quinta-feira, 25 de setembro de 2008
CIMÉLIOS CIENTÍFICOS
Pedimos à Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra que nos facultasse alguns dados sobre livros e documentos quje estão patentes na sua exposição "Cimélios", já aqui anunciada. Eis o texto do "catálogo" da parte científica da exposição, da responsabilidade do bibliotecário António Eugénio Maia Amaral, que descreve várias obras preciosas, aqui por ordem cronológica:
TÁBUAS DOS ROTEIROS
[Tábuas dos roteiros] [manuscrito]. [15--]. 1 álbum (63 f.) : todo il. ; 430x290 mm. Encadernação em pele gravada a ferros secos com lombada gravada a ferros dourados, atilhos em fita de seda verde. Cofre 33
É o único manuscrito conhecido que inclui os desenhos que ilustravam ambos os roteiros “de Goa a Diu” (1538-1539) e o “do Mar Roxo” (1540) do 4.º Vice-Rei da Índia, Índia, D. João de Castro (1500-1548). Conhecem-se outras cópias (os originais consideram-se perdidos) em separado: da costa da Índia na Biblioteca Nacional de Portugal e da costa do Mar Vermelho, na British Library. Esta é uma das melhores cópias, de meados do século XVI, com vinte e nove das trinta e uma tábuas previstas. O manuscrito foi facsimilado, com estudo do Professor Luís de Albuquerque, em versões portuguesa, francesa e inglesa, pela INAPA, em 1988 (esgotadas). Disponível na Internet em: http://bdigital.bg.uc.pt/
ARISTÓTELES, 384-322 a.C.
Logica / Aristotelis Stagiritae. - Conimbricae : excudebat Antonius de Maris, 1556. 278 [i.e. 276] f. ; 4º (20 cm) Encadernação em pele gravada a ferros secos e lombada gravada a ferros dourados, encadernação com vestígios de atacas. R-13-14
Nesta edição (e na do De Anima) António de Mariz foi não só o impressor (typis et expensis) como o principal investidor. Estabelecido em Coimbra, de 1556 até 1599, usou sucessivamente os títulos de tipógrafo régio, impressor e livreiro e por vezes também arquitipógrafo da Universidade. Foi o preferido dos jesuítas e possuía uma importante oficina bem provida de material, como vemos pela variedade dos caracteres góticos, gregos e romanos, que empregou. Consta que o impressor-livreiro de Coimbra se fornecia de todas as impressões de Christophe Plantin de Antuérpia por intermédio de Pedro Moreto, joalheiro flamengo estabelecido em Lisboa desde 1570 até 1577. As suas impressões são caracterizadas pelo esmero e perfeição com que estão estampadas. Como marca tipográfica usou em algumas edições uma galinha rodeada de pintos, em moldura oval, com a divisa “Fervens Amor” e as iniciais A. M. do seu nome.
CÓDICE DE BASTIÃO LOPES
[Códice de Bastião Lopes] [manuscrito]. [1568?]. [14 br.], [14], [77 br.] f. : il., color. ; 200x132 mm. Pert.: Ex-libris de Charles R. Boxer; Kraus; Selo de Philip Hofer; ex-libris de Bóies Penrose; Fundação Calouste Gulbenkian; Secção de Coimbra do Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga. Encadernação com pastas de madeira revestidas a pele gravadas a ferros secos em ambas as pastas com fechos de metal, inserida em caixa. Cofre 46
Conhecido pelo nome de “Códice de Bastião Lopes”, a sua autoria pode atribuir-se a qualquer piloto da carreira da Índia, que não a Bastião Lopes, cujo nome aparece apenas nesta nota: Terei lembrança de trazer do Brasil uma arroba de açúcar do melhor para a mulher de Bastião Lopez, com a ajuda de nosso senhor. O códice pertenceu a Charles R. Boxer, que posteriormente o venderia ao livreiro antiquário Kraus, de Nova Iorque. No verso da pasta, um selo com o nome de Philip Hofer e a seguinte nota manuscrita a lápis “given to Bóies Penrose with best regards, March 1959 P H” e também o ex-libris de Bóies Penrose. Em 1971, o manuscrito foi leiloado em Londres e adquirido pela Fundação Calouste Gulbenkian que o ofereceu à Secção de Coimbra do Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, tendo sido mais tarde oferecido à Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra pelo então Director, Professor Luís de Albuquerque. Existem facsimiles com estudo de Luís de Albuquerque, o mais facilmente disponível publicado pela IN-CM (Lisboa, 1987). Disponível na Internet em: http://bdigital.bg.uc.pt/
TORRIANI, Leonardo, 1560-1628
Alla maesta del re catolico discrittione et historia del regno de l’Isole Canarie gia dette le fortunate con il parere delle loro fortificationi [manuscrito]. [ca. 1590-1594]. 114 [i.e. 113] f. : papel ; 232x413 mm. Já se encontrava incompleto, como hoje está, quando foi manuseado e copiado por Frei Francisco de São Tomás, na segunda metade do séc. XVIII. Pert.: Colégio de S. Bento de Coimbra. Encadernação em pele marmoreada com lombada gravada a ferros dourados.
