segunda-feira, 29 de setembro de 2008

"É contruir a Torre de Babel para chegar ao céu"


Extracto da entrevista de António Mega Ferreira (AMF), escritor e presidente do Centro Cultural de Belém (Lisboa), no último "Jornal de Letras" (JL):

"JL: Mas tinha as gavetas cheias de cadernos de apontamentos, com poemas, passagens, ideias, projectos literários?

AMF: O escritor é um grande reciclador. (...) Integrei neste livro ["A Blusa Romena"], por exemplo, um texto sobre Espinoza que tinha publicado há uns anos. Ocorreu-me porque definia bem aquilo que era a perplexidade da personagem perante a ideia de Deus. E que tinha a ver com a ambição divina do criador, daquele que quer opôr uma ordem, dar forma a uma série de coisas e onde há o Caos criar o Cosmos.


JL: A Ciência vai experimentar esse gosto divino com o grande acelerador de partículas...


AMF: E os recursos que se mobilizaram para fazer aquela máquina extraordin
ária e perceber como foi no princípio. Leio as descrições maravilhado. Como é possível construir uma coisa com aquele diâmetro, debaixo de uma país?

JL: Interessa-se pela Ciência?


AMF: Sim, fascina-me. Não me intimida nada, nem aquelas questões da clonagem. Mas há uma parte de descobertas científicas que não compreendo. Leio, leio, mas não chego lá. No caso do acelerador de partículas, compreendo qual o processo e o interesse. É construir a Torre de Babel para chegar ao céu. Ao contrário de muita gente, não acho nada inútil. Tentar compreender o mais possível é aquilo que nos distingue das outras espécies à superfície da Terra. E queremos saber mais e mais.


JL: A Literatura é também para si uma forma de compreender o mundo?


AMF: Mais de o interrogar. Os grandes romances não trazem respostas, interrogam, põem em causa, desestabilizam, inquietam, insinuam. O romance é uma máquina de interrogação do mundo."

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