Depoimento que dei ao Jornal Universitário de Coimbra, A Cabra, para preparação dum artigo da autoria de dois estudantes de jornalismo, Pedro Crisóstomo e Camilo Soldado, intitulado Aprender fora da Universidade: actividades extracurriculares no ensino superior, publicado em 16 de Junho passado.
P: Que importância considera que as actividades extracurriculares têm na vida dos estudantes do ensino superior?
R: As actividades extracurriculares, tal como as entendo, são actividades que não estão previstas no currículo formal, que os estudantes organizam e desenvolvem de modo autónomo e mais ou menos espontâneo, em função dos seus interesses. Podemos dizer que elas existem desde os primórdios das academias, estando bem vivas no presente. Coimbra tem tido exemplos notáveis de actividades a que podemos chamar extracurriculares. Estou a lembrar-me, por exemplo, do famoso grupo de Antero de Quental, ou de grupos de baladas/fados que tiveram grande impacto na vida do país, ou, ainda, da actividade teatral, etc. No presente, a multiplicidade de actividades extracurriculares torna difícil uma enumeração: desporto, conferências, exposições, coros, divulgação científica, etc. estão entre as mais concorridas. Penso que também podemos incluir nelas o voluntariado.
A importância destas actividades parece-me evidente: alargam os horizontes culturais e sociais dos estudantes, aspecto particularmente importante se pensarmos que os nossos currículos formais têm sido e continuam muito especializados: os alunos de ciências não têm praticamente acesso a componentes de humanidades ou artísticas e o contrário também é verdade.
P: O facto de existir uma componente prática nas actividades extracurriculares é uma aproximação ao mundo do trabalho?
R: Pode ser, e em alguns casos é. Mas eu gostaria de sublinhar que para se exercer uma qualquer profissão não basta saber fazer, é fundamental saber pensar. Nesse sentido aquilo que vulgarmente se designa por teoria, que tão desvalorizada tem sido em muitos discursos sobre o ensino, e mesmo sobre o ensino superior, deve voltar a ser dignificada. Assim, não considero que o ensino superior deva apostar no desenvolvimento de competências em desfavor do conhecimento. Por outro lado, não me parece que as actividades extracurriculares tenham apenas um pendor prático, pois elas não podem deixar de envolver pensamento.
R: Considera que as actividades extracurriculares devem ser reconhecidas como formação profissional?
R: Não são propriamente pensadas nesse sentido, nem me parece que o devam ser. Se assim fosse perderiam a sua identidade. Isso não significa que algumas aprendizagens em certas actividades extracurriculares, desde que sejam relevantes e estejam consolidadas, não possam ser reconhecidas por escolas ou entidades específicas. Por exemplo, um estudante que aprendeu a representar poderá obter este reconhecimento se pretender entrar numa escola de teatro ou cinema. Entendo, no entanto, que aqui é preciso cuidado, pois, como referi, uma coisa é o currículo formal que, por princípio, garante a qualidade da formação, outra são as actividades que emergem das livres motivações dos estudantes. Designar estas actividades por extracurriculares é, já de si, equívoco, porque as estamos a reportar ao currículo prescrito e, desta maneira, a submetê-las a uma lógica que elas não têm, nem devem ter.
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