Ms. 314
O resultado (incompleto) de um relatório elaborado pelo arquitecto militar italiano Leonardo Torriani, ao serviço do rei Filipe II de Espanha, é uma peça fundamental para o conhecimento das ilhas atlânticas, mas sobretudo da geografia, do vulcanismo e do povoamento das Canárias. Crê-se que, retirado para o convento de S. Bento de Coimbra, Torriani possa ter solicitado ao Rei a remessa desta sua Discrittione et historia… para ajudar na educação dos dois filhos, que lhe sucederiam no cargo de Engenheiro-Mór do Reino de Portugal. Por morte do filho Frei Juan Torriano (1679), o códice ficou na biblioteca do convento, nunca tendo sido devolvido a Madrid. Daí, com a extinção das ordens, veio a ser incorporado na Secção de Manuscritos da BGUC.
Foi transcrito, traduzido e publicado há poucos anos pelo Professor José Manuel Azevedo Silva, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Disponível na Internet em: http://bdigital.bg.uc.pt/.
BORRI, Cristoforo, S.J., 1583-1632
Arte de navegar … no Colégio de Santo Antão… [seguido de] Nova Astronomia… Arte da memória [manuscrito]. 1628. [1, 2 br., 1], 156, [1] f. : papel, il. gravuras, desenhos geométricos, tabelas ; 198x141 mm. Encadernação em pergaminho com atacas. Ms. 44
BORRI, Cristoforo, S.J., 1583-1632
Collecta astronomica, ex doctrina P. Christophori Borri … De tribus caelis … iussu, et studio … D. Gregorii de Castelbranco. Ulysipone : apud Matthiam Rodrigues, 1631. [8], 44 [i.e. 45], [3], 470, [2] : il., des. e grav. ; 4º (20 cm). Encadernação em pergaminho com vestígios de atacas. RB-34-10
O milanês Cristoforo Borri (ou Cristóvão Bruno, como também foi conhecido em Portugal), fez observações astronómicas com telescópio e leccionou astronomia em 1526-1527 em Coimbra e no ano de 1527-1528 em Lisboa. Um aluno do astrónomo deixou-nos este caderno de apontamentos (ou “sebenta”, como se diz em Coimbra) ilustrado com desenhos à mão e com esquemas impressos. Como o verso dos impressos está em branco, afastando a possibilidade de terem sido recortadas de um livro, só podemos supor que o professor as deve ter usado para leccionar o seu curso. Só três anos mais tarde Borri conseguirá imprimir a Collecta astronomica, onde as mesmas estampas são utilizadas. A ser assim, este manuscrito conterá um dos mais antigos exemplos conservados de “textos de apoio” usados no ensino. Se essa práctica se refere a Coimbra ou à “Aula da Esfera” de Lisboa é questão que julgamos ainda por resolver.
TACQUET, André, 1612-1660
Elementa geometriae planae ac solidae. Editio tertia correctior. Antuerpiae : apud Iacobum Meursium, 1672. [24], 350, [12] p. ; 8º (15 cm). Faltam as f. desdobr. com as estampas. Encadernação em pergaminho com vestígios de atacas. BJ 4 A-14-27-11
A este exemplar do “Manual” de Tacquet faltam todas as gravuras originais. Às vezes, no trabalho bibliográfico também apetece embarcar nalguns voos de imaginação: sabemos que foram as estampas de uma das edições de 1672 os modelos utilizados para a produção (talvez conimbricense) das centenas de azulejos didácticos azul e branco que terão ornamentado a sala do ensino de Matemática (a Sala de Cosmografia?) do Colégio das Artes de Coimbra, a grande escola jesuíta do país. Tudo isto para melhorar o ensino nas escolas da Província portuguesa, seguindo as recomendações do Geral Tirso González na sua Ordinatio, de 1692. Será que as imagens que serviram de modelos àquela empreitada foram arrancadas deste mesmo exemplar que se conserva até hoje no fundo da Biblioteca Joanina?
