Começa hoje em Minneapolis, no Minnesota, a American Atheist Conference 2008 em que Richard Dawkins será um dos oradores. PZ Myers, o biólogo que mantém o meu blog de ciência favorito, o Pharyngula, convidou Dawkins para assistirem ontem à noite a uma premiére do zénite da desonestidade intelectual dos criacionistas, o filme Expelled.
Myers, a família, Richard Dawkins e os membros da Dawkins Foundation estavam na fila para o teatro quando Myers foi reconhecido e ... foi expulso, isto é, foi impedido sob ordens explícitas dos produtores de assistir ao filme. A ironia máxima é que embora tenham expulsado PZ Myers, um dos cientistas americanos mais vocais a denunciar as imbecilidades criacionistas, Dawkins assistiu ao filme para o qual foi ludibriado a colaborar (assim como PZ Myers).
Acho divertidissimo que aqueles que investiram milhões de dólares para denunciar a «expulsão» de Deus e de todos os «esforçados» criacionistas das aulas de biologia em escolas públicas se achem no direito a expulsar de um teatro um dos «actores» que enganaram descaradamente para figurar no filme. Mas claro, este tipo de comportamento é completamente coerente com a linha de acção criacionista assim como o que se seguiu: como pensam que todos se comportam como eles, vandalizando e agredindo os que não seguem as suas crenças, devotaram-se a deturpar o que na realidade se passou, presenciado e testemunhado por outra blogger norte-americana, a autora da foto que ilustra o post.
Um jornalista do Orlando Sentinel que viu o filme faz uma análise do mesmo que recomendo vivamente. Alguns excertos do artido explicam porquê:
«He uses "straw man" tactics to attack, mainly The Origin of the Species, as Darwin wrote it in 1859. That's like a music critic reviewing "the latest" by only referring to Edison's wax cylinders. He sets up false theses that "the other side" must hold (classic Limbaugh, putting lies in the other fellow's mouth, then calling him a liar) and knocks those straw men down. Citing scientific research as recent as 1953, he can't understand why no peer-reviewed scientist thinks his "fairytale" version of the emergence of life is worth his or her time. No, not having a definitive answer about the moment life began...YET...is damning enough for Ben.
Most despicably, Stein, a Jew, invokes the Holocaust, making the Hitler-was-a-Darwinist argument, this AFTER he's used the Holocaust denier's favorite trick, probabilities, "math," to show how remote the chances are that life was created by natural, not supernatural processes.(...)
Animation, similar to that used in Columbine, makes its mock points about how science comes to conclusions and how the culture is structured to accept them. Snippets of The Wizard of Oz, Inherit the Wind and other films (if this polished, credited, scored film is indeed "unfinished," it may be from unresolved rights-clearance issues) to make his points funny. Not really. The Stalin and Soviet and Nazi clips are used in a not-quite-subliminal seduction way to demonize the people who might hold a contrary view.
But all the creative editing in the world only appears to let Stein hold his own with noted British scientist and atheist Richard Dawkins, whose words can be twisted to suggest that "aliens" seeded life on Earth, or at least that's more likely than anything in the Bible being literally true about creation. That's still a more rational explanation than any Stein, being a veteran Republican persuader/operator, offers. Does he really believe the blather he tosses out here? Introducing the movie at the church screening I attended, he had to trot out some nonsense about living in Malibu but not among "the stars. The REAL stars are fighting and dying for our freedom in Iraq and Afghanistan."
Ok. Know your audience, if you're a speech-writer (He used to work in the Nixon White House). Pander, baby, pander.»
O «Know your audience» do jornalista é a constatação de um facto: o apelo ao anti-intelectualismo por parte dos criadores de Expelled, patente na descrição do filme por parte dos que tiveram o desprazer de o visualizar, encontra eco em muitos e não apenas nos Estados Unidos.
