quinta-feira, 13 de agosto de 2009

SOBRE OS EXAMES

Texto sobre os exames recebido de Miguel Galrinho, estudante de Engenharia Aeroespacial do Instituto Superior Técnico:

Em muitos textos que tenho lido, quase sempre de alunos, mas às vezes também de pais, professores ou de alguns “especialistas” em educação, pode ler-se a expressão Contra os Exames Nacionais. Neste texto, mesmo sabendo que vou contra a corrente do coro da maioria dos alunos, pretendo fazer um manifesto A Favor dos Exames Nacionais, mostrando que os argumentos tipicamente utilizados contra os exames não fazem qualquer sentido.

Um desses argumentos é o de que os exames nacionais, em vez de promoverem a igualdade, acentuam as desigualdades, pelo facto da educação não ser homogénea em todo o país. Não deixa de ser curioso que, no próprio argumento contra os exames, esteja uma das razões por que tem que haver exames nacionais: se a educação fosse igual em todo o lado, seria escusado existirem momentos em que os alunos fossem todos avaliados de forma igual, porque isso já se faria na avaliação contínua. É precisamente pelo facto das realidades das escolas serem tão diferentes que há necessidade de haver exames nacionais.

Mas analisemos com mais pormenor o problema. É evidente que uma turma com alunos com dificuldades não poderá, na avaliação contínua, ser avaliada com a mesma exigência que uma turma de excelentes alunos. O resultado disso seria que os excelentes alunos ficariam limitados pelos critérios de exigência fixados e não iriam progredir ao máximo, enquanto os alunos com mais dificuldades não iriam conseguir acompanhar o ensino.

Porém, temos também que pensar na situação contrária. O objectivo da avaliação, quando se concorre ao Ensino Superior, não é seleccionar aqueles que mais evoluíram (mesmo que continuem com um baixo nível de conhecimentos), mas sim os melhores. É isso que interessa a uma faculdade. Ora, a única forma de o fazer é com critérios de avaliação iguais para todos, isto é, com exames nacionais.

Tudo isto leva-nos a uma conclusão: a avaliação tem que ser criterial e normativa. Defender só a primeira é defender uma falsa igualdade que não selecciona os melhores, mas que apenas distingue a evolução individual de cada um. Defender só a segunda é limitar a aprendizagem tanto dos melhores alunos como daqueles que têm mais dificuldades. Quem é contra exames nacionais, defende que deveria haver apenas a primeira; quem é a favor defende que o modelo mais justo é aquele em que as duas existem simultaneamente. Como tal, acusações de radicalismo a quem defende os exames parecem-me altamente infundadas.

Para além disso, muitas vezes quem está contra os exames parece querer fazer passar a ideia de que estes acentuam a desigualdade, pois favorecem os ricos, que têm mais acesso à educação, e prejudicam os pobres, que têm menos. A falsidade deste argumento é tal que, na verdade, o que acontece é exactamente o oposto. Ainda no mês passado, Stephen P. Heyneman, professor de Política Educativa Internacional na Universidade de Vanderbilt, Tennesee, nos EUA, dizia que “testar é produzir igualdade”, isto é, testar é dar a oportunidade aos que são mais pobres de se afirmarem na sociedade.

Que isso acontece já deveria ser óbvio, na medida em que a maior parte dos grandes génios dos últimos séculos não vieram de famílias ricas, mas sobretudo da classe média, e muitos deles de famílias pobres. De facto, estudos efectuados em diversos países confirmam que as crianças de famílias pobres conseguem, muitas vezes, bons resultados. E a razão é a seguinte: “Quanto mais pobre, maior o impacto da educação. Quanto mais rico, maior o impacto da família.”, explica Heyneman.

