sábado, 31 de dezembro de 2022

NEGO-ME A ABANDONAR A ESPERANÇA DE FAZERMOS O QUE SE DEVE FAZER

Somos seres de esperança. De uma esperança no que é mais elevado no humano. Sem ela definhamos e acabamos. Será por isso que, como humanidade, cedo criámos momentos para a reafirmar. A passagem de ano é, em tempos mais recentes, um deles. Assim, nesta passagem de ano, insisto na necessidade de mantermos a esperança na educação escolar pública.

Não dependendo a disposição a que me refiro apenas e só do acaso ou de circunstancialismos externos, que julgamos não dominar, mas sendo, em grande medida, fruto da nossa posição, da nossa vontade, como educadores, precisamos – reconhecidamente em contra-corrente – de voltar a concentrar-nos na formação dos mais jovens. Por isso, precisamos de reencontrar, em nós mesmos, a determinação para educar em função de princípios estimáveis. Precisamos de nos comprometer com o futuro. 

Neste apelo, uso o saber de Zygmunt Bauman que, com noventa anos já feitos, disse:

"Nego-me a abandonar a esperança de fazermos o que se deve fazer" (aqui).

“Deus nos livre de perdermos a esperança (...) tenho esperança na razão e na consciência humana, na decência”. E acrescentava, "não há razões sólidas para ser optimista [mas] esta é a nossa oração. Não sou um profeta. [Sei, no entanto, que] se perdemos a esperança será o fim” (aqui).

Sempre a lonjura a uma laranja

Sempre a lonjura a uma laranja.

Sempre o sorriso que se sumiu.

Sempre o mar e a espuma tão branca

Que num passo chegou e partiu.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

FAZER O SOL NA TERRA: UMA BREVE HISTÓRIA


Meu artigo no último JL (na figura de cima as reacções nucleares no Sol):

Desde que os seres humanos existem sobre a Terra que vêem o Sol - a grande fonte de energia do nosso planeta – e as outras estrelas. No entanto até há cerca de cem anos, ninguém fazia ideia como é que o Sol ou as outras estrelas produzem a tremenda energia que irradiam. Dada a potência em jogo, não podia ter origem em combustões normais, que são reacções químicas.

Na origem da energia das estrelas estão reacções nucleares, que são um milhão de vezes mais energéticas que processos químicos. O núcleo atómico só foi descoberto em 1911 pelo físico nascido na Nova-Zelândia Ernest Rutherford, tendo sido ele o primeiro a produzir as primeiras reacções nucleares, isto é, a concretizar transformações de núcleos atómicos, conseguindo de certo modo o sonho alquímico de produzir elementos químicos a partir de outros. Foi o astrónomo inglês Arthur Eddington, o mesmo que tinha estado presente na ilha do Príncipe em 1919 para comprovar o encurvamento de raios de luz perto do Sol previsto por Albert Einstein, que, no ano seguinte, sugeriu a ocorrência no interior das estrelas de reacções de fusão de núcleos leves para explicar a espantosa energia das estrelas.

 Os núcleos, sabemos hoje, são constituídos por protões, partículas carregadas positivamente (foi o próprio Rutherford o primeiro a reconhecê-lo em 1919), e por neutrões, partículas semelhantes aos protões, mas sem carga, que foram descobertas pelo inglês James Chadwick em 1932. O núcleo mais simples é o do átomo de hidrogénio, o primeiro elemento da Tabela Periódica, que só tem um protão; o segundo núcleo mais simples é o do hélio, que tem dois protões e dois neutrões; e o terceiro é o do lítio, agora tão falado por causa da sua aplicação em baterias, que tem três protões e três neutrões. A aproximação de núcleos atómicos é dificultada pela enorme repulsão eléctrica entre os protões. É preciso que eles fiquem suficientemente próximos para que as forças nucleares fortes, que são as responsáveis pela coesão dos núcleos, entrem em acção.

Foi um físico russo brincalhão, George Gamow, o autor das Aventuras do Senhor Tompkins, quem explicou em 1928 que era possível que dois protões chegassem muito perto um do outro, através do chamado «efeito túnel». Por essa altura já tinha ficado na sua forma actual a teoria quântica que explicava esse processo, proibido pela física clássica. Conhecida, portanto, a estrutura do núcleo atómico e conhecida a teoria que regula o seu comportamento, estava aberto o caminho para fazer o Sol na Terra, isto é, imitar no laboratório os processos que no coração do Sol são os responsáveis por o manter aceso.