GUSMÃO, Bartolomeu de, S.J., 1685-1724
Manifesto sumario para os q[ue] ignorão poderse navegar pello elemento do Ar [manuscrito]. [ca. 1709]. f. 234-241 : papel ; 215x153 mm. Cópia da época. Encadernado com cartas e papeis vários. Encadernação em pele. Ms. 342, f. 234-244
GUSMÃO, Bartolomeu de, S.J., 1685-1724
[Petição de Bartolomeu Lourenço para lhe ser concedido o privilégio de só ele poder fabricar instrumentos para voar] [manuscrito]. [inícios de 1709]. [1] f. (f. 431 r, v) : papel ; 330x220 mm. Cópia da época. F. 431, numeração antiga, a tinta, e f. 410, 410 v., a lápis, num. moderna. Com papeis vários, impressos e manuscritos. Encadernação em pergaminho. Ms. 677, f. 410-410v
O primeiro homem a fazer voar um balão aerostático foi o jovem jesuíta brasileiro Bartholomeu Lourenço de Gusmão, em 8 de Agosto de 1709, diante do Rei D. João V, da Rainha, do Núncio Apostólico Cardeal Conti (depois Papa Inocêncio XIII) e de toda a corte, em Lisboa. A ascensão do universitário de Coimbra despertou a maledicência dos lisboetas e a desconfiança da Santa Inquisição, e o “Padre voador” teve de renunciar publicamente às suas ideias. Ideias que se contêm no primeiro destes dois manuscritos: no “Manifesto”, Gusmão faz a eloquente defesa física e filosófica (porém não teológica) da possibilidade da máquina voadora. O desenho da folha 247v. do Ms. 342, reproduzido pela primeira vez em 1868, tem-se mantido estranhamente desconhecido mas é muito mais verosímil do que as gravuras fantasiosas que se divulgaram tardiamente. Por seu lado, a “Petição” (se for autêntica) pode considerar-se o primeiro pedido de patente na área aeronáutica, que lhe terá sido concedido por Alvará, em 19 de Abril de 1709. A Biblioteca Geral possui também uma boa colecção de sátiras feitas ao “Voador”, tanto em prosa como em poesia (Ms. 342, 353, 357, 389, 392, 526, etc.) na sua época e ainda muitas décadas depois.
"Senhor, Diz Bertholameu Lourenço que elle tem descuberto hum instrumento para se andar pello ar, da mesma sorte que pella terra, e pello mar, e com muito mais brevidade, fazendosse muitas vezes duzentas e mais Legoas de caminho por dia, no qual instrumento se poderão levar os avizos de mais importancia aos exercitos e terras muy remotas quasi no mesmo tempo em que se rezolverem: em que interessa Vossa Magestade muito mais que nenhum dos outros Príncipes pella maior distancia do seu domínio, evitandosse desta sorte os desgovernos das conquistas, que procedem em grande parte de chegar muito tarde a noticia delles a Vossa Magestade. Alem do que poderá Vossa Magestade mandar vir todo o precioso dellas muito mais brevemente e mais seguro. Poderão os homens de negocio passar letras de cabedais com a mesma brevidade. Todas as Praças sitiadas poderão ser socorridas tanto de gente como de munições e viveres a todo o tempo, e retirarse dellas as passoas que quizerem sem que o inimigo o possa impedir. Descobrirsehão as Regiões que ficão mais vezinhas aos Polos do Mundo, sendo da Nação Portuguesa a gloria deste descobrimento que tantas vezes têm intentado, inutilmente, os estrangeiros. Sabersehão as verdadeiras longitudes de todo o mundo, que, por estarem erradas nos mappas, cauzão muitos naufrágios, alem das infinitas conveniencias que mostrará o tempo e outras que por si são notorias, que todas merecem a Real attenção de Vossa Magestade. E porque deste invento tão útil se podem seguir muitas desordens e cometendosse com seu uso muitos crimes e facilitandosse muitos mais, na confiança de se poder passar logo a outros Reynos, so se evita estando reduzido o seu uso a huma so pessoa a quem se mande a todo o tempo as ordens que forem convenientes a respeito do dito transporte, e prohibindosse a todos os mais sob graves penas, e he bem se remunere ao suplicante invento de tanta importancia. Pede a Vossa Magestade seja servido conceder ao suplicante o previlegio de que pondo por obra o dito invento, nenhuma pessoa de qualquer qualidade que for possa usar delle em nenhum tempo neste Reyno e suas Conquistas, nem trazello de fora para o dito Reyno ou Conquistas com qualquer pretexto sem licença do suplicante e de seus herdeiros, sob pena de perdimento de todos os seus bens, a metade para o suplicante e a metade para quem os acusar, e sobre as mais penas que a Vossa Magestade parecer pede a importancia deste negocio, as quaes todas terão lugar tanto que constar que alguma pessoa faz o sobredito instrumento, ainda que não tenha usado delle, para que não fiquem frustradas as ditas penas, ausentandosse o que as tiver encorrido. E. R. M. (Espera Real Mercê)."
