quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Entrega de diplomas de mérito

Novo post de Rui Baptista sobre a educação em Portugal:


“Quando toda a gente é alguém, ninguém é alguém”

Benjamim Franklin


Começo por referir uma opinião do notável ensaísta Eduardo Lourenço: “Os portugueses vivem em permanente representação tão obsessivo é neles o sentimento de fragilidade íntima inconsciente, e a correspondente vontade de a compensar com o desejo de fazer boa figura, a título pessoal”.

Ora esse desejo pode ter-se manifestado com a atribuição de diplomas de mérito e prémios pecuniários aos alunos do 12.º ano por parte do Governo, um caso que foi polemizado com a intervenção de várias personalidades ligadas à Educação, conforme consta de um artigo de Sara R. Oliveira (11.09.2008) no Portal da Educação – Educar (11.09.2008).

Mas falemos, apenas e por agora, na entrega de diplomas de mérito que exaltam o esforço dos alunos. Embora bastante crítico publicamente para com muitas medidas emanadas do Ministério da Educação, não alinho no coro maniqueísta de um certo sindicalismo de bota-abaixo em considerar que todas as decisões emanadas da 5 de Outubro são más ou mesmo péssimas.

Assim, em defesa daquilo que tenho como um combate à mediocridade de um ensino que iguala desiguais, sem ter em conta o alto valor, de uns, e a mediocridade, de outros, tenho esta medida como uma possível e desejável tentativa no combate ao facilitismo que grassa no ensino nacional proscrevendo o secular legado de Erasmo de Roterdão: “A principal esperança de uma nação reside na Educação apropriada da sua juventude”. Ademais, busco respaldo numa figura grada da nossa cultura, o falecido ensaísta António José Saraiva, quando criticava o mau trato dado às elites porque “assustam muitos democratas por julgarem que as sociedades podem ser superfícies rasas”.

Aliás, idêntico procedimento deve ser contestado numa avaliação "rasa" dos docentes que não tenha na devida conta que os professores não são todos iguais em capacidade de trabalho e entrega à profissão. Distingue-os vários níveis de competência na forma como exercem o seu múnus, definidos, com rara felicidade, por William Arthur Ward: O professor medíocre diz, o bom professor explica, o professor superior demonstra e o grande professor inspira”. Será justo utilizar uma bitola avaliativa que não penalize “o professor medíocre” e valorize “o professor que inspira”, como sendo ambos farinha do mesmo saco?

A um ano de eleições e em época de declarada crise nacional do sistema educativo, uma medida que podia e devia ser digna de “uma pingadeira de glória”, como diria Eça, descambou, porém, ad nauseam, em sessões de propaganda eleitoral orquestradas por altas figuras de Estado no ambiente das escolas de ensino secundário com muitos jovens em idade de votar ou que para lá caminham.

5 comentários:

Victor Gonçalves disse...

Alexis de Tocqueville dizia em De la démocracie en Amérique que a vontade de igualdade se iria sobrepor à vontade de liberdade. Como se estivesse inscrito no funcionamento básico das nossas emoções um desejo igualitarista que a democracia, com o seu rol utópico de promessas de bem estar, veio potenciar ainda mais.

Por isso, não surpreende que exista uma contradição, com a qual teremos de viver ainda durante muito anos, entre o desejo de distinção, como refere Eduardo Lourenço, e o desejo de igualdade.

Não apenas uma contradição lógica, pequeno truísmo, mas um oxímoro existencial (à falta de melhor termo chamo existencial à vida consciente com outros dentro de uma determinada cultura), somos simultaneamente e irredutivelmente igualitaristas e hierarquistas (experimento este neologismo).

Rui Baptista disse...

Por considerar que elas são o cerne de uma questão por resolver (mais no aspecto dos actos e menos na questão das palavras), aproprio-me das duas últimas linhas do seu comentário: "somos simultaneamente e irredutivelmente igualitaristas e hierarquistas". A que eu acrescentaria com uma certa dose de cinismo: igualitaristas em relação aos que nos são superiores (em fortuna, em capacidade de trabalho, em reconhecimento e felicidade social, etc.); hierarquistas relativamente aos que nos são inferiores, muitas vezes, apenas, em aspectos da roda da fortuna. É este paradoxo que é de difícil solução, senão mesmo utópico. Diria mesmo, irredutivelmente utópico.

Uma sociedade "rasa" é um convite aos calaceiros em pouco ou nada fazerem deixando para os mais válidos o encargo de tudo fazerem por eles. Uma sociedade sem classes, indiferenciada, sem reconhecer o mérito do trabalho sério, o esforço de quem mais trabalha (e no caso vertente, quem mais estuda) torna-se estupidamente injusta por dar azo a uma abulia social que faz emergir elites que sobressaem da mediocridade para ascenderem, com pouco ou nenhum mérito, às cúpulas dirigentes do mais alto nível dessa mesma sociedade.

Lembremo-nos da dúvida sobre a condição humana lançada por Pascal: "Que quimera é o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que prodígio, juiz de todas as coisas, verme imbecil, cloaca de incerteza e de erro, glória e nojo do Universo. Quem deslindará esta embrulhada?"

Uma sociedade gerada e formada, simultaneamente, por “glórias e nojos do Universo”, poderá aspirar em ser uma sociedade perfeita, uma espécie de paraíso fraterno e prenhe de igualdade?”

Termino com as suas palavras: “somos simultaneamente e irredutivelmente igualitaristas e hierarquistas”. Quem resolverá este paradoxo? O repto aqui fica com o agradecimento pelo seu comentário e pelo contributo trazido a uma questão social por resolver ou mar resolvida.

Rui Baptista disse...

Na última linha do meu comentário onde escrevi "mar resolvida", deverá ser lido "mal resolvida"

Unknown disse...

Já agora que estou em maré de me penitenciar dos meus erros, aqui vai mais uma correcção ao meu comentário:

Deverá ler-se:

Uma sociedade gerada e formada, simultaneamente, por “glórias e nojos do Universo”, poderá aspirar [em] a ser uma sociedade perfeita, uma espécie de paraíso fraterno e prenhe de igualdade?”

Carlos Fiolhais disse...

ESte post, com pequenas modificações, saiu nas "Cartas dos Leitores" do "Público" de hoje.
Carlos Fiolhais

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