A primeira demonstração experimental da fusão nuclear foi realizada em 1932, pelo australiano Mark Oliphant no Laboratório Cavendish da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, dirigido por Rutherford. Num dos primeiros aceleradores nucleares, mandou deutério – uma forma estável do hidrogénio, cujo núcleo é constituído por um protão e por um neutrão e é, por isso, mais pesado do que o hidrogénio normal - contra vários alvos. Descobriu assim o trítio, que é uma forma instável do hidrogénio (o seu núcleo contém um protão e dois neutrões), e o hélio-3, uma forma estável, mas muito rara, do hélio (o seu núcleo tem dois protões e um neutrão; a forma comum do hélio, o hélio-4, tem dois protões e dois neutrões). Ora um dos passos na cadeia de processos que leva à transformação do hidrogénio em hélio-4 no Sol é precisamente a reacção do deutério com protão que dá hélio-3 (Fig. 1). É necessário, para isso, haver deutério.

Há no Universo algum, proveniente das reacções de fusão que ocorreram no Big Bang, mas não chega: é preciso que o próprio Sol o fabrique. Um primeiro passo das reacções de fusão nuclear no Sol é a colisão de dois protões para produzir deutério: nesse processo um dos protões transforma-se num neutrão, uma transição lenta proporcionada por uma outra força nuclear, a força nuclear fraca. Depois do deutério ter originado hélio-3, produz-se hélio-4 no Sol por meio da colisão de dois hélios-3, que liberta dois protões. Foi o norte-americano nascido na Alemanha Hans Bethe que, em 1939, descobriu o mecanismo de produção de energia solar, o que lhe valeu o Nobel da Física de 1967. O Sol precisa de quatro protões para obter um núcleo de hélio-4. A célebre fórmula E= mc^2 de Einstein explica o ganho de energia: o núcleo de hélio-4 tem menos massa do que os quatro protões isolados, pelo que a diferença de massa surge como energia libertada.  O interior do Sol está à temperatura de 15 milhões de graus Celsius, um verdadeiro inferno.

A Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939, terminou, como é sabido, com a explosão de duas bombas atómicas: mas nestas dão-se processos de cisão nuclear e não de fusão. Núcleos mais pesados como o de urânio libertam energia quando se partem, ao contrário dos núcleos leves, que libertam energia quando se juntam. A energia de fusão é tipicamente superior à de cisão. No pós-guerra começaram as aplicações. Foi relativamente fácil construir reactores nucleares de cisão, usando reacções nucleares para produzir energia («átomos para a paz» era o lema), mas revelou-se bastante difícil o aproveitamento da energia de fusão. 

Na União Soviética, os físicos Andrei Sakharov e Igor Tamm, o primeiro notabilizado pela sua corajosa luta em prol dos direitos humanos, propuseram em 1950 um dispositivo para produzir reacções de fusão com a forma de um donut, ao qual foi dado o nome de tokamak, usando um acrónimo russo. Neste aparelho são usados intensos campos magnéticos para manter um plasma de átomos leves (plasma é um estado da matéria em que alguns electrões estão desligados dos núcleos atómicos devido a temperatura e pressões elevadas). Operar um tokamak não é fácil, devido à sua instabilidade. Só em 1958, em plena guerra fria, foi construído um na União Soviética. Nesse mesmo ano, no Lawrence National Laboratory - LANL, na Califórnia, Estados Unidos, foi realizada pela primeira vez a fusão nuclear controlada numa máquina de design algo diferente designada por Scylla, do nome de um monstro da mitologia grega, que, alimentada a deutério, atingiu os 15 milhões de graus Celsius.

A fusão nuclear pode ser descontrolada, isto é, explosiva. A primeira bomba de hidrogénio foi detonada pelos Estados Unidos em 1952, num atol das ilhas Marshall no Pacifico. Nessa bomba, combina-se um processo de cisão (recorrendo a urânio ou plutónio) com um de fusão, uma vez que é preciso desencadear a ignição dos núcleos leves. Foi usada uma mistura de deutério e trítio, que dá hélio 4, libertando um neutrão (Fig. 2). O deutério é fácil de obter (o hidrogénio existe na água e um em cada 6600 átomos de hidrogénio é deutério), ao passo que o trítio é produzido no sítio bombardeando lítio com neutrões, o que dá hélio-3, para além de trítio. Os actuais arsenais nucleares possuídos pelos Estados Unidos, União Soviética, França, China, etc. são de bombas de hidrogénio, isto é, deutério e trítio.

