terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Tanta boca ordinária e pequenina

Quem me conhece bem, sabe que sou uma pessoa muito reservada, que raramente faço uso de linguagem obscena e de coprolalia, que não traio nem difamo os amigos pelas costas nem lhes peço favores, que assumo os meus erros, que sempre me dirijo às pessoas de uma forma direta, sem recorrer ao anonimato, que jamais usaria quem quer que fosse em proveito pessoal. O tempo e a vida ensinaram-me a não temer o futuro nem a ter receio de represálias. Há valores dos quais nunca abdicarei, como a fidelidade e a amizade verdadeira. Talvez tudo o que sou o aprendesse com dois escritores que admiro muito: Vítor Hugo e George Orwell. Enquanto que a penúria me ensinou a acreditar no valor da palavra e a respeitar o próximo, a vida ensinou-me que tantas vezes as pessoas solitárias são tão mal interpretadas que até podem ser acusadas de repreender meninos por destruírem ninhos. 


Tanta boca ordinária e pequenina

Durante um ou dois almoços te disse;

Melhor dirias que falo pouco menina

E o que não falei tua boca o engolisse.

Não vamos falar em exclusão social,

Quando és agente e sabes que o és,

Eu só me excluo de quem mente tão mal

E amiúde troca a cabeça pelos pés.

Soube que há aqui gente da terra mãe,

Conhecem-me, embora eu não os conheça;

Não desejo as minhas dores a ninguém

Nem mesmo a alguém que as mereça.

Para não aturares um pobre sem siso,

Enxotaste-me, como se fazem às moscas;

Se até aí não era nada, fiz-me preciso,

Ao teu redor já não me perco às voltas.

Dizias que te sentias perseguida por mim,

Quando até onde moravas eu desconhecia,

De início moravas onde o mundo tinha fim

E não vislumbravas nada quando eu me erguia.

Quando erro, digo errei, a culpa é minha,

Seja diante de quem for, até de ti;

Erros teus grosseiros e lapsos também vi

E que prazer eu tinha em ver-te miudinha.

Eu sei que gostaste de trabalhar comigo,

Disseste-o diante de quem quis ouvir;

Só não te ouviu o paupérrimo menino

Que presságios maus já vinha a sentir.

Não sou, nunca serei um ser maravilhoso:

Nunca traio os amigos e minto pouco;

Via maravilhas em ti e tudo era misterioso,

Se espírito não tinhas, tinhas muito sopro.

Para ser sincero nunca me ofereceram cargos,

Deveria ter feito mais para os merecer;

Se os mereceste, por ti ponho as mãos nos cardos,

Já no fogo não as ponho para não me surpreender.

Quanto às notas académicas e profissionais,

Obtive-as com muitas noites em branco;

A amigo meu nunca pedi favores, jamais,

Quero é que para mim seja sempre franco.

Por hoje me detenho, amanhã é outro dia.

Na sala de aula, sei que me aguardará a cruz;

Claro, mais do que eu, sabes tu, já o sabia,

Só não sabes que me guarda o clarão de uma luz.


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