Reproduzo, abaixo, as respostas de João Boavida a uma entrevista realizada por estudantes de Mestrado em Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
1. Pode dizer-nos qual a sua relação com a área da Educação? A minha relação com a área da Educação resulta de ter sido professor. Comecei com o antigo Curso de Ciências Pedagógicas, no final da licenciatura em Filosofia. Mais tarde, fiz o Estágio pedagógico, sem o qual não se podia ser professor efetivo nos liceus. Já na Universidade, tirei uma especialização em Psicopedagogia na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. Fiz, depois, o doutoramento sobre o ensino da Filosofia, e por fim, as Provas de Agregação sobre Filosofia da Educação na Universidade de Coimbra. Ainda como professor do liceu escrevi, durante muito tempo, artigos sobre educação no “Correio de Coimbra”.
2. Quais as atividades que mais têm contribuído para o seu pensamento sobre a Educação? A minha vida de professor, de estar em contacto com os problemas do ensino e da educação. E, acima de tudo, o ter percebido, com os alunos de Filosofia, no liceu, os problemas particulares que o ensino da Filosofia criava. Havia uma problemática teórica muito interessante que o ensino e a aprendizagem da Filosofia colocavam e isso obrigou-me a estudar e analisar todo esse problema, que, curiosamente, atravessava a educação nos dois sentidos fundamentais: educare e educere.
3. Ao olhar para as sociedades atuais, podemos afirmar que a educação falhou? Penso que se deve separar educação de ensino. Enquanto aprendizagem de matérias – variedade de temas e valor científico, julgo que se tem melhorado, que os alunos hoje aprendem mais matérias, sobretudo em certas áreas, e talvez até com métodos mais adequados.
Quanto à educação, parece-me que há, em geral, um défice educativo, sobretudo porque muitos adultos abdicaram de educar. Não se sentindo com convicção para educar à moda antiga, que era sobretudo repressiva e castigadora, não sabem, até porque é mais difícil, educar em termos modernos, esclarecidos, inteligentes, mas também exigentes. Os professores, por outro lado, não o podem fazer convenientemente porque têm outras prioridades, encontram os jovens já razoavelmente deformados, e frequentemente até mal-educados, além de que são continuamente desautorizados para o poder fazer, tanto pelas famílias como pelo Estado.
4. Como vê a relação das teorias ou ideias pedagógicas com a educação de hoje? Há provavelmente ideias a mais e, sobretudo, sem base empírica ou teoria consistente; e ainda, frequentemente, na base das políticas educativas, agendas políticas e económicas. Por outro lado, andam por aí, muitas ideias à solta e assimiladas à pressa e muitos políticos que pretendem obter, por meio da educação, efeitos que nada têm que ver com a formação dos jovens enquanto futuros cidadãos. Há ainda, como não podia deixar de ser, muitos oportunistas metidos no sistema a dar opiniões e a degradar as práticas e os resultados.
Procura-se sobretudo eficácia, preparação técnica para formatar jovens para o mercado do trabalho e sobretudo para a rentabilidade. Formar para o trabalho não é, em si, reprovável, mas precisa de ser compensado com uma educação e uma formação humana e cultural que falha, sobretudo porque muitas famílias, hoje, não o fazem, os professores não têm grande ocasião, e muitos nem vontade nem competência. É bom notar que a educação dos séculos anteriores estava longe de ser perfeita, em imensas situações era de facto péssima, mas o seu caráter repressivo favorecia uma integração social que tinha, aparentemente, alguns benefícios. Os malefícios da má educação antiga passavam despercebidos, os da má educação moderna são muito mais visíveis.
Ao lado da valorização da aprendizagem, pelo aluno, devia voltar a valorizar-se a função do professor, que é ensinar. Ensinar bem, com competência, clareza e métodos adequados. E, depois, ou simultaneamente, avaliar com rigor. Se não houver uma boa avaliação dos alunos o ensino não ficará completo, mais até, faltar-lhe-á uma componente indispensável.
5. Quais os principais desafios da Educação para esta primeira metade do século XXI? O principal problema é que muita gente adulta deixou de educar os filhos e os jovens em geral. Houve uma demissão generalizada sobretudo pela assimilação superficial e apressada de certas ideias libertárias, que têm da educação uma perspetiva rudimentar, parcelar e sobretudo leviana.
A educação moderna precisa de ser libertadora e condicionadora. Libertar a personalidade em formação para a enriquecer e poder alcançar o melhor de si mesmo e, ao mesmo tempo, ensinar e fazer assimilar mecanismos de vigilância e de controlo para uma integração social harmoniosa e saudável, isto é, confiante e vigilante. Os aspetos a privilegiar, em termos educativos, devem ser sociais e morais, ou seja, formar cidadãos livres, adultos, eticamente coerentes e responsáveis. Em termos de instrução, depende dos objetivos, mas terá sempre que ter alguma base cultural e histórica, e ser pautado por um grau de exigência que obrigue a esforço e superação, sem o qual não se progride.
6. Como pode a educação assumir um papel de transformação da sociedade? Revalorizar a função docente, formar bem os professores, avaliá-los não só pela competência científica mas também pelo caráter e a vocação para a função docente.
João Boavida
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