quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

A CIÊNCIA EM 2022


 Um balanço da ciência em 2022, publicado no As Artes entre as Letras:

A revista Science, órgão da Associação Americana para o Avanço das Ciências, anuncia anualmente, em Dezembro, a «descoberta científica do ano» (Breakthrough of the Year), acrescentando uma lista de outras descobertas notáveis (Runners-up).

O prémio de 2022 recaiu nas observações efetuadas pelo Telescópio Espacial James Webb, que a NASA colocou em órbita com sucesso no dia de Natal de 2021. No passado dia 11 de Julho, numa emissão da Casa Branca, o Presidente Joe Biden divulgou a primeira imagem, uma vista panorâmica de numerosas galáxias, algumas delas muito antigas: cerca de 13 mil milhões de anos, que é quase a idade do Universo. Pouco depois, a NASA divulgava outras imagens tiradas pelo mesmo telescópio de vários sítios do cosmos, incluindo um registo de um aparelho que assinala gases na atmosfera de um exoplaneta. Desde então várias outras fotografias – todas elas tiradas com luz infravermelha, que é invisível– têm sido divulgadas, enriquecendo o nosso conhecimento do mundo. Por exemplo, já foram registadas imagens de galáxias mais antigas do que as que se conheciam a partir das imagens do telescópio Hubble, que continua a funcionar. O James Webb, que está em órbita solar, acompanhando a Terra, vê mais longe e melhor do que o Hubble, que está em órbita terrestre e não possui um espelho tão grande. Ainda estamos no início: os próximos anos vão fornecer abundantes imagens que expandirão o nosso conhecimento do Universo, chegando mais perto do Big Bang. Se o Hubble deu, até agora, origem a cerca de 22 000 artigos, o James Webb (o nome vem de um antigo administrador da NASA) dará decerto origem a muitos mais.

Vale a pena indicar quais foram os Runners-up. Na astronáutica, para além do James Webb, um avanço para a prevenção e colisões de asteroides com a Terra foi a experiência de colisão de uma nave com uma pequena lua de um asteroide, modificando-lhe a trajectória.

Nas ciências agrárias, foi notícia o arroz perene 23, criado por investigadores da Universidade de Yunnan, na China (este país já publica mais artigos do que os Estados Unidos). A grande diferença em relação ao arroz convencional é que este não tem de ser plantado todos os anos, facto que permite poupanças enormes na mão de obra. Já há resultados de plantações feitas no Sul na China, aguardando-se os de plantações em África. Ainda há informação a obter, por exemplo saber se exige mais herbicidas do que o arroz normal ou se as plantações emitem mais óxido nitroso, um gás de efeito estufa, muito menos abundante do que o dióxido de carbono (CO2) e o metano.

Outros progressos científicos ocorreram na área em grande expansão da Inteligência Artificial. É agora possível, recorrendo a machine learning, criar imagens a partir de descrições textuais. Além disso, software da empresa Deep Mind, do grupo da Google, que tinha ganho o prémio da Science em 2021, conseguiu prever a estrutura tridimensional de proteínas a partir da sequência dos sus aminoácidos constituintes. Foram assim fabricadas novas proteínas, que poderão revelar-se úteis. A mesma empresa anunciou ainda um software que permite acelerar a multiplicação de matrizes, uma operação matemática muito comum em simulações de fenómenos físicos.

Em 2022 foi também anunciada a descoberta de uma nova bactéria de tamanho gigante: com a forma de um filamento, é 5000 vezes maior do que as bactérias comuns, sendo visível a olho nu. Foi encontrada sobre folhas mortas em florestas das Antilhas Francesas. Ao contrário das bactérias convencionais, esta contém invólucros no seu grande espaço interior, o que coloca em causa um dos critérios da classificação dos reinos biológicos.

Na biomedicina, foi comprovada a eficácia de uma vacina para o vírus respiratório sincicial em testes clínicos de larga escala. A infecção que ele causa afecta principalmente crianças até dois anos, podendo ocorrer reinfecções em qualquer idade. Ainda nesta área, percebeu-se que um vírus do herpes desempenha um papel essencial na esclerose múltipla, uma doença na qual o sistema imunitário ataca os neurónios.

Na questão premente das alterações climáticas, um avanço relevante foi a aprovação de legislação nos Estados Unidos que promove as energias alternativas. É uma esperança para que um dos países com mais emissões de CO2 diminua a sua contribuição para o aquecimento global, num panorama internacional em que não reina o optimismo sobre o cumprimento de um dos objetivos do Acordo de Paris (limitação do aquecimento da Terra a menos de 1,5 ºC acima do nível pré-industrial).

A genética continua a avançar. Analisando os genes de pessoas mortas pela peste negra, durante a Idade Média, percebeu-se a vantagem genética dos sobreviventes, dos quais nós somos descendentes. Um outro feito científico relacionado com a genética foi, através da análise do ADN antigo, a reconstrução de todo um ambiente do Árctico de há dois milhões de anos, quando existiam uma fauna e uma flora hoje desaparecidas.

Não está na lista, por ser muito recente, o resultado alcançado no Lawrence National Laboratory, na Califórnia, de que a fusão de uma mistura de deutério e trítio (duas formas de hidrogénio), despoletado por luz laser, fornece mais energia do que a que entra. A notícia é dada no número da Science com os eventos do ano. Confirma-se assim o potencial da energia de fusão nuclear, embora pareça longo o caminho até que ela seja viável na prática. Para acabar bem o ano da ciência, tem de se acrescentar o bom acordo conseguido em Montréal na última cimeira sobre a biodiversidade.


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