quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Um tijolo é um objecto essencial?

Não me parece que se deva entender o texto que se segue, da autoria do físico Richard Feynman, como um manifesto contra os filósofos, nem contra ninguém ou disciplina em particular. Parece-me que se deve entender apenas e só como uma denúncia bem disposta dum certo modo de falar, escrever e, possivelmente, pensar. Trata-se duma história que, se bem entendida, nos ajuda a ter cuidado na forma como comunicamos, qualquer que seja a área em que nos situemos.

"Eu sentava-me sempre com os físicos, mas ao fim de algum tempo pensei: «Era agradável ver o que faz o resto do mundo e, por isso vou sentar-me durante uma semana ou duas em cada um dos outros grupos.»

"Quando me sentei com os filósofos, ouvi-os discutir com muita seriedade um livro chamado Processo e realidade de Whitehead. Utilizavam as palavras de maneira estranha e eu não conseguia perceber muito bem o que diziam. Ora eu não queria interromper a conversa deles para estar sempre a pedir que me explicassem qualquer coisa e, nas poucas ocasiões em que o fiz, eles tentavam explicar-me, mas eu continuava a não perceber. Por fim convidaram-me a ir ao seu seminário (...).

O que lá aconteceu foi típico — tão típico que era inacreditável, mas verdadeiro. Ao princípio sentei-me sem dizer nada, o que é quase inacreditável, mas também verdadeiro. Um aluno fez uma exposição sobre o capítulo a estudar nessa semana. Nesse capítulo, Whitehead usava frequentemente as palavras «objecto essencial» dum modo técnico particular, que tinha presumivelmente definido, mas que eu não compreendia.

Depois de alguma discussão sobre o significado de «objecto essencial», o professor que dirigia o seminário disse algo com o intuito de clarificar as coisas e desenhou no quadro qualquer coisa semelhante a raios. «Sr. Feynman», disse ele, «diria que um electrão é um «objecto essencial?»

Bem, agora é que eu estava em apuros. Admiti que não tinha lido o livro, pelo que não fazia ideia do que Whitehead queria dizer com a frase (...). «Mas, disse eu, vou tentar responder à pergunta do professor se me responderem primeiro a outra pergunta, para que eu possa ter uma ideia melhor do que significa «objecto essencial». Um tijolo é um objecto essencial?» (...).

Então vieram as respostas. Um indivíduo levantou-se e disse: Um tijolo é um tijolo específico, individual. É esse o significado de objecto essencial para Whitehead. Outro afirmou: Não, não é o tijolo individual que é o objecto essencial; é a característica geral que todos os tijolos têm em comum — a sua qualidade de serem tijolos —, isso é que o objecto essencial. Outro tipo levantou-se e disse: «Não, não está nos próprios tijolos. «Objecto essencial» significa a ideia que temos no nosso espírito quando pensamos em tijolos». Outro tipo levantou-se e outro, e digo-vos que nunca ouvi antes maneiras tão diferentes e engenhosas de encarar um tijolo. E, exactamente como seria de esperar em todos as histórias sobre filósofos, acabou num caos completo. Em todas as discussões anteriores, nem sequer se tinham interrogado se um objecto tão simples como um tijolo era um objecto essencial, quanto mais um electrão.

Depois, disso, à hora do jantar dirigi-me para a mesa da biologia. Tinha-me interessado por biologia e os tipos falavam de coisas muito interessantes (...)."

Referência bibiográfica: Feynman, R. (1988). Está a brincar Sr. Feynman: Retrato de um físico enquanto homem. Lisboa: Gradiva, páginas 71-72.

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