Na sequência de posts anteriores, Rui Baptista apresenta e publica aqui a defesa da Ordem dos Professores feita pelo historiador Oliveira Marques:
No Fórum 96 – Pensar a Educação, realizado em Lisboa, em Setembro de 1996, foi apresentada uma comunicação pelo Professor António de Oliveira Marques (1933-2007), um académico louvado em vida e recordado em morte como um dos mais importantes historiadores do Portugal contemporâneo (a sua História de Portugal, em três volumes, Editorial Presença, Lisboa, vai em 13 edições).
Transcrevo, verbo pro verbo, a notável intervenção, intitulada “Para uma Ordem dos Professores”, cujo texto me foi entregue com autorização de o divulgar publicamente. Como noutra ocasião (no meu livro Do Caos à Ordem dos Professores, 2004. pp. 135-137), faço-o com o maior gosto pela importância de que se reveste numa altura em que a Ordem dos Professores está, cada vez mais, na ordem do dia:
“Há anos num congresso do professorado de História reunido em Santarém sugeri a criação de uma Ordem de Historiadores, onde se incluiriam professores e não professores devotados ao mister. Por razões várias, entre elas os habituais desejos de protagonismo de alguns ou os paralelos desejos de sabotagem do protagonismo de outros, a ideia – que nem sequer era projecto – não vingou.
Vem falar-se agora de um alargamento dessa ‘Ordem’ a todos os docentes – primários (agora diz-se ‘básicos’, não sei se com o acordo deles), secundários e universitários (‘superiores’ não, porque os outros não são inferiores) – o que eu acho muito bem, a que dou o meu total aplauso e com a qual colaborarei quando se fundar – a menos que me exijam cotas proporcionais ao ordenado. Porque, então, nada feito ou com um número proporcional de votos proporcional também…
Mas ‘Ordem’ porquê? Não há já sindicatos, associações e outros agrupamentos similares?
Há. Mas um sindicato, por definição e história, existe para defender interesses sobretudo materiais e de bem-estar profissional. E, por razões práticas, restringe-se a fracções profissionais e especiais. Uma associação é um conceito vago, onde tudo cabe, sem rigor, sem objectivo específico como tal.
Uma Ordem desta natureza é, para começar, e em termos filosóficos, um grupo conceptualmente próximo da totalidade dos seus elementos. Nela cabem todos os professores, seja qual o ramo de ensino, a qualificação profissional ou o local onde exercem a sua actividade. Mas a ordem não é equivalente de uniformidade ou monotonia. Quanto mais dominarem, numa multiplicidade, o sentido e a unidade, tanto mais desaparece a uniformidade. Tão-pouco se deve equiparar a Ordem ao estático. A Ordem pode realizar-se de modo dinâmico, como a todos interessa.
Depois, e ainda, a Ordem surge como defesa ética e até estética, de toda uma profissão e de toda uma deontologia. Embora lhe possam interessar questões salariais e de promoção profissional – como lhe importa tudo o que diz respeito ao professorado -, a Ordem delega esses assuntos nos sindicatos, respeitando o espaço tradicional que sempre lhe tem cabido e que sempre tem defendido com honra e dignidade. A Ordem vai preferentemente ocupar-se de outros temas: a dignificação geral da profissão docente, nos seus vários níveis, tão vilipendiada, caluniada e desprestigiada nos tempos que correm; a defesa do docente contra as interferências constantes na sua actividade, na sua autoridade e nos seus conhecimentos; por parte do Estado, das autarquias, dos partidos políticos, das igrejas e cleros, das associações de pais, dos grupos ecológicos e tantos outros, colectividades e indivíduos que, dia após dia, lhe querem apontar caminhos, recordar deveres e criticar métodos, arredando-a ou, pelo menos, afastando-a desse diálogo que deve ser único, entre professor e aluno; a especificidade e a seriedade da profissão ensinante, com a recusa ao amadorismo e a rejeição do aprendizado extracurricular; a elaboração de um código de professorado onde se contenham as suas obrigações e os seus compromisso; a representação da classe docente como um todo, dentro e fora do País; a actualização e reciclagem permanente e organizadas de conhecimentos e métodos de ensino aos vários níveis; o estudo das necessidades e carências lectivas do País e a sua correcção tanto quanto lhe for possível; a inventariação e classificação completas e correctas do universo docente; a humanização do ensino, das relações entre docentes, das relações entre discentes e das relações entre uns e outros, a superintendência – sem intuitos de censura – dos manuais escolares nacionais; a paz e a harmonia entre os membros da classe docente com a possível arbitragem entre eventuais conflitos, tanto de carácter profissional quanto pessoal; e o exame e a resolução de todo e qualquer assunto, interior ou exterior à orgânica da Ordem, que, de perto ou de longe, afecte ou interesse à profissão docente, quer em Portugal quer fora dele.
Enumerei questões a esmo, sem preocupação de as arrumar nem hierarquizar convenientemente. Esqueci-me ou não falei de muitas. Mas por elas se poderá ter uma ideia do papel relevante de uma Ordem dos Professores e do seu lugar na sociedade portuguesa”.
5 comentários:
Um grande senhor, nem eu poderia dizer melhor, tem toda a razão., assim até eu sou a favor da criação de uma ordem, se for a dos historiadores, tanto melhor, venha ela.
Está na altura de se criar um movimento pró-ordem.
Fica Rui Baptista convidado a funda-lo.Ponho-me desde já à disposição para divulgar e eventualmente colaborar.
Saudações pró-ordem,
Nuno Calisto, docente de CFQ do Básico e Secundário.
nunocalisto@gmail.com
Eu também acho que sim, que faz falta um Movimento, separado dos Sindicatos, para criar a Ordem dos Professores e Educadores.
Subscrevo o comentário anterior na sua totalidade e nas suas implicações - pode contar comigo para divulgar e trabalhar messe projecto: fernando.oliveira.martins(arroba)gmail.com
Os simpáticos comentários dos Colegas Nuno Calisto e Fernando Martins, envolvendo a minha pessoa, merecem ser devidamente clarificados e, como tal, merecedores de um post nesse sentido que discuta a situação de uma Ordem desejada por uns, repudiada por outros, e a que terceiros assobiam para o lado quando se discute o assunto.
Bela apologia!
Para quando a Ordem?...
Para quando essa possível "Frente de Resistência", talvez capaz de nos devolver algum do ânimo e alguma da esperança traídos na Primavera?...
Para quando o seu apelo, talvez capaz de nos fazer sentir menos sós e desesperados neste «longa noite de pedra» [palavras do galego Celso Emilio Ferreiro...], perante um ME metamorfoseado em verdadeiro "exército de ocupação" auxiliado pelos "colaboracionistas" habituais?
Para quando a Libertação sonhada?...
Enviar um comentário