No lado da utilização pacífica para produção de energia, os tokamaks generalizaram-se. Há mais de 200 em todo o mundo, um dos quais em Lisboa. Existe um projeto europeu com esse design, o Joint European Torus - JET, perto de Oxford, no Reino Unido, onde em Fevereiro passado se atingiu durante cinco segundos a potência recorde de 11 megawatts.

Actualmente está em construção o maior tokamak do mundo, o International Thermonuclear Experimental Reactor - ITER, um projecto em que entra a União Europeia (Portugal é, por isso, participante), o Reino Unido, a Suíça, os Estados Unidos, a Rússia, China, o Japão, a Índia e a Coreia do Sul. Trata-se de um dos maiores projectos científicos de sempre, sendo notável que envolva potências rivais (apesar da guerra na Ucrânia, a  participação da Rússia permanece) na tentativa de demonstrar a viabilidade de reacções de fusão para aplicação comercial. Foi, em 2003, escolhido o sítio de Cadarache, perto de Marselha, no Sul de França, tendo a construção começado em 2007. O projeto tem-se, porém, atrasado, em boa parte por dificuldade de financiamento. Deverá haver testes de plasmas já em 2025, mas a sua ignição em pleno não será antes de 2035. Fazer o Sol na Terra demorará ainda algumas décadas. Também no ITER vai ser usada uma mistura de deutério e trítio: a reacção é semelhante à do Sol, mas não igual.

Em 13 de Dezembro foi anunciado que, na National Ignition Facility – NIF, um projecto iniciado em 1990 no LANL, tinha sido conseguido pela primeira vez um ganho de energia numa reacção de fusão, isto é, saiu mais energia do que aquela que entrou no sítio da «combustão» nuclear:  entraram dois megajoules e saíram três megajoules. No entanto isso só aconteceu durante uma fracção de segundo e foi preciso um gigantesco laser de infravermelhos, que é energeticamente muito ineficiente (só dá à saída um por cento da energia que entra a partir da rede eléctrica). 

O laser alimenta 192 feixes que incidem num minúsculo alvo esférico com uma mistura de deutério e trítio, cuja temperatura chegou a 150 milhões de graus, dez vezes mais do que no centro do Sol. Foi uma demonstração decisiva, pois uma coisa é a teoria prever a libertação de energia e outra é medir a energia libertada numa experiência real. Nos tokamaks, que lidam com quantidades maiores de plasma, não se tinha ainda verificado o ganho de energia.

A fusão num tokamak parece ser mais adequada à produção de energia numa central do que a fusão a laser. O ITER pretende concretizar o sonho de ter uma fonte de energia, em que o «combustível» é virtualmente ilimitado e que não tem nem o problema da emissão de gases de efeito de estufa nem o da produção de resíduos radioactivos de longa duração. O seu objectivo é produzir 500 megawatts à custa apenas de 50. É uma espécie de Santo Graal que os cientistas e engenheiros perseguem em nome da Humanidade.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

"Teoria bizarras, que são, na verdade, a promessa da nova barbárie"

