sexta-feira, 28 de agosto de 2009
PORTUGAL DESIGUAL
Minha crónica no "Público" de hoje:
Agora que se aproximam eleições legislativas, vale a pena interrogar-nos sobre quais são os nossos principais problemas. Se o fizermos, será inevitável a conclusão de que uma das questões que mais nos devem preocupar é a enorme disparidade de rendimentos que persiste entre os mais ricos e os mais pobres. Somos um país de enormes contrastes sociais e há fortes indícios de que a recente crise económica internacional (que se soma à crónica crise nacional) veio aumentar ainda mais o desnível entre os grupos sociais com mais e menos rendimentos.
Um livro recente publicado na Grã-Bretanha – The Spirit Level: Why More Equal Societies Almost Always Do Better (Allen Lane, 2009), de Richard Wilkinson e Kate Pickett, epidemiologistas das Universidades de Nottingham e York – veio chamar a atenção para a relevância desse indicador. Dentro de um grupo de vinte países desenvolvidos, Portugal aparece no topo da escala da desigualdade, entre o Reino Unido e os Estados Unidos (neste último, a desigualdade social ainda é maior do que entre nós, mostrando que se pode ser um país rico e, ao mesmo tempo, ter a riqueza distribuída de uma forma muito assimétrica). Do outro lado, no fundo da escala da desigualdade, encontram-se o Japão e os países nórdicos, como a Suécia e a Noruega. Não há, porém, razões para estarmos satisfeitos com a companhia em que estamos. Aqueles autores, baseados num cuidadoso estudo estatístico de uma série de índices, chamam a atenção para o facto de ser nos países onde há maior desigualdade de rendimentos que há também mais problemas sociais e de saúde, designadamente maiores taxas de criminalidade, de obesidade, de doenças mentais, de gravidez na adolescência, de insucesso escolar, etc.: os vários indicadores relativos à incidência desse tipo de maleitas estão bem correlacionados com a desigualdade social. Claro que correlação não implica uma relação de causa-efeito, mas Wilkinson e Pickett dizem-nos que essa desigualdade coloca um país sob uma grande tensão, gerando dificuldades acrescidas para todos: não são só os pobres, que sofrem sempre com o seu estado de marginalidade social, mas é também o resto da população de um país – classe média e ricos - que fica pior. Como resume o subtítuto: Sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor.
O jornal The Guardian de 13 de Março, num artigo sobre desigualdade social suscitado pela publicação do referido livro, chama a Portugal e Espanha um “par estranho”, por serem “países com muitas semelhanças culturais e paralelos nas suas histórias recentes – ambos se tornaram democracias nos anos 70 após a queda de regimes autoritários”. Mas, nota o jornal,“a Espanha está a meio da tabela da desigualdade, enquanto Portugal está quase no cimo”, registando-se aqui “muitos mais problemas sociais”.
Haverá esperança de que esta situação mude, a oeste da Península, com as próximas eleições? O depósito do voto na urna deveria ser sempre um acto de esperança. Mas, faltando um mês para o sufrágio, não parece que esse venha a ser o sentimento dominante. Por um lado, pode-se pensar que, dos dois maiores partidos, o Partido Socialista, em princípio mais à esquerda, seja mais sensível às questões tão prementes das desigualdades sociais. Mas, por outro lado, a sua política no sector da educação, aquele onde a sociedade, com maior eficácia, pode concentrar esforços no sentido do seu nivelamento, tem-se revelado desastrosa. A escola portuguesa actual não constitui para os pobres um meio seguro e expedito de promoção social. De facto, na ausência de uma escola pública qualificada e exigente os ricos conseguem encontrar alternativas, ao passo que os pobres estão condenados à exclusão. Seja qual for o partido que ganhe as eleições (aliás ganhar pode, a curto ou médio prazo, significar perder), muitos eleitores receiam que se venha a aplicar mais uma vez a famosa frase de Giuseppe di Lampedusa, o escritor italiano autor de O Leopardo: "Se queremos que tudo fique como está é preciso que tudo mude".
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11 comentários:
Parece-me que em Portugal há muitos "leopardos" desses. Mexem para que nada mexa!
É preciso combater a pobreza, mas não como se tem feito nos últimos anos, sobrecarregando-se a classe média com impostos para suportar a pobreza voluntária e a fictícia.
É fundamental haver mais rigor no combate à pobreza, para que não se beneficie demasiado aqueles que não querem sair da pobreza e não se prejudique aqueles que não sendo pobres segundo os pradrões económicos, também estão longe de ser ricos.
É lastimável ir ao centro de saude e perceber várias coisas. Bem estão as pessoas aposentadas que não declararam rendimentos ou declararam menos do que auferiram. Bem estão as pessoas que "mexeram uns pauzinhos" para receberem os atestados de invalidez quando de inválidas não tem nada. Bem estão os desempregados voluntários. Mal está quem trabalha e aufere rendimentos baixos ou tem determinadas despesas que os diminuem drasticamente que, pretende marcar uma consulta com antecedência para as férias e não consegue, que paga as raras consultas médicas a que vai quando o resto das pessoas que chegam antes e depois de si não o faz que, por vezes, tem consulta com médicos que não sabem onde há consultas de especialidade para onde possam enviar os utentes e não sabem muito bem como redigir os documentos necessários para que os utentes possam ir a essas consultas.