Este apelo, implícito ou explícito, é cada vez mais recorrente um pouco por todo o mundo, curiosamente misturado com apelos à autoridade quando dá jeito, isto é, para «provar» que determinada opinião é válida, cita-se os especialistas/intelectuais apropriados. Quando os não há, recorre-se à máxima «Também tenho direito à minha opinião» ou acusa-se o interlocutor de elitista, de há uns anos para cá um piores insultos no léxico de vários países.
De facto, elitista ou de elite tornou-se um insulto em tempos recentes, nomeadamente em termos de educação. Vale a pena ler o artigo The Dumbing Of America, de Susan Jacoby, em que a directora do The Center for Inquiry- New York (formado para promover o uso da razão) explica como uma venenosa mistura de antirracionalismo e ignorância ultrapassa as previsões mais apocalípticas sobre o futuro da cultura dos EUA. E explica também como «É quase impossível falar sobre de que forma a ignorância da população contribui para graves problemas nacionais sem ser rotulada de 'elitista', um dos mais poderosos pejorativos».
O ressurgimento dos movimentos criacionistas - com argumentos tão obstinadamente infantis e cretinos que exasperam o mais paciente cientista - não pode ser visto isoladamente mas deve ser entendido num contexto mais alargado, que já abordei no post «Polícia da Palavra» que terminei:
«Cada vez que ligo a televisão, as telenovelas, concursos imbecis e imbecilizantes, big-brothers e quejandos, Maya's e demais vendedores de banha da cobra, fazem-me pensar na sociedade retratada em Fahrenheit 451. A diferença essencial é que não é necessário queimar livros, estes colectam pó nas prateleiras das livrarias, com excepções que são muitas vezes instrumentos que cumprem a mesma função dos «bombeiros» do mundo de Bradbury: a construção de um mundo «ideal» onde ser acéfalo e ignorante constitui a mais prezada virtude...»
No livro Susan Jacoby argumenta que:
«Ao longo da nossa cultura, o desdém pela lógica e pela evidência foi alimentado pelos infotainment media da televisão à Web; fundamentalismo religioso anti-racional e agressivo; educação pública de baixa qualidade; a politização dos próprios intelectuais; e - acima de tudo - um público preguiçoso e crédulo cada vez desinteressado ou incapaz de distinguir entre facto e opinião.
Finalmente, a autora argumenta que o governo anti-racional não é o produto de uma conspiração maquievélica de 'Washington' mas é o resultado inevitável de 'uma crise profunda de memória e conhecimento' que deixou muitos cidadãos comuns e os seus representantes eleitos sem as ferramentas intelectuais necessárias para boas e sólidas decisões públicas. A questão que se deve pôr não éporque razão os políticos mentem ao público mas porque razão o público é tão receptivo e passivo quando ouve as mentiras».
Uns meses depois do «Polícia da Palavra», a expulsão de PZ Myers do cinema fez-me pensar que este é um tema que importa retomar. Porque o que Susan Jacoby escreveu no seu último livro não se restringe aos Estados Unidos...
sexta-feira, 21 de março de 2008
O renascimento do anti-intelectualismo - I
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9 comentários:
mais um post fantástico, palmira! Aliás, hoje o blog é uma prenda para os leitores, com 4 posts cinco estrelas :)
Tenho andado a divertir-me com a cena do Expelled. Nunca me ri tanto na vida! aqueles atrasados mentais criacionistas não reconheceram o Dawkins.
Esta foi das melhores:
THOSE FASCIST FUCKS THREW PZ OUT OF THE THEATRE RIGHT IN FRONT OF ME! The only reason that they didn't throw Dawkins out is that they were apparently too fucking stupid to recognize him! They didn't even recognize him when he sat through the film - not until he rose to speak, after being called on - by said producer, MARK MATHIS - at the Q&A. Holy shit, the blood drained from his face then!
