Agora que Thabo Mbeki, líder da África do Sul e campeão da ignorância científica, devido às suas posições sobre a SIDA (AIDS no Brasil) saiu de cena, é altura de recordar o que sobre a SIDA e sobre ele escrevi no meu livro "A Coisa Mais Preciosa que Temos" (Gradiva). Porém, o futuro líder pode não ser melhor, como relata este post.
Convidaram-me na Semana Mundial de Combate à SIDA realizada em Novembro de 2000 para participar numa mesa-redonda intitulada “Do outro lado da SIDA”. Tratava-se de reunir pessoas que, em princípio, não são especialistas na doença, nem no seu estudo nem na sua prevenção e tratamento, não estavam portanto “do lado da SIDA”, mas sim do “outro lado”, o lado dos leigos. Juntaram-se assim, além de um físico, uma socióloga, um psicólogo e um filósofo. O desafio, pela novidade, era aliciante. Assim como era aliciante poder contribuir de alguma maneira para o melhor esclarecimento público sobre a terrível doença.
Que tem um físico a dizer sobre a SIDA? Sobre o assunto ele não sabe mais do que aquilo que é divulgado publicamente, em folhetos e nos “mass media”, que a SIDA, síndroma de imunodeficiência adquirida, é uma doença transmitida por vírus, o HIV ou outros do género, que necessitam de um contacto íntimo para se transmitir. Uma vez instalado, fica-se seropositivo: o vírus pode demorar algum tempo a executar a sua missão mortífera, mas acaba em geral por destruir as defesas do organismo, falecendo o seu portador por uma debilitação progressiva. Tal é conhecido de toda a gente, assim como os meios de evitar contactos transmissores de doença. Se acaso houver alguém que ainda não saiba, fica a informação que o vírus não atravessa um preservativo! Também é conhecido que, apesar de não haver actualmente nem vacina nem cura para a SIDA, existem meios de tratamento com relativa eficácia: algumas drogas químicas como o AZT, combinadas e em doses que não deixam de provocar efeitos secundários, podem em muitos casos adiar, mesmo indefinidamente, as manifestações da doença. Em todo o mundo, enquanto a SIDA cresce (nomeadamente em África) são procurados em institutos e laboratórios meios eficazes de prevenir e tratar a doença. E há a esperança que os cientistas consigam um dia vencer o vírus, antes que o vírus nos vença a nós.
Um físico, porque conhece por dentro os mecanismos de funcionamento da ciência (e da sua filha, a tecnologia, apesar desta ser uma filha pródiga que saiu de casa e leva uma vida por vezes pouco recomendável), acredita no vírus sem nunca o ter visto, nem mais novo nem mais velho. Sabe que ele foi identificado nos anos oitenta por colegas seus cientistas. Lembra-se bem de ter lido em revistas de divulgação e também nos media o debate sobre a prioridade da descoberta, entre o francês Luc Montagnier e o norte-americano Max Gallo. Sabe que essa identificação passou por um crivo muito apertado que é o reconhecimento dos pares e que só depois disso ela foi publicada em revistas científicas especializadas. Sabe que depois da descoberta esta foi escrutinada e confirmada em numerosos laboratórios e que os novos meios de tratamento se baseiam obviamente na natureza e acção dos microorganismos portadores da doença. Apesar de ser uma doença letal, que chega a todos (e não apenas a homosexuais e drogados, como muita gente julgava), a que alguém já chamou uma “praga do fim do século”, trata-se apenas de um efeito desregulador causado por vírus, que está ser, cada dia que passa, mais bem conhecido e, por isso, mais bem combatido.
Mas será que toda a gente sabe que a SIDA vem de um vírus, pequeníssimo e invisível a olho nú, e que, baseado no conhecimento que advém desse facto, actua em conformidade com o nosso melhor conhecimento sobre a propagação viral nos humanos? Infelizmente não... Este é um dos muitos casos de ignorância científica que pululam no mundo moderno. A sociedade moderna é dominada pela ciência mas parece que a mente humana teima em não reconhecer esse domínio. E o pior é quando a ignorância científica está instalada no governo das nações, ampliando devastadoramente os seus resultados a uma escala colectiva.
É isto, a falta de cultura científica nos cidadãos e nos governos, que mais pode preocupar um físico, a propósito da SIDA. É um facto que a generalidade dos governos tem actuado de acordo com aquilo que é o nosso melhor conhecimento da SIDA, realizando campanhas públicas de prevenção, fornecendo meios de diagnóstico e modernizando os meios de tratamento. Mas um contra-exemplo que vale a pena apontar como “campeão” da ignorância científica é o actual governo da África do Sul, personalizado na pessoa do presidente Thabo Mbeki.
Mbeki, infeliz sucessor do grande Nelson Mandela, diz não acreditar que a SIDA seja causada por vírus. Atribui a doença ao subdesenvolvimento e à má-nutrição, chegando a sugerir que são os próprios meios de tratamento (o AZT e outros) que causam a doença. Morrer-se-ia não da doença mas da cura! O seu pensamento radica numa ideia muito “sui generis” e muito errada de ciência, que faz lembrar a “ciência alemã” do tempo da Segunda Grande Guerra. O que é africano ou sul-africano é bom, o que vier de fora é necessariamente mau. A tal ponto que, quando alguns médicos sul-africanos propuseram um remédio absurdo para a SIDA (o viroderme, que tanta controvérsia deu mas de que já ninguém fala, e que apareceu associado ao nome de uma médica portuguesa), tal solução foi imediatamente apoiada por autoridades sul-africanas em detrimento de outras que, apesar de cientificamente mais sólidas, não eram africanas. Mbeki chegou a patrocinar reuniões sobre a SIDA em que cerca de metade dos convidados eram vozes heterodoxas dos meios médicos e farmacêuticos, que são ultra-minoritários na comunidade científica, procurando auxílio científico às suas teses.