Outro argumento típico é o de que é uma injustiça priveligiar-se o momento do exame, que dura umas poucas horas, ao trabalho continuado feito ao longo de vários anos. Este argumento falha desde logo pelo facto de ser mentira: não se priveligia o exame! O exame nacional, nas disciplinas em que existe, vale 30% da nota. Quanto à média das provas de ingresso, essa sim vale no máximo 50% da nota de candidatura. E vale muito bem! É preciso não esquecer que os alunos que concorrem a um curso resolveram todos as mesmas provas de ingresso, e a única forma justa que a faculdade tem de os seriar é sabendo que foram todos avaliados segundo os mesmos critérios. No entanto, acontece que só 50% da nota é que está nessas condições; a outra metade foi obtida segundo critérios que podem variar bastante de um aluno para outro. Como é que, se se reduzir o peso das provas de ingresso, a faculdade garante que está a seriar os melhores alunos?

Para além disso, este argumento mais uma vez vira o feitiço contra o feiticeiro. É precisamente pelo facto de duas horas não serem suficientes nem significativas para um aluno mostrar os seus conhecimentos, que é necessário que existam mais exames nacionais e repartidos por mais anos. Desta forma, espera-se que estes vão preparando psicologicamente o aluno para os resolver, e que a nota final fique repartida por vários exames. Um dia de azar, acontece. Vários, ao longo de três anos, é demasiada coincidência.

No entanto, mesmo considerando a situação presente, em que um único exame pode determinar 50% da nota, exagera-se ao defender a injustiça que isso provoca. Por duas razões. Primeiro, porque é costume tratarem-se as variáveis “trabalho continuado ao longo de vários anos” e “momento do exame” como se fossem completamente independentes. Na verdade, estão altamente ligadas. Mesmo considerando que há dias de azar e que esse dia pode calhar ser no dia do exame, essas variações são pontuais e não invalidam a estreita relação que existe entre as duas variáveis acima: de uma forma geral, quanto maior for o esforço e o estudo ao longo dos vários anos da disciplina, melhor correrá o exame. Nenhum atleta olímpico deixa de treinar pelo facto de poder ter um azar no dia da competição, pois sabe que quanto mais treinar, mais hipóteses tem de ficar bem classificado.

A segunda razão tem que ver com o facto de quase tudo na vida ser assim, grandes eventos definirem-se em curtos momentos, e ninguém ficar escandalizado com isso. Por isso, não percebo o porquê de tanto alarido em torno do facto de o mesmo acontecer com os exames. Um músico solista pode ter treinado muitas horas por dia durante largos meses para um concurso, mas o momento da verdade – a prova final – pode-lhe correr mal. Contudo, o júri só estava lá para o ouvir no dia da prova, e não para contar as horas que ele estudou. E lá por isso ninguém defende que ele leve um registo de horas de estudo e que isso lhe garanta o prémio. Outro exemplo: uma equipa de futebol pode ser em tudo superior a outra – treinou mais, jogou melhor em campo – mas o adversário teve a sorte de marcar mais golos. Mas não cabe na cabeça de ninguém que a taça vá para quem perdeu. É, pois, importante não esquecer a conclusão do parágrafo anterior, de que vale sempre a pena o esforço, pois este aumenta muito as hipóteses do momento decisivo – seja um exame, uma prova ou um jogo – correr bem. Ou, como disse Thomas Jefferson, “Acredito muito na sorte, pois percebi que quanto mais trabalho, mais sorte tenho”.

Enfim, de uma coisa não restam dúvidas: não há sistemas de avaliação perfeitos. Mas há sistemas de avaliação mais injustos e mais justos; menos credíveis e mais fidedignos. Para mim, depois de todas as razões que enunciei, é claríssimo que um sistema que se preocupa individualmente com os alunos, mas que não cai no erro de se esquecer do que cada um sabe em comparação com o outro; que utiliza avaliação contínua e exames nacionais em pesos idênticos; que valoriza a importância do esforço, do rigor, da exigência e da dificuldade em vez de promover o facilitismo e a injustiça, é um ensino adequado, embora, como qualquer outro, imperfeito. Mas, como questionava há umas semanas Filipe Oliveira, professor na FCT e vice-presidente da SPM, a propósito do mesmo tema “por não existirem termómetros perfeitos deve deixar-se de medir a temperatura?”.

