domingo, 30 de agosto de 2009

Porque caiu a Monarquia?


Mais um post a propósito do próximo Centenário da República da autoria do historiador António Mota de Aguiar (na foto, José Relvas proclama a República à varanda dos Paços do Concelho em Lisboa, onde recentemente um grupo monárquico hastou a bandeira das suas cores)

Se revirmos a história dos últimos anos da Monarquia compreenderemos melhor porque foi a vida da Primeira República tão atribulada e de tão infeliz sucesso. A recordação de alguns factos históricos ajudar-nos-á a compreender melhor porque caiu a Monarquia (ver aquiReflexões para o Centenário da 1ª República”). E também porque, mais tarde, caiu a Primeira República.

Quando, em 1889, D. Carlos inicia o seu reinado, o país está em vésperas de bancarrota, ou, dito por outras palavras, não há dinheiro para comprar no estrangeiro aquilo que os Portugueses necessitam para as suas vidas quotidianas, que o país praticamente não produz. A única solução que o Estado encontra é pedir dinheiro emprestado no estrangeiro, agravando a já de si grande dívida pública.

Em 1890 recebemos o aviltamento do “mapa cor de rosa” e, de certo modo, os Portugueses fazem ‘harakiri’ pela vergonha nacional sofrida. É então que se dá a revolta republicana de 31 de Janeiro no Porto em 1891. Os manuais da História de Portugal referentes a estes últimos anos do rotativismo dão-nos conta de sessões parlamentares turbulentas, insultuosas e inúteis, dominadas por interesses partidários. A monarquia parlamentar treme, mas vai-se aguentando.

O “país da tanga” vai pedindo dinheiro emprestado lá fora e, cá dentro, D. Carlos I continua a gastar bem, recebendo, como “adiantamentos”, importantes somas de dinheiro. Apesar do país lhe facilitar uma vida luxuosa e parasitária, não deixava de o considerar uma “piolheira”. Os últimos anos do rotativismo foram marcados por sucessivos escândalos financeiros, enquanto a maioria dos portugueses permanecia na miséria.

De revolta atrás de revolta chegamos ao regime de violência e repressão de João Franco, à greve académica de 1907 (ver aqui "A Greve Académica de 1907 em Coimbra").

A sociedade portuguesa chegara ao caos total, a monarquia podre e desacreditada ruíra, caindo por todos os lados, sem salvação possível. O sentimento de que a sociedade portuguesa caminhava para o abismo era sentido por muitos. O Regicídio, pressentido no tempo, foi um acto tresloucado, uma manifestação de ódio inútil, com consequências desastrosas para os republicanos, como João Chagas previa e temia [1], E como veio, de facto, a acontecer.

A implantação da República a 5 de Outubro de 1910 teve sucesso não só pela boa organização dos revoltosos, mas também pela desmoralização dos monárquicos: os monárquicos estavam divididos por lutas viscerais, poucos se levantaram para salvar a monarquia. A monarquia estava podre, não havia saída possível para o sistema.

Entre os principais mentores da revolta militar republicana: João Chagas, Miguel Bombarda, Machado Santos, António José de Almeida, António Maria da Silva, Cândido dos Reis, etc., não figuram Afonso Costa, que se afastara dos preparativos militares [2], e Bernardino Machado [3], por achar que ainda não tinha chegado a hora de uma revolução pelas armas.

No decurso dos acontecimentos militares, um dos principais protagonistas da revolta, o Almirante Carlos Cândido dos Reis, pensando que o golpe tinha falhado, suicidou-se. Ficámos a dever a Machado Santos, que correu de armas na mão para a Rotunda, em Lisboa, o sucesso do golpe militar. Após a vitória na Rotunda, a República foi implantada no resto do país, por telégrafo. Isto quer dizer que a implantação da República foi por um fio!

Estes pormenores, não tiram em nada valor aos revolucionários republicanos de 1910, mas retiram-no aos monárquicos, que não se bateram pelo seu regime político - na verdade, não o fizeram por que não acreditavam nele.

Que herdou a república do regime monárquico? Uma dívida externa abissal, o caos político, a miséria generalizada, uma economia em farrapos, cerca de 80% de analfabetos. Como consequência desta situação de caos, a partir de 1910 alguns homens têm projectos políticos próprios, prontos a fazê-los vingar pelas armas, caso necessário, mas ninguém sabe o que é uma Democracia, por que ninguém a praticara antes.