O greg laden tem um resumo alargado dos posts sobre a coisa que divertem todo o pessoal com dois neurónios funcionais nos States
esta tb está fantástica:
So there were no tickets required, no one in line had a ticket, but PZ was not allowed to go in because he didn't have a ticket. And remember, these people are the ones who constantly tell us that "Darwinism" leads to rampant immorality and yet they are the ones who are always telling lies like this when it's convenient. Liars for Jesus, baby, liars for Jesus.
Isto é um pleonasmo, mas estes criacionistas são mesmos estúpidos!
Obrigado pelo link, Rita, descobri este que também descreve bem o que pensei quando li que o PZ tinha sido expulso:
"Too stupid for words
If you make a movie that falsely claims there's a massive conspiracy to expel dissenting voices, it's probably unwise to then expel dissenting voices.
And if you are going to pass photographs around to security guards and instruct them that certain people are threats to your movie, and must be expelled, you might as well have the guards be on the lookout not only for PZ Myers, an innocuous professor from a small liberal arts college in the backwoods of Minnesota, but also for the biologist, best-selling author of numerous books, and TV star Richard Dawkins. Just on the off chance that Dawkins will be in town at a prominently advertised conference for atheists and accompanying the mild-mannered professor to a screening of the hack movie you tricked both men into appearing in.
Not that you would ever do such a thing. But the producers of Expelled: No Intelligence sure did."
também gostei de um que dizia que a acusação de que o evolucionismo momopoliza a biologia é como dizer que há uma conspiração para dizer que as bananas são amarelas :)
E adorei encontrar estas citações de Lutero:
What harm would it do, if a man told a good strong lie for the sake of the good and for the Christian church… a lie out of necessity, a useful lie, a helpful lie, such lies would not be against God, he would accept them.
Stab, smite, throttle, slay these rabid mad dogs without mercy, with a good conscience to the last ounce of strength, for nothing can be more poisonous, hurtful or devilish than a rebel. He that shall be slain on the side of law and order is a true martyr before God, earning eternal bliss; he that perishes on the side of rebellion is doomed eternally to hell. Such times are these that a prince shall win heaven by bloodshed sooner than others by prayer…”
Faith must trample under foot all reason, sense, and understanding
Reason is a whore, the greatest enemy that faith has.
Reason is the enemy of faith.
Mas, e no meio disto tudo onde fica o Design Inteligente?
Tanto quanto consigo perceber existe um grande número de cientistas defensores desta hipótese...
Se o Criacionismo é realmente algo sem lógica nem razoabilidade já o Design Inteligente foca alguns aspectos muito pertinentes... e parece que existe um certo tipo de colagem forçada do Design Inteligente ao Criacionismo para proveito de um certo dogmatismo dos neodarwinistas...
Estou errado?
Caro anónimo:
Está completamente errado. A IDiotia ou Design Inteligente não passa do criacionismo puro e duro com uma roupagem nova. Até a bíblia da IDiotia não passa de um livro criancionista puro e duro com novas roupagens. Procure nos arquivos do DRN no tag criacionismo e será esclarecido.
Não há um único cientista que seja «defensor» desta palermice, há 400 fundamentalistas listados no templo da IDiotia dos quais um dois trabalham em ciência mas deixaram de ser cientistas quando deixaram que a religião se sobrepusesse à ciência e à razão.
Há um ilimitado oceano de possibilidades, certo? Então para quê tanta ofensa ao próximo? Para quê limitar o pensamento humano?
João Carlos
O criacionismo é apenas mais uma ideologia política e religiosa que através da ciência tenta ganhar autoridade. E é preciso ter cuidado com ela, já que se tenta infiltrar no ensino oficial. À custa disso, já temos as agressões aos professores em nome de ideologias pseudo-científicas que há muito tempo são tidas como ciências. E o resultado está à vista...
Mais um link com o testemunho de alguém que também viu o EXPELLED:
http://lookingcloser.wordpress.com/2008/03/20/richard-dawkins-crashes-the-party-at-a-screening-of-expelled/
JD
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