Miguel Galrinho

9 comentários:

Unknown disse...

Concordo com tudo o que foi dito neste post. E desde há alguns anos a esta parte defendo que deveriam haver mais exames nacionais, pelo menos um em cada final de ciclo (começando com o 4º ano). Assim, todos os professores se viam obrigados a leccionar os mesmos conteúdos, eliminando disparidades que existem hoje em dia. Para além disso, quando os alunos chegassem aos "decisivos" exames nacionais do 12º ano, estes seriam encarados como apenas mais uns exames, e não como o momento mais importante das suas carreiras escolares. De facto, muitas vezes este é um dos principais factores de falhas nos exames nacionais: excesso de preocupação e de stress. Enfim, acho que os argumentos a favor dos exames nacionais foram muito bem expostos. Muitos parabéns ao autor.

Helga Rodrigues disse...

Boa tarde.
Como mestranda já passei pelos exames nacionais há muito (conto agora 6 anos que os fiz). E sou contra os exames. Sou contra porque estão mal feitos.
Concordo com tudo o que diz, no entanto a razão pela qual sou contra não está cá descrita.
Eu estive 12 anos a estudar para entrar numa universidade. 12 anos a perder tempo para poder ser bióloga. Nem num único momento no exame eles perguntaram o que eu queria ser ou se até tinha capacidades para isso.
Daí ser contra os exames nacionais pelo que testam.
Sou completamente a favor que haja algo que avalie um aluno quando acabe o 12º ano. Mas continuo a defender que os exames que ditam a entrada nas universidades, sejam realizados pelas próprias e conforme o curso onde se pretende ingressar. Isto é, avaliar os conhecimentos específicos para cada curso superior.

Anónimo disse...

Excelente, Miguel!
Só não percebi em que sentido usa os conceitos de avaliação criterial e normativa (http://www.endgradeinflation.org/criterion.html)
Um abraço,
Nuno Crato

Miguel Galrinho disse...

Caro Nuno Crato,

Muito obrigado.

Antes de escrever este texto não tinha presente o significado exacto de avaliação criterial e normativa, por isso consultei esta página - http://www.dgidc.min-edu.pt/serprof/acurric/av_es/texto(15).pdf - em que me baseei sobre os significados de cada um dos tipos de avaliação. Usei-os, portanto, no sentido que aqui está definido.

Um abraço,

Miguel Galrinho

João Silva disse...

Saudações!

Congratulo o autor deste interessante texto.

Concordo com o Miguel Galrinho quando este diz que deve haver mais exames. As razões são muitas: pode haver um dia de azar, o exame pode estar mal feito, os exames estimulam o esforço dos alunos e professores, etc.

Discordo quando diz: "um único exame pode contar 50% da nota, exagera-se ao defender a injustiça que isto provoca". Os exames são pequenos, logo qualquer distracção tende a pesar muito na nota final. Além disso, não costumam avaliar autenticamente o conhecimento do aluno mas sim a sua capacidade de interpretar linguagem obscura. Neste sentido, as notas em exames de um aluno com conhecimentos constantes tendem a sofrer grandes flutuações. Além disto, lá porque as taças se decidem em poucos momentos, isso não significa que deva ser igual para a avaliação dos alunos: ninguém tinha pachorra para ver 50 finais, mas não vejo grande problema em se fazer 50 exames.

Há já algum tempo que acho que a avaliação nas escolas não faz sentido. Não faz sentido, porque os parâmetros e a exigência variam de escola para escola e de professor para professor; normalmente, usam-se os critérios mais estapafúrdios para avaliar alunos, como o respeito pelos outros, a organização dos cadernos ou a intervenção na aula. Acho essas coisas importantes, mas são um meio para atingir um fim: aprender. Avaliar esses métodos, além de tremendamente subjectivo, é injusto: acho que cada aluno deve usar os métodos para aprender que funcionarem para ele.