Em entrevista à revista LER, de Inverno (n.º 165), a escritora Lídia Jorge, que foi professora e que, a partir dessa condição, tem manifestado um olhar muito lúcido sobre a educação, diz o que segue (cf. página 49):
"Este país, em parte, tem falhado na escola. [A escola]  devia ser não apenas um espaço de instrução, mas, sim, uma escola cultural, que fosse o hábito das pessoas e promovesse uma cultura cívica, de respeito pelo outro, e assentasse também na experiência de contacto com a arte. Tenho medo de generalizar, porque existem em Portugal escolas que são modelares e professores que são exemplares. 
Mas, alguma coisa se passa quando, hoje, há hordas e hordas de jovens que deixaram de ler ou leem mal, que falam com palavrões, que não têm o mínimo gesto de delicadeza... Há 30 anos, nós tínhamos um programa para sair da ruralidade da escola. Aconteceu que, entretanto, o mundo tecnológico veio contraria esse projeto. E está provado que os países que têm menos tradição letrada e cultural incorporam acriticamente a informação, tendo uma noção de vanguarda - porque é muito fácil uma pessoa quase analfabeta manejar com muita facilidade todos os gadgets - e transitaram de uma cultura iletrada para uma cultura tecnológica, sem passarem por um filtro civilizante. 
Foi o caso da sociedade portuguesa, que não tinha suficientes hábitos de leitura, de crítica, de liberdade ou de ousadia de expressão do pensamento, para o evitar. Essa vassoura eletrónica, que permite incentivar extraordinariamente os que já têm capacidade de aceder a uma formação sólida, está no entanto deixando todos os outros à beira da iliteracia. 
Ao mesmo tempo surgiram as teorias mais absurdas sobre o futuro da escola: por exemplo, que vai ser um sítio sem professores ou que cada aluno pode fazer o seu próprio programa. E os portugueses, como são complexados por não estarem na vanguarda, impregnam-se de teorias bizarras, que são, na verdade, a promessa da nova barbárie."

UM CONSELHO DE BALZAC

Balzac aconselhara a Stendhal
que reduzisse de cinquenta páginas
o seu romance tridimensional,
por considerá-las, talvez, anódinas.

Rendido de gratidão, prometeu
o autor da Chartreuse que o faria,
porém, logo também esclareceu
que só com grande dor praticaria

tal corte, no seu grande romance:
nessas páginas, ele só falava
de encantos seus, de longo alcance!

Tal excesso, é possível, pesava,
mas em arte, por vezes, o que pesa
significa inesperada beleza!

Eugénio Lisboa

"O principal problema é que muita gente adulta deixou de educar os filhos e os jovens em geral"