Como é que, nestas condições, se poderia construir um outro país? O caos envolvente faz-se cedo sentir na sociedade portuguesa após o 5 de Outubro: António José de Almeida, que electrizara multidões com os seus discursos em prol da República, era agredido, insultado e enxovalhado a 11 de Outubro de 1911, por “arruaceiros” [4] em pleno Rossio, em Lisboa. Que queriam esses arruaceiros? Nada. Simplesmente, em “casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão”

Em Outubro de 1910, a sociedade portuguesa assentava numa contradição: se, como ideal, pairavam ideias generosas (“Liberté, Egalité, fraternité"), na prática continuavam instaladas a desordem, a fome, a miséria, e o analfabetismo, aproveitadas pela ambição de alguns...

António Mota de Aguiar

NOTAS
[1] João Chagas, Cartas Políticas, Oficînas Bayard, 1908
[2] João B. Serra, in História da Primeira República Portuguesa, Coordenação de Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, pp. 43-52, Tinta da China, Lisboa, 2009
[3] João Chagas, Cartas Políticas, Vol. IV, pp. 105-107, Oficînas Bayard, 1908
[4] “A Lucta” de Outubro de 1911.

8 comentários:

Américo Oliveira disse...

Adolfo Hitler, quando questionado pelos seus mais próximos sobre o que diriam as gerações futuras sobre os métodos usados pelos nazis, lembrou-lhes que quem escreve a História são os vencedores...

Freitas disse...

Algo que nunca vem mencionado nos manuais de História é a grande contribuição que os anarquistas deram para a revolução de 1910.

Américo Oliveira disse...

E o contributo das sociedades secretas como a Carbonária e a Mão Negra?
Da primeira conhece-se a participação no regicídio e pouco mais. E das restantes?

Xico disse...

Como se o mal do país fosse sentar-se em Belém um rei e o bem do país sentar-se um plebeu.
Para além da mudança do inquilino de Belém, o que verdadeiramente mudaram os republicanos? Já não falo do fracasso democrático e de liberdade que teve o seu auge em 1928!E toda essa crise de que fala, é culpa de D. Carlos? Ninguém defendeu a monarquia! Será que foi porque Portugal não tinha monárquicos? Terá republicanos? Parece-me bem que D. Carlos tinha razão! Tem piolhos...

Fernando Martins disse...

Caro Senhor:

Diz no seu texto isto:
"Apesar do país lhe facilitar uma vida luxuosa e parasitária, não deixava de o considerar uma “piolheira”."

Pode-me dizer a fonte, sem ser apócrifa ou de textos da I República, onde El-Rei D. Carlos diz tal barbaridade...?!? É que me parece que repetir uma mentira não a torna verdade...

A. Mota Aguiar disse...

Respondo ao comentário de Xico:

De facto sentar-se em Belém um rei ou um plebeu faz, em Portugal, muita diferença. Veja o que diz a História de Portugal.
Tivesse eu nascido na Escandinávia, ou mesmo na vizinha Espanha, não tinha nenhum problema em apoiar a monarquia.

Respondo ao comentário de Fernando Martins:

A expressão "piolheira" vem mencionada por:
Maria Alice Samara, página 63 in
Fernando Rosas / Maria Fernanda Rollo
"História da Primeira República Portuguesa"
Tinta da China, Lisboa, 2009

(devo dizer que já encontrei essa expressão noutros livros de História)

A. Mota de Aguiar

Fernando Martins disse...

Caro Senhor:

Portanto posso assumir que é apócrifa - os vencededores reescrevem a História sempre...

Recordo-lhe apenas que já li por dezenas de vezes que D. Carlos foi acusado de chamar piolheira a Portugal, sem nunca se provar que o disse ou escreveu. E é pena que alguém que amava profundamente Portugal seja repetidas vezes conspurcado pela propaganda republicana, como aqui fez.

Anónimo disse...

A propósito da expressão «piolheira», sugiro a leitura do seguinte post: http://centenario-republica.blogspot.com/2010/01/breve-historia-da-piolheira.html
É óbvio que D. Carlos não proferiu semelhante expressão, pelo menos em público. Mas deu imenso jeito aos republicanos que o tivesse feito. Portanto, «fê-lo». É a lógica do regime.

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