Assim sendo, ainda não encontrei nenhum defeito num método de avaliação baseado unicamente nos exames nacionais, que seriam muito mais frequentes (e também muito mais bem feitos; há maior probabilidade de termos exames bons do que mil e um testes de cada escola bons). Por exemplo, poder-se-ia fazer um exame (mais longo do que os actuais) a cada disciplina a cada trimestre: um pouco como se faz, e bem, na universidade.

À espera de resposta,
Cumprimentos!

Anónimo disse...

Caro Miguel,
Bem me parecia; esse texto da DGIDC é muito confuso, não clarifica os conceitos e cai no erro de misturar a definição com a apreciação muito subjectiva do seu efeito. Seria como definir equações diferenciais como "equações úteis". As definições da wikipedia que citei são claras. Os técnicos do ministério muitas vezes nem sabem do que estão a falar.
Abraço,
NC

Anónimo disse...

Os parabéns ao autor pelo excelente texto.

O supra-mencionado documento disponibilizado no site da DGIDC tem mais a aparência de um panfleto de propaganda do que de um texto sério. Exemplo disso são as imagens associadas a "pedagogia centrada no professor" (homem rígido com um pau na mão) e a "pedagogia centrada no aluno" (aluno consultando descontraidamente um livro numa biblioteca). A mesma distorção aparece na comparação entre "ensino colectivo" -os alunos formam um verdadeiro chain-gang de prisioneiros- e "ensino diferenciado", em que os alunos parecem espairecidos e felizes. O mais absurdo é ainda a linha de baixo: dois esquemas extremamente infantis apelidam de "desigual" o "Ensino idêntico" e de "equivalente" o "Ensino diferente", seja lá o que for que os autores entendem por Ensino "idêntico" e "diferente".

Esta "arte pictórica" é lamentável. Trata-se de pura propaganda. O facto de o Ministério disponibilizar oficialmente este tipo de "documentos" não augura nada de bom sobre a saúde do nosso sistema de ensino ou sobre a capacidade dos especialistas a quem são encomendados.

Sobre ensino criterial vs normativo existem vários textos (ver também as respectivas caixas de comentários) da Helena Damião, publicados neste mesmo blog.

Cumprimentos,
Filipe Oliveira

Anónimo disse...

"A segunda razão tem que ver com o facto de quase tudo na vida ser assim, grandes eventos definirem-se em curtos momentos, e ninguém ficar escandalizado com isso."

Não me parece verdade. Talvez rescrevendo para "quase tudo na vida competitiva é assim" fique melhor. Os exemplos dados ao longo desse parágrafo são infelizes, porque pressupõem algo que não é claramente mencionado:

"a escola deve ser entendida como um local de (ou de preparação para a) competição, competição essa que consiste em realizar exames."

Os "educadores" costumam ter uma abordagem mais romântica do espaço escola.

Mas de resto, concordo e sempre concordei com exames. A razão não deve ser camuflada:

a. Os exames individuais supervisionados são a melhor forma de avaliar (comparar) o que cada um sabe e aquilo que o seu intelecto é capaz de fazer.
b. Provas de avaliação decorridas em ambientes não supervisionados não provam nada.
c. Quem somente quer aprender não tem obrigatoriamente de frequentar uma instituição de ensino. Aprender, aprende-se sozinho, se se quiser, com mais ou menos esforço. As instituições de ensino, servindo também para facilitar e potenciar a aprendizagem, servem sobretudo para certificar o que se sabe. A instituição X certifica perante a sociedade (que dá o valor que der à instituição X) que o aluno Y está no percentil tal no domínio daquela área.

Mesmo no ensino superior, dever-se-ia travar algumas modas "bolonhesas" de reduzir o peso do exame em favor de avaliações contínuas (aonde a cópia é o pão-nosso de cada dia).

Anónimo disse...

Mt Bom

Parabéns

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...