sexta-feira, 5 de setembro de 2008
H. G. WELLS E PORTUGAL
O grande escritor inglês Herbert George Wells (1866-1946) de ficção científica e não só (basta referir títulos como “A Guerra dos Mundos” e “A Máquina do Tempo”, mas há outros, muitos outros) passou uma temporada em Portugal para se restabelecer de doença. No seu livro de 1924 “A Year of Prophesying” (Fisher Unwin, Londres), o Capítulo 25 é dedicado a Portugal. Intitula-se: “Portugal and prosperity: the blessedness of being a little nation”. Depois de descrever as nossas coloridas belezas naturais pinta de cores negras a situação social e política de então. Não querendo fazer concorrência ao Desidério, que tão bem traduziu Orwell, transcrevo um extracto com data de 1 de Março de 1924 com tradução minha, agradecendo ao meu colega José Mota, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, ter-me um dia chamado a atenção para o interessante texto. Na parte final do capítulo, que já não traduzi, Wells apresenta uma proposta para remediar os nossos males: a federação não só com Espanha como com países da América Latina, pois segundo ele Portugal não teria dimensão por si só para ser um país próspero.
“Portugal tem um clima sempre interessante e em geral delicioso. Lá tem as suas ocasiões de tormenta com ventos marítimos e chuvas copiosas, e então a única coisa que há a fazer aqui no Estoril – excepto trabalhar – é ir para a costa mais ocidental e ver as ondas verdes do Atlântico bater nos rochedos e explodir em grandes montanhas de espuma iluminada pelo sol. E ser apanhado e ensopado pelo grande temporal, e depois regressar a casa. Ou sopra o vento norte, normalmente sopra o vento norte, e então o ar é tão vivo e doce como o ar dos Alpes e o céu é de um azul surpreendente. As flores são extraordinárias. Há lírios roxos em todos os cursos de água; as margens estão vivas com mitras e espigas altas de bocas-e-leão; nas florestas proliferam scillas e estevas. No outro dia, ao passear por uma charneca barrenta, deparei com uma multidão de moitas verticais de uma espécie de urze branca, muito grande e redonda, toda ela de cor de rosa, e por todo o lado entre essas moitas rastejava uma flor azul – lithospermum julgo. E não havia vivalma para apreciar esta luxuriante beleza excepto eu e um outro passeante ocasional pelo mesmo trilho.
Quer esteja a chover ou não, o ar em Portugal tem uma felicidade particular e as pessoas desse país deviam ser tão felizes e prósperas como qualquer povo do mundo. O país tem uma situação magnífica e grandes territórios ultramarinos. Lisboa é o porto natural da Europa para a América do Sul e para a África Ocidental. As oliveiras e as laranjeiras e espécies semelhantes podem ser aqui cultivadas nas melhores condições possíveis. A riqueza mineral é muito diversa e extensa, embora em larga medida inexplorada, e inclui filões radioactivos de importância mundial. E por aí fora. Existem todas as condições para haver uma grande prosperidade. Mas, de facto, nunca vi uma nação com um aspecto tão pouco próspero. Uma enorme pobreza prevalece em toda esta terra. Nunca vi em lado nenhum do mundo, nem sequer na Rússia, trabalhadores tão andrajosos, tão remendados e esfarrapados, tão manifestamente mal-cuidados e subnutridos. E há também numerosas doenças que podiam ser prevenidas. As mulheres estão velhas aos trinta anos, dando à luz filhos que vão morrer; os homens estão corcundas aos cinquenta. As casas mais pobres são casebres, e metade da população é analfabeta. E, no entanto, não se trata de uma população inferior. É variada no seu tipo e compleição física, há um número distintivamente elevado de rostos inteligentes e interessantes, e os modos do povo têm muito da genialidade do ar que respiram.
Porque é que este povo é tão conspicuamente pobre? Porque é que as estradas são tão abomináveis que mesmo entre este meu próspero e agradável idílio do Estoril e a cidade de Lisboa, a doze milhas de distância, uma viagem de automóvel é uma aventura perigosa? Porque é que as minhas cartas e telegramas ficam a apodrecer nos correios de Lisboa e porque é que toda a gente diz que as coisas vão de mal a pior e espera remédios tão violentos como uma ditadura? Em nenhum outra parte da Europa o enigma do declínio europeu se coloca de uma maneira tão crua como aqui neste lugar de sol ventoso, cores alegres e beleza naturais.