Pode parecer estranho a um leigo que a ciência contenha contradições e contraditores. Pois não é a ciência certa? Não, a ciência não é certa, mas contém em si, no seu método, um caminho para nos livrarmos progressivamente da incerteza. Para nos livrarmos do erro. E o método científico tem o seu juiz no consenso da própria comunidade científica especializada num dado assunto, perante todo o conjunto de provas produzidas. Não é de maneira nenhuma necessária unanimidade para se chegar a um resultado científico mas tão só e simplesmente maioria (quantos disparates se ouvem por aí por não se conhecer a metodologia científica: veja-se o caso português da co-incineração!). Há uns, poucos, cientistas que não acreditam no vírus: um deles é muito conhecido, Peter Duesberg, professor de Biologia Molecular na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos. Não são necessariamente pessoas estúpidas, apesar de também o poderem ser. E têm todo o direito a expandir a sua opinião (fazem-no de resto muito bem na Internet). É bom que a exprimam porque a ciência vive da disputa viva, do choque dos contrários. Mas a esmagadora maioria dos cientistas da SIDA reconhece a descoberta do vírus como a maior e melhor peça de conhecimento sobre a SIDA disponível até hoje, desenvolvendo a sua actividade em conformidade.
Na África do Sul continua-se a morrer estupidamente de SIDA. Actualmente, cerca de 15% dos adultos de sexo masculino estão infectados e tal número tem uma tendência muito perigosa a crescer. Morre-se por ignorância própria (promiscuidade sexual, por exemplo) mas também por ignorância do governo (que dificulta a experimentação de fármacos anti-SIDA). Morre-se até inocentemente como as numerosas crianças que recebem o vírus no ventre ou dos seios de mãe seropositiva, sem que o governo e as autoridades de saúde lhes dêem qualquer atenção e prioridade.
Morre-se – e é uma das piores mortes – de ignorância científica. Saber alguma ciência, reconhecer o valor e o poder da ciência, actuar de acordo com o que a ciência actual diz pode ser uma questão de vida ou de morte. E é isto o que um físico tem a dizer sobre a SIDA.
4 comentários:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1411838
" A suspension of fluorescence-labeled, 110-nm polystyrene microspheres models free human immunodeficiency virus (HIV) in semen, and condom leakage is detected spectrofluorometrically. Leakage of HIV-sized particles through latex condoms was detectable (P less than 0.03) for as many as 29 of the 89 condoms tested. Worst-case condom barrier effectiveness (fluid transfer prevention), however, is shown to be at least 10(4) times better than not using a condom at all, suggesting that condom use substantially reduces but does not eliminate the risk of HIV transmission."
Depois de ler isto, como conciliar esta informação com a frase "Se acaso houver alguém que ainda não saiba, fica a informação que o vírus não atravessa um preservativo!"?
Não seria muito mais correcto (e responsavel) dizer que um preservativo diminui bastante (na ordem de 95%) a probabilidade de infecção mas não a elimina, nem mesmo para efeitos práticos?
Dizer que o VIH não atravessa o preservativo quanto a mim apenas pode ser considerado como uma mentira para os preservativos comummente utilizados.
O HIV não existe
http://thusbeginstheweb.blogspot.com/2007/05/o-hiv-no-existe.html
Olá.
É interessante esta posição que relatam aqui neste post. Conhecendo a forma de pensar deste tipo de pessoas, posso dizer que realmente tem as suas deficiências em termos de compreensão da realidade. Este tipo de pessoas acredita que tudo surgiu de uma explosão no início de tudo, e que o homem é o produto de uma evolução vertical. A sua forma de expressar a realidade aponta que o homem é a realização final de todo este processo e que procura o conhecimento universal, ou seja, procura a essência de todas as formas de pensar existentes, credos e religiões. Ao fazer isto, acabam a desviar-se um pouco do entendimento acerca do que é a ciência e como a sua forma de pensar pode influenciar este seu entendimento. Eu participei numa contra-conferência à conferência mundial organizada de dois em dois anos (este ano foi no México há poucas semanas atrás) no ano de 2002 em Barcelona e pude perceber que a questão é muito na base emocional. No entanto, temos líderes de grandes empresas e organizações a procurar inteirar-se sobre conceitos de inteligência emocional e como esta pode ajudá-la a tomar decisões e entender a realidade. Outras pessoas não procuram este entendimento universal das questões, no entanto, coincidem no entendimento inicial da origem do mundo. Diria então que poderão também dizer algo sobre esta questão, mas não ser muito diferente nalgumas questões que dizem ser científicas. A psicologia ou psicoterapia não é uma ciência por exemplo, embora muita gente diga que o seja. Como se pode observar pensamentos e sentimentos se não passam de entidades imateriais às quais nem o olho humano nem nenhum objecto pode ser usado para observá-los. Portanto, usar de conceitos de ordem psicológica para entender as questões pode não estar a chegar ao cerne da questão. Então, qual é o cerne da questão?
Ok,
Cumprimentos
Só queria acrescentar que a conferência mundial que mencionei era a conferência mundial acerca da SIDA que se realiza de dois em dois anos em locais diferentes. Em 2002, realizou-se em Barcelona como disse. A contra-conferência também se realizou em Barcelona e abordava todas essas questões supostamente alternativas de ver a questão.
Obrigado,
Rui Pereira
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