Um balanço da ciência em 2022, publicado no As Artes entre as Letras:
A revista Science, órgão da Associação Americana para o Avanço das
Ciências, anuncia anualmente, em Dezembro, a «descoberta científica do ano» (Breakthrough
of the Year), acrescentando uma lista de outras descobertas notáveis (Runners-up).
O prémio de 2022 recaiu nas observações efetuadas pelo Telescópio Espacial
James Webb, que a NASA colocou em órbita com sucesso no dia de Natal de 2021.
No passado dia 11 de Julho, numa emissão da Casa Branca, o Presidente Joe Biden
divulgou a primeira imagem, uma vista panorâmica de numerosas galáxias, algumas
delas muito antigas: cerca de 13 mil milhões de anos, que é quase a idade do
Universo. Pouco depois, a NASA divulgava outras imagens tiradas pelo mesmo
telescópio de vários sítios do cosmos, incluindo um registo de um aparelho que
assinala gases na atmosfera de um exoplaneta. Desde então várias outras fotografias
– todas elas tiradas com luz infravermelha, que é invisível– têm sido divulgadas,
enriquecendo o nosso conhecimento do mundo. Por exemplo, já foram registadas
imagens de galáxias mais antigas do que as que se conheciam a partir das
imagens do telescópio Hubble, que continua a funcionar. O James Webb, que está
em órbita solar, acompanhando a Terra, vê mais longe e melhor do que o Hubble,
que está em órbita terrestre e não possui um espelho tão grande. Ainda estamos
no início: os próximos anos vão fornecer abundantes imagens que expandirão o
nosso conhecimento do Universo, chegando mais perto do Big Bang. Se o Hubble
deu, até agora, origem a cerca de 22 000 artigos, o James Webb (o nome vem
de um antigo administrador da NASA) dará decerto origem a muitos mais.
Vale a pena indicar quais foram os Runners-up. Na astronáutica, para
além do James Webb, um avanço para a prevenção e colisões de asteroides com a
Terra foi a experiência de colisão de uma nave com uma pequena lua de um
asteroide, modificando-lhe a trajectória.
Nas ciências agrárias, foi notícia o arroz perene 23, criado por investigadores
da Universidade de Yunnan, na China (este país já publica mais artigos do que
os Estados Unidos). A grande diferença em relação ao arroz convencional é que
este não tem de ser plantado todos os anos, facto que permite poupanças enormes
na mão de obra. Já há resultados de plantações feitas no Sul na China,
aguardando-se os de plantações em África. Ainda há informação a obter, por
exemplo saber se exige mais herbicidas do que o arroz normal ou se as
plantações emitem mais óxido nitroso, um gás de efeito estufa, muito menos
abundante do que o dióxido de carbono (CO2) e o metano.
Outros progressos científicos ocorreram na área em grande expansão da Inteligência
Artificial. É agora possível, recorrendo a machine learning, criar imagens
a partir de descrições textuais. Além disso, software da empresa Deep Mind,
do grupo da Google, que tinha ganho o prémio da Science em 2021,
conseguiu prever a estrutura tridimensional de proteínas a partir da sequência
dos sus aminoácidos constituintes. Foram assim fabricadas novas proteínas, que
poderão revelar-se úteis. A mesma
empresa anunciou ainda um software que permite acelerar a multiplicação
de matrizes, uma operação matemática muito comum em simulações de fenómenos
físicos.
Em 2022 foi também anunciada a descoberta de uma nova bactéria de tamanho
gigante: com a forma de um filamento, é 5000 vezes maior do que as bactérias
comuns, sendo visível a olho nu. Foi encontrada sobre folhas mortas em florestas
das Antilhas Francesas. Ao contrário das bactérias convencionais, esta contém invólucros
no seu grande espaço interior, o que coloca em causa um dos critérios da
classificação dos reinos biológicos.
Na biomedicina, foi comprovada a eficácia de uma vacina para o vírus
respiratório sincicial em testes clínicos de larga escala. A infecção que ele
causa afecta principalmente crianças até dois anos, podendo ocorrer reinfecções
em qualquer idade. Ainda nesta área, percebeu-se que um vírus do herpes desempenha
um papel essencial na esclerose múltipla, uma doença na qual o sistema imunitário
ataca os neurónios.
Na questão premente das alterações climáticas, um avanço relevante foi a
aprovação de legislação nos Estados Unidos que promove as energias
alternativas. É uma esperança para que um dos países com mais emissões de CO2
diminua a sua contribuição para o aquecimento global, num panorama
internacional em que não reina o optimismo sobre o cumprimento de um dos objetivos
do Acordo de Paris (limitação do aquecimento da Terra a menos de 1,5 ºC acima
do nível pré-industrial).
A genética continua a avançar. Analisando os genes de pessoas mortas pela peste
negra, durante a Idade Média, percebeu-se a vantagem genética dos
sobreviventes, dos quais nós somos descendentes. Um outro feito científico
relacionado com a genética foi, através da análise do ADN antigo, a
reconstrução de todo um ambiente do Árctico de há dois milhões de anos, quando
existiam uma fauna e uma flora hoje desaparecidas.
Não está na lista, por ser muito recente, o resultado alcançado no Lawrence
National Laboratory, na Califórnia, de que a fusão de uma mistura de deutério
e trítio (duas formas de hidrogénio), despoletado por luz laser, fornece mais
energia do que a que entra. A notícia é dada no número da Science com os
eventos do ano. Confirma-se assim o potencial da energia de fusão nuclear,
embora pareça longo o caminho até que ela seja viável na prática. Para acabar
bem o ano da ciência, tem de se acrescentar o bom acordo conseguido em Montréal
na última cimeira sobre a biodiversidade.
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