A educação, que devia ser uma prioridade no combate à pobreza, está transformada em arma eleitoral. Já não interessa que as pessoas frequentem um bom ensino, interessa apenas que adquiram um certificado que dê equivalência ou 9.º e ao 12.º ano. Assim se melhoram as estatísticas e se faz muitos eleitores sorrirem.
O Carlos Fiolhais acha a actuação do Ministério da Educação "desastrosa". Para a Helena Damião não há nada, rigorosamente nada, que se aproveite neste ME. Que se coloquem professores por mais de um ano - não interessa. Que haja aulas de substituição - é uma trabalheira para os professores. Que os alunos aprendam inglês mais cedo - não merece comentários. O Magalhães é uma tonteira de propaganda e ainda por cima com programas (provavelmente feitos por um professor) cheios de erros inconcebíveis - não tem uma única vantagem. E, principalmente, a avaliação de professores, terá de ser suspensa adiada, para modificações que ninguem sugere - o que interessa é dizer que deve ser feita e não a fazer.
Claro que há coisas menos conseguidas e a criticar, mas não consigo compreender estas atitudes radicais no RN.
Helena Cabral
(professora aposentada)
Felicito o Carlos Fiolhais pelo artigo. Um país desigual é um país injusto e atrasado.
No entanto, verifica-se pelo comentário anterior, da Helena Cabral, que por pior que seja o argumento há sempre assistência para a tragédia.
O que me preocupa não é a propaganda interna mas aqueles que tendo acesso à informação tentam por todos os meios arranjar argumentos para justificar o injustificável.
COMO É QUE UMA PROFESSORA APOSENTADA ACEITOU SER INSULTADA E ULTRAJADA NA SUA DIGNIDADE PELA ACTUAL EQUIPA DO ME? Talvez já estivesse reformada antes deste ataque à ESCOLA PÚBLICA e aos professores. É verdadeiramente inacreditável...
Aliás contra a sociedade desigual e injusta que é a nossa contrapõe-se a colocação de professores, as aulas de substituição e o famigerado Magalhães. Nem ao diabo lembraria...
O que se exige é uma sociedade com melhor distribuição de riqueza e melhor acesso às oportunidades para todos. É assim que fazem a maioria dos países do chamado primeiro mundo.
Estive numa escola internacional, com professores e alunos de todos os países da União Europeia, durante dez anos. Nas carreiras docentes nacionais dos diferentes países não existe NADA parecido com esta aberração a que chamam avaliação de desempenho docente.
Fica uma sugestão para a colega HC. Queremos uma avaliação de professores usada pelos restantes países da UE. A mim, parece-me justo e responde à crítica da ausência de alternativa ao actual modelo...
Para Helena Cabral,
-"Que se coloquem professores por mais de um ano". Isso seria positivo se for adequada a colocação, negativo se a alocação não resultar. Conheço vários casos de ambas as categorias, mas confesso que a parte do negativo é maior numa proporção de 2 para 1.
"Que haja aulas de substituição - é uma trabalheira para os professores"
Aulas de substituição deste tipo que se implementou não resultam. Os países onde as aulas de substituição são levadas a sério (dimensionamento do corpo docente com regras de alocação de professores seguindo as técnicas da eng.industrial na alocação de postos de trabalho ou existindo uma bolsa de prof.substitutos) são aqueles onde estas resultam bem. Ao invés, temos umas aulas que os alunos não querem, que um professor não pode usar para melhorar a sua qualificação e/ou melhor preparação para as aulas das suas turmas "reais" e um aumento generalizado da indisciplina.
-"Magalhães é uma tonteira de propaganda"
É porque deveria ser para os alunos do 3º ciclo e não do 1º ciclo. TEchnology without purpose is useless e é isso que está e irá acontecer.
-"E, principalmente, a avaliação de professores"
Haveria de ter sido separada desde o início, a avaliação para melhoria do desempenho da avaliação para progredir na carreira. Pelo contrário, o governo actual misturou tudo, criou uma divisão à la sun tzu mas com efeitos catastróficos cujo alcance só agora se começa a vislumbrar ( vide confissões de profs que pululam por imensos blogs), quis subjugar uma classe à super papelada (qual simplex, aquilo é um ultraje à avaliação), desdenhando o verdadeiro contributo do "worker on -field" (por sinal, foi NÂO desdenhando que o Japái chegou aonde chegou) e além disso, muitos dos países com bons resultados PISA, ou não possuem avaliação de professores ou possuem um método interno, com responsabilização ao director, esse sim o adequado para tentar mudar alguma coisa.
António Silva
Diz o comentador que "haveria de ter sido separada desde o início, a avaliação para melhoria do desempenho da avaliação para progredir na carreira".
O que é isso de avaliação para melhoria de desempenho? É evidente que os professores não são contra a avaliação... desde que não colida com a tal subida de balão e a olhar para o calendário!
