domingo, 2 de agosto de 2009

Por que se tornou José Afonso num mito?

No dia de hoje, sendo vivo, José Afonso faria 80 anos. De diversas formas, Coimbra, cidade marcante na sua vida e obra, está a prestar-lhe homenagem. A este propósito publicamos um texto de João Boavida, antes saído no Diário As Beiras.

Por que se tornou José Afonso num mito? Porque tinha todas as condições para isso.

O talento, a inspiração, a originalidade, o modo de ser, o desprendimento pessoal, a bondade, a perseguição política que lhe fizeram, o pensamento utópico, o pensamento crítico, a curva da história em que viveu; por tudo, tudo, mas sobretudo pelo talento musical, que era, todavia, muito mais que musical, porque era a cultura na sua forma mais viva e pura.

José Afonso é uma conjugação humana e artística raríssima, que, por razões políticas, começou por simbolizar uma época e uma geração, mas que já é, e continuará a ser, muito mais.

Lembro-me bem o que significou, em Coimbra, o aparecimento das baladas, nos idos de sessenta. O frémito geral que na época se sentiu porque era uma música nova, mas que entroncava numa tradição antiga e ia, pelo espírito, pela sonoridade, pelos ambientes evocados, pelas sugestões provocadas, enraizar-se no arcaico da cultura portuguesa, numa medievalidade sentida como originária e essencial, numa estética que vinha ao encontro de um modelo melódico e de uma imagética que repousavam em memórias nebulosas e imaginadas, e que pareciam estar ali há muitos séculos, à espera de alguém.

José Afonso tomara essa força profunda e antiquíssima, com uma musicalidade a nascer das palavras, e palavras que emergiam da música e só nela faziam sentido, evocando idades em que os reis nasciam em Coimbra e pelos seus verdes campos andavam ainda pastoras, se ouviam canções e se dançavam bailias e bailadas.

A tudo isso ele deu voz, de uma maneira só aparentemente simples, e de muitos modos, numa contínua descoberta em que intuição e inspiração lutavam entre si; antes, não se sabendo para quê, nem se, mas sempre se conseguindo, depois, porque sempre, no fim, nascia o que há muito se esperava e a intuição inicial de beleza se reencontrava.

Como em toda a criação, sentíamos a força desse apelo, essa evocação, que era coimbrã, por certo, mas que vinha detrás e que ia muito para além, que envolvia tanto esses anos, nos princípios de sessenta, como o provir, numa premonição a que o futuro se sentiu obrigado a dar toda a razão, porque a beleza que trazia tinha uma força que o implicava.

Ouça-se de novo “No vale de Fuenteovejuna”, “Deus te salve Rosa”, “Verdes são os campos”, “Vai, Maria, vai”, “Cantares do andarilho” e percebe-se o que digo. José Afonso vai ao encontro da alma e da cultura portuguesa de um modo imediato, através de séculos de sensibilidade acumulada e decantada, criando, como sem querer, uma densidade poética, rítmica, melódica, afectiva em que nos sentimos mergulhados porque somos nós, é a nossa cultura no seu melhor.

Ele transformou-se em mito porque é a própria cultura portuguesa que se reconhece nele. Os que, à direita, o identificaram com a esquerda, e assim o rotularam, perseguiram e tentaram (tentam) esquecer, perdem o tempo e a raiva. Os que, à esquerda, se ficaram pelas canções de combate, embora elas tenham sido, como se sabe, uma terrível arma, também o não perceberam nem estão à sua altura.

A sua força mítica vem de muito mais fundo que a política, embora não se possa desprender dela, nem ele o pretendia, empenhado, corajoso e solidário como era.

João Boavida

Fotografia: José Afonso em Coimbra in http://www.triplov.com/helena/Zeca-Afonso/20Anos/Zeca-em-imagens/Zeca-Afonso-em-Coimbra.jpg

2 comentários:

Anónimo disse...

Perguntas estúpidas, respostas cretinas:

"Por que se tornou José Afonso num mito? Porque tinha todas as condições para isso."

O argumento apresentado no texto é completamente circular. Ou seja, fala mas nada diz.

Anónimo disse...

É um texto do João Boavida, esperavas o quê, demonstrações rigorosas?

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