….
7. É uma lei que sobrecarrega o currículo e obriga a (mais) reajustamentos, quando já é tão difícil gerir as suas inúmeras e espartilhadas componentes.
8. É uma lei que dá liberdade às escolas (quer dizer, às comunidades escolares) para escolherem os conteúdos, as temáticas a serem tratadas… Dispensam-se, pois, especialistas no assunto e em psicologia e em organização curricular…, pois tem-se por certo que as populações sabem o que as suas crianças e jovens devem aprender, sendo que estas e estes também o sabem.
9. É uma lei que dá liberdade às escolas… bom, talvez não seja bem assim, pois os seus termos são bem explícitos no controlo exercido sobre elas. Para tanto, os Projectos Educativo de Escola e de Turma terão de ser detalhadíssiomos, devendo o Ministério “garantir o acompanhamento, supervisão e coordenação da educação para saúde e educação sexual nos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, sendo responsável pela produção de relatórios de avaliação periódicos baseados, nomeadamente, em questionários realizados nas escolas”.
Porém, tudo o que disse até aqui é de menor importância face ao que refiro de seguida.
1. É uma lei que permite ao Ministério da Educação, imiscuir-se nas opções que cabem aos sujeitos individuais, que derivam da liberdade de escolha de cada um, só assim se percebe que, sem quaisquer reticências, se proponha à “melhoria dos relacionamentos afectivo-sexuais dos jovens”.
2. É uma lei que permite ao Ministério da Educação descurar a ideia, que foi tão difícil de conquistar, que a criança é criança, o jovem é jovem, por outras palavras nem uma em é adulto em miniatura, nem o outro é quase adulto. Descurando esta ideia, nega-se a especificidade das suas idades, atribuindo-lhes a capacidade de decisão consciente, que, por princípio, carasteriza a adultez. Só nesta lógica se percebe que pretenda desenvolver-se competências “que permitam escolhas informadas e seguras no campo da sexualidade” e se “assegura aos alunos o acesso aos meios contraceptivos adequados”.
3. Assim sendo, é uma lei que permite ao Ministério da Educação ultrapassar em muito as suas atribuições educativas e formativas, interferindo directa e operacionalmente em comportamentos e sentimentos das crianças e dos jovens, sendo que, neste particular, os encarregados de educação, a que tanto se solicita participação, ficam, presumo, à margem do aconselhamento proporcionado aos seus educandos em matéria sexual, uma vez que este decorre nas escolas num ambiente de "confidencialidade”.
Chamo à atenção que, em termos legais, os menores (estamos efectivamente a falar de menores, a partir dos seis anos), para participarem em toda e qualquer actividades escolar que saia da rotina, precisam de autorização prévia dos seus pais/encarregados de educação, o mesmo acontecendo na vida em geral, sendo estes os responsáveis máximos pelo seu bem-estar.
4. É uma lei assente no modelo médico, de educação para a saúde, entendida esta no sentido biológico, o qual está bem patente no seguinte objectivo: “compreensão científica do funcionamento dos mecanismos biológicos reprodutivos”. Presumo que se recorre a tal modelo com a preocupação utilitarista e imediatista de se conseguir a “redução de consequências negativas dos comportamentos sexuais de risco, tais como a gravidez não desejada e as infecções sexualmente transmissíveis”.
Trata-se de um modelo que, podendo ter relevância, é nitidamente insuficiente para formar as crianças e jovens em termos afectivos e sexuais, como a lei se propõe. Usado em exclusivo e desta maneira que assinalei, poderemos conjecturar os seus efeitos adversos no desenvolvimento pessoal e relacional. A cautela mandaria ir por outro caminho que não este.
Finalmente, o que dizem os sindicatos, que são sempre ouvidos? E a Confederação Nacional das Associações de Pais que tanto se tem pronunciado sobre o assunto?
Ao que li na imprensa, os primeiros estão muito preocupados com o reduzido número de professores com formação na área e o representante da segunda, com os “protocolos com entidades, como os centros de saúde ou o instituto de apoio à criança, com provas dadas no terreno".
Como afirmei em texto anterior, temos o Ministério da Educação e as leis sobre educação que, como sociedade, merecemos!
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