Anotação do copista: "Desceo a consulta, concedeuse-lhe o Previlegio, e dizem tem comprado para a fabrica de tal instrumento aerio 24 arrobas de arames surtido, isto he, grossos e delgados, e quantidade de papel; com que teremos algum desses chamados Papagayos. Dizem tambem que a primeira jornada que faz he a buscar tantos mil moyos de trigo, que estará aqui brevemente etc."
FIGURAS
[Figuras para o estudo da física] [manuscrito]. [1779?-1781]. 3 vol. : papel ; 485x378 mm; 482x370 mm; 480x376 mm. Encadernação em pele marmoreada com duplo filete gravada a ferros dourados, lombada gravada a ferros dourados. Ms. 3152/3154
Um total de três volumes (de que aqui se mostram apenas dois) desenhados pelo oficial mecânico Joaquim José da Silva Nogueira, “abridor de cunhos” da Imprensa da Universidade, para ilustrar as aulas de Ciências Físico-Matemáticas que o professor José Monteiro da Rocha (1734-1819) regeu na Universidade de Coimbra até 1783. São um bom exemplo do tipo de inovação prática que a Reforma Pombalina pretendia introduzir no ensino, permitindo aos alunos seguir as explicações e demonstrações do Mestre. Os dois volumes de “Mecânica” e de “Hidrologia” estavam concluídos e encadernados em 1780, enquanto o volume da “Óptica”, ainda estava a ser desenhado em Março de 1781. Monteiro da Rocha, notável matemático e astrónomo, foi Director do Observatório Astronómico da Universidade, autor de fórmulas simples e elegantes para o cálculo dos eclipses e inventor (não-creditado, por atraso da publicação) do primeiro método prático de determinação dos parâmetros orbitais de um cometa.
CARVALHO, Joaquim Augusto Simões de, 1821-1902
Curso de Philosophia Chymica, e de galvanismo lido nesta Universidade como prova de habilitação para oppozitor… [manuscrito]. 1849. [1]f., 578 p. ; papel; 305x224 mm. Originalmente brochado em papel azul (295x215 mm); enc. meia inglesa com lombada em pele gravada a ouro, posterior a 1935. Ms.1369
Na 16ª lição desta Tese de 1849, já se ensinavam a fotografia e o daguerriótipo (inventado em 1839). O texto foi publicado no ano seguinte com o título Lições de philosophia chimica pela Typographia da Rua da Mathematica, em Coimbra. Pela mesma época, também o Visconde de Vila Maior, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel (1809-1884), que veio a ser Reitor da Universidade, refere a aplicação na fotografia de alguns compostos químicos nas suas Lições de chymica geral e suas principais applicações, em três volumes, publicadas entre 1850 e 1852. E, desde a sua criação, em 1852, a revista conimbricense “O Instituto”, órgão do “Clube dos Lentes”, traz referências diversas à fotografia. Tudo isto evidencia que Coimbra e a sua Universidade tiveram, sem dúvida, um papel determinante na introdução da técnica fotográfica em Portugal.
THOMPSON, Charles Thurston, 1818-1868
Monumentos architectonicos de Coimbra [visual gráfico]. [Londres : ed. do aut.,1866?]. 2 vol. : fotograf. por colódio húmido ; 605x477 mm ; 455x306 mm. Encadernação meio-amador em tela, com rótulo em ferros dourados. R-69-16/16 A
Nesta Mostra expõe-se apenas um dos dois álbuns de fotografias realizados em Setembro de 1866, pelo fotógrafo Charles Thurston Thompson (1816-1868) do Museu de South Kensington (actual Victoria and Albert), em Londres. Num grande empreendimento do imperialismo cultural britânico do século XIX, aquele Museu financiou excursões a Espanha e a Portugal, com o objectivo de fixar pela fotografia os grandes monumentos arquitectónicos da Península. Dessas excursões resultaram dois álbuns que foram oferecidos ao então Reitor da Universidade e que hoje se encontram nos fundos da Biblioteca Geral. A sua autoria só recentemente foi identificada pelo investigador Alexandre Ramires, mas, reconhecida a sua importância, ingressaram de imediato na secção de Reservados da BGUC. Entre as várias fotografias do Paço das Escolas, existe uma particularmente rara do interior da Biblioteca Joanina, tirada numa época em que a fotografia de interiores ainda não estava ao alcance da generalidade dos fotógrafos.
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