(...) Os comboios em Portugal estão num estado miserável e as estradas metem medo. Por todo o lado se vêem sinais evidentes de uma administração incompetente ou corrupta. Um pequeno país como este, com uma moeda instável, não consegue assegurar uma educação moderna para o seu povo. Não existe um público que leia o suficiente para manter uma imprensa com poder e uma literatura de crítica política. Os ministros não são suficientemente vigiados. E sobre as coisas que se passam nas colónias portuguesas dificilmente podemos saber alguma coisa lendo a imprensa portuguesa. Parece que não existe opinião pública que olhe para lá. Os portugueses que enriquecem nas colónias depositam e investem o seu dinheiro no estrangeiro, em geral em Londres; há uma saída permanente destes tributos do império português para os estados maiores e mais estáveis. Em nenhum lado da Europa se tem um sentimento tão intenso de um país penhorado ao capital guardado lá fora.”
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
AS FÉRIAS ESCOLARES DOS ALUNOS SERÃO PARA... APRENDER IA!
Quando, em Agosto deste ano, o actual Ministério da Educação anunciou que ia avaliar o impacto dos manuais digitais suspendendo, entretanto,...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à in...
4 comentários:
Realmente é muito estranho que alguém há 84 anos tenha conseguido fazer um retrato tão fiel de um país que ainda hoje pouco difere da imagem dessa altura.
Talvez as únicas diferenças sejam apenas estas:
- já não se usam cartas e correio, os telemóveis são mais rápidos e não necessitam de escrita, muito conveniente numa população que passou de 50% de analfabetismo para uns gloriosos 95%;
- já não há colónias;
- o dinheiro já não sai para Londres mas para um dos inúmeros paraísos fiscais;
- a ditadura já passou por cá e foi substituída.
Excelente texto, sempre oportuno.
Terá sido este texto a incutir nos portugueses esta megalómana ideia de construir auto-estradas para todo o lugar, umas ao lado das outras?
Um retrato fiel da portugalidade, não actual mas útil para entendermos a actualidade.
Só a nortada é imutável.
Meus Amigos
Ass.: G. Welles o parvalhão
É verdade que andámos, e bem, sempre à cata do "el dourado", máxime essa coisa da "UE", mas depois falta-nos, em casa, o engenho e a arte para multiplicarmos os pãezinhos, além de que, por norma, as talegas têm ficado quase sempre em meia dúzia de alforges. Verdade seja dita, hoje, uma espécie de roedores, têm-se multiplicado aos milhares(?), e o "ouro da UE" usado para encher essas lustrosas barrigonas. Desde 1143, data que tem de ser ajustada 36(?) anos que o povão vive em ditadura, e pelos vistos adora esse regime, embora, para disfarçar, vá dando uns gritinhos de vez em quando, seja em 1822, 1910, 1926, 1974, culminando no pleno, e actual, regime coreano nortenho (branco), não confundir com socratismo. Veja-se em; http://www.citador.pt/cact.php?op=7&author=70&firstrec=0
Os problemas dos tugas, ou de qualquer outro país, nunca hão-de ser resolvidos pelos salvadores da pátria, seja o Sebastião, Pombal, Sidónio, Salazar, Caetano, Soares, Sá Carneiro, e outra plebe. O pessoal sempre foi especialista em razias, e prantos, e parco em iniciativas. Todos os países, como as quintas, são viáveis, e não precisamos de nos pendurar aos espanhóis, embora, quiçá, ganhássemos algum salero. É para isso que existem as relações económicas internacionais, e a globalização.
Todavia, o retrato que G. Welles, em 1927, ou em qualquer outra época, faz da rapaziada portuguesa é nojento, e revela como os "bifes" nos viam num passado não muito longínquo. Por sinal vivi até à adolescência numa colónia britânica no Alentejo baixo, e o retrato do tacanho do Welles peca por defeito. O pessoal não usava remendos mas buracos na roupa, no estômago, nas carnes e no íntimo, a maioria deles causados pelos pares do G. Welles.
Abração
Gil Teixeira
fortíssimo este texto. Mas qual é a explicação para este estado de coisas que dura há 5 séculos?
Em pequeno ouvi muitas vezes dizer que as elites portuguesas tinham desaparecido em Alcácer Quibir e determinado o futuro negro do pais. Mas nunca acreditei muito nisso. Acho que é algo cultural. Acho que tem a ver com a tendencia para a arrogancia e o facto de esta não fazer parte dos pecados mortais.
as pessoas que têm um mínimo de sucesso tornam-se arrogantes, o sucesso passa a ser visto como um «mal», um empresário é uma pessoa mal vista, inovar, fazer as coisas avançar, é visto como se de um pecado se tratasse.
O drama do fim do séc xv não terá sido essa batalha mas a expulsão dos empresários - que eram judeus.
O certo, certo, é que me farto de ouvir as pessoas falarem dos empresários como se fossem ladrões. Inveja? O certo certo é que quase só vai para empresário quem não consegue arranjar emprego. O certo certo é que os cursos de empreendedorismo no ensino oficial são só para aqueles que abandonam o ensino obrigatório. Ser empresário é próprio dos «burros» neste pais.E assim não há desenvolvimento possível.
Enviar um comentário