Mas será que ninguém lhes diz que "carreira" só há para os funcionários públicos e que para todos os outros só há a avaliação de desempenho, quando há?! E que ainda por cima têm uma Lei que os impede de despedir mesmo que ninguém precise deles ou que o Estado esteja de tanga?!
Se os 500.000 desempregados (que lhes pagaram o salário enquanto trabalharam) tivessem uma Lei que impedisse as falências era uma maravilha, era ou não era?
Voltando ainda à avaliação dos professores, só queria lembrar, em particular aos vibrantes apoiantes portugueses de Barack Obama que pululam por aí e que não conhecem o seu pensamento, que a ACTUAL ADMINISTRAÇÃO está a condicionar o acesso das escolas públicas aos fundos federais à inclusão dos resultados dos alunos... na avaliação dos professores!
Perceberam? Nâo foi o BUSH, foi OBAMA!!!...
Américo,
a avaliação de desempenho pode ser distinta da subida de escalão, tal como existe em 16 paises da União Europeia. Sugiro que queime as pestana à procura de biblografia "independente" e que n
ao se fique pela propaganda enviesada.
É diferente avaliar um desempenho, para melhoria de uma prática profissional do que a subida de escalão que pressupõe uma melhoria salarial. Os professores não se podem comparar a empregados de uma fábrica de chouriços que têm prémios de produtividade à medida do número produzido e que respeitem parâmetros de qualidade (um dia, se tivermos cara a cara eu explicar-lhe-ei vários dos fundamentos de Gestão da Qualidade e como vários estão deturpados no ambiente nacional).
O ensino não é um processo simples de quantificar em termos de produtividade, dai a complexidade de avaliar uma coisa ou outra.
Sobre a quantificação dos resultados dos alunos, é preciso que o Américo saiba que numa escola americana, os fundos já são condicionados aos resultados há muito tempo atrás. A diferença agora reporta-se ao aumento dos fundos e não à sua atribuição. MAs mesmo o sistema americano está cheio de problemas, pois o problema maior é mesmo a escassez de professores e não da sua qualidade. E o problema de fundos tem sempre a ver com a gestão financeira estadual, a qual perante a crise actual, cortou aonde pode cortar.
António Silva
É sintomática a comparação que os professores fazem com profissões desqualificadas para "demonstrarem" como a sua é diferente e, dizem, complexa...
Será que, mais uma vez, ninguém os informa que os quadros superiores nas empresas de serviços, como nas de chouriços, são avaliados pelo seu desempenho - quantas vezes dependente de terceiros - e não pelos anos de serviço ou se frequentam ou não acções de formação e que disso depende o seu salário?
Mas enfim, a quem entra na Escola aos 5 anos e de lá sai aos 60, fazia-lhe bem um estágio pelo mundo real...
Américo, primeiro um esclarecimento eu não sou actualmente professor. Fui professor do secundário durante 6 anos, fui do superior durante 4 anos, já trabalhei em PME portuguesas na a´rea da eng. industrial quer na produção, quer na qualidade, e estive numa grande empresa multinacional de consultadoria em 2 países fora da Europa durante 3 anos. Infeliz ou felizmente, o meu percurso de vida permitiur-me ter um conhecimento mais lato e comparativo nestes assuntos
Tenho um conhecimento muitissimo mais elevado do que pensa a respeito das profissões ditas por si ( e não por mim) desqualificadas, já que contactei com diversas e inúmeras pessoas em postos de trabalhos duros e exigentes, bem mais do que se calhar possa imaginar.
Sobre a avaliação de desempenho e após ter estado envolvido em avaliação educacional de instituições de ensino superior privado americano não há muito tempo atrás, posso lhe afiançar que este sistema , em bom americano de rua, "it sucks!". É super complicado, causa problemas terceiros graves e é errado porque mistura coisas que deveriam ser avaliadas diferentemente. Do que conheço de avaliação educacional ( e é muito mais do que julga), o desempenho não se pode avaliar por simples números. O ensino é um processo muito complexo, dependente de factores próprios particulares, pois, para além do factor professor, há o factor aluno ( muito variável no ensino secundário) e as diversas interacções no contexto do processo pedagógico e nas múltiplas relações na sala de aula. Nem mesmo em universidade americanas, o professor que consegue a "tenure" , é aquele que tem maior sucesso ou maior número de publicações ( e são coisas diferentes, o superior e o secundário). Há ´variados factores que influenciam isso, e no caso do ensino secundário,a complexidade aumenta porque se trata de alunos muito diferentes em termos sociais ou de percurso anterior e a heterogeneidade é elevada muitas vezes dentro de uma escola, quanto mais entre escolas. Ou seja, isto não é um simples processo aritmético.Nem ensinar é um processo apenas e somente dependente da qualidade ou não de um professor.
António Silva
Quando não se quer tudo é problema...
Há os que perante um desafio dizem que é impossível e outros dizem que dá muito trabalho.
Muitos, como eu, identificam-se com os segundos.
Ponto final.
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