terça-feira, 2 de setembro de 2008

A tragédia de Hardin

"A Tragédia dos Comuns" é um artigo de Garrett Hardin publicado em 1968 na revista Science. Tem servido de fundamento pretensamente científico da economia de mercado, sobretudo a partir dos anos 80 do século passado. Mas muitos autores pensam que este artigo é uma farófia, e um deles é parcialmente convincente para o leitor imparcial: Ian Angus. O artigo está aqui, via Arts & Letters Daily.
Quando li o artigo de Hardin fiquei espantado como podia ser usado para defender a ideologia norte-americana, pois tudo o que o artigo faz é pressupor que as pessoas são muito egoístas e portanto que é preciso um sistema que não deixe o egoísmo das pessoas levar a situações graves. No artigo não se argumenta 1) que as pessoas são realmente assim tão egoístas (apesar de ser óbvio que essa é a ideologia norte-americana) nem 2) que a única maneira de controlar o egoísmo deletério das pessoas é através dos mercados.

O artigo de Angus é parcialmente convincente, mas enferma do mesmo tipo de ultra-simplificação ao pressupor que as pessoas são anjinhos comunitários. O argumento histórico usado por Angus não funciona, pois as comunidades auto-reguladas e sustentáveis são-no as mais das vezes à custa de uma interferência inaceitável na vida das pessoas, um controlo apertado das mentalidades e das opções, e uma ditadura tradicionalista generalizada.

A realidade não cabe nas ideologias, mas os ideólogos nunca irão reconhecer tal coisa; se o fizessem, não seriam ideólogos.

2 comentários:

M disse...

Falta saber o que é «a» «ideologia norte-americana»...

Velho

Pedro Ribeiro disse...

Li o artigo de Angus e em lado algum consegui perceber o pressuposto de que as pessoas são "anjinhos comunitários". O que me parece que sustenta é que o pressuposto de Hardin de que as pessoas são "naturalmente" egoístas não é indiscutível. O que é algo de diferente.

Parece-me a mim que o erro em que recorrentemente cai quem usualmente se confronta nestas discussões é crer em teses "puristas" quando estamos a lidar com a "natureza" humana. O ser humano é contraditório, é volúvel e capaz por isso de agir de forma egoísta num contexto e de forma cooperativa num outro... e não é imutável! Penso que é o reconhecimento desta complexidade da natureza humana que deita por terra quaisquer teorias "totalitárias" - sejam elas ditadas pela sacralização de um egoísmo individualista, sejam elas ditadas pela supressão do indivíduo em favor de uma fé num colectivo abstracto...

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