Reproduzo, abaixo, as respostas de João Boavida a uma entrevista realizada por estudantes de Mestrado em Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
1. Pode dizer-nos qual a sua relação com a área da Educação? A minha relação com a área da Educação resulta de ter sido professor. Comecei com o antigo Curso de Ciências Pedagógicas, no final da licenciatura em Filosofia. Mais tarde, fiz o Estágio pedagógico, sem o qual não se podia ser professor efetivo nos liceus. Já na Universidade, tirei uma especialização em Psicopedagogia na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. Fiz, depois, o doutoramento sobre o ensino da Filosofia, e por fim, as Provas de Agregação sobre Filosofia da Educação na Universidade de Coimbra. Ainda como professor do liceu escrevi, durante muito tempo, artigos sobre educação no “Correio de Coimbra”.  
2. Quais as atividades que mais têm contribuído para o seu pensamento sobre a Educação? A minha vida de professor, de estar em contacto com os problemas do ensino e da educação. E, acima de tudo, o ter percebido, com os alunos de Filosofia, no liceu, os problemas particulares que o ensino da Filosofia criava. Havia uma problemática teórica muito interessante que o ensino e a aprendizagem da Filosofia colocavam e isso obrigou-me a estudar e analisar todo esse problema, que, curiosamente, atravessava a educação nos dois sentidos fundamentais: educare e educere. 
3. Ao olhar para as sociedades atuais, podemos afirmar que a educação falhou? Penso que se deve separar educação de ensino. Enquanto aprendizagem de matérias – variedade de temas e valor científico, julgo que se tem melhorado, que os alunos hoje aprendem mais matérias, sobretudo em certas áreas, e talvez até com métodos mais adequados. 
Quanto à educação, parece-me que há, em geral, um défice educativo, sobretudo porque muitos adultos abdicaram de educar. Não se sentindo com convicção para educar à moda antiga, que era sobretudo repressiva e castigadora, não sabem, até porque é mais difícil, educar em termos modernos, esclarecidos, inteligentes, mas também exigentes. Os professores, por outro lado, não o podem fazer convenientemente porque têm outras prioridades, encontram os jovens já razoavelmente deformados, e frequentemente até mal-educados, além de que são continuamente desautorizados para o poder fazer, tanto pelas famílias como pelo Estado.
4. Como vê a relação das teorias ou ideias pedagógicas com a educação de hoje? Há provavelmente ideias a mais e, sobretudo, sem base empírica ou teoria consistente; e ainda, frequentemente, na base das políticas educativas, agendas políticas e económicas. Por outro lado, andam por aí, muitas ideias à solta e assimiladas à pressa e muitos políticos que pretendem obter, por meio da educação, efeitos que nada têm que ver com a formação dos jovens enquanto futuros cidadãos. Há ainda, como não podia deixar de ser, muitos oportunistas metidos no sistema a dar opiniões e a degradar as práticas e os resultados. 
Procura-se sobretudo eficácia, preparação técnica para formatar jovens para o mercado do trabalho e sobretudo para a rentabilidade. Formar para o trabalho não é, em si, reprovável, mas precisa de ser compensado com uma educação e uma formação humana e cultural que falha, sobretudo porque muitas famílias, hoje, não o fazem, os professores não têm grande ocasião, e muitos nem vontade nem competência. É bom notar que a educação dos séculos anteriores estava longe de ser perfeita, em imensas situações era de facto péssima, mas o seu caráter repressivo favorecia uma integração social que tinha, aparentemente, alguns benefícios. Os malefícios da má educação antiga passavam despercebidos, os da má educação moderna são muito mais visíveis. 
Ao lado da valorização da aprendizagem, pelo aluno, devia voltar a valorizar-se a função do professor, que é ensinar. Ensinar bem, com competência, clareza e métodos adequados. E, depois, ou simultaneamente, avaliar com rigor. Se não houver uma boa avaliação dos alunos o ensino não ficará completo, mais até, faltar-lhe-á uma componente indispensável. 
5Quais os principais desafios da Educação para esta primeira metade do século XXI? O principal problema é que muita gente adulta deixou de educar os filhos e os jovens em geral. Houve uma demissão generalizada sobretudo pela assimilação superficial e apressada de certas ideias libertárias, que têm da educação uma perspetiva rudimentar, parcelar e sobretudo leviana. 
A educação moderna precisa de ser libertadora e condicionadora. Libertar a personalidade em formação para a enriquecer e poder alcançar o melhor de si mesmo e, ao mesmo tempo, ensinar e fazer assimilar mecanismos de vigilância e de controlo para uma integração social harmoniosa e saudável, isto é, confiante e vigilante. Os aspetos a privilegiar, em termos educativos, devem ser sociais e morais, ou seja, formar cidadãos livres, adultos, eticamente coerentes e responsáveis. Em termos de instrução, depende dos objetivos, mas terá sempre que ter alguma base cultural e histórica, e ser pautado por um grau de exigência que obrigue a esforço e superação, sem o qual não se progride. 
6. Como pode a educação assumir um papel de transformação da sociedade? Revalorizar a função docente, formar bem os professores, avaliá-los não só pela competência científica mas também pelo caráter e a vocação para a função docente. 
João Boavida

Acordo ao meio-dia no cume

Acordo ao meio-dia no cume,

Com os braços da palmeira no céu azul.

Os braços que o sonho cobriu de lume.   


DESCOBRIR A LEITURA

Mais um mergulho no passado perdido e reencontrado!
Os livros que lemos na adolescência 
marcam-nos para toda a vida:
devoramo-los com grande envolvência,
com fome saciada e repetida.

A magia de Wilde e de Voltaire,
a ferina ironia de France,
a paixão atrevida de Jane Eyre
e Stendhal, esse mago do romance!

Tantas e tão duráveis descobertas!
O fundo, fundo da tragédia grega
e o O’Neill que, escancarava, abertas,

as paisagens da humana refrega!
Foi um mergulho intenso e muito fundo
no que constitui este nosso mundo!

Eugénio Lisboa

COMO PODE A EDUCAÇÃO ASSUMIR UM PAPEL DE TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE?

Na continuação de textos anteriores (aqui, aqui e aqui), reproduzo a quarta e última pergunta que um grupo de estudantes do Mestrado em Ciências da Educação da Universidade de Coimbra me colocou: 

Como pode a educação assumir um papel de transformação da sociedade?

A minha resposta a esta pergunta vem na sequência do que disse antes. Ao contrário do que vemos sistematicamente afirmado, a educação escolar pública não pode, não deve seguir directa e linearmente as necessidades, os interesses pontuais e urgentes de toda e qualquer sociedade e muito menos de sectores da sociedade que assumem o poder de a transformar no sentido que lhe é mais conveniente.

A educação escolar pública deve formar pessoas capazes de viver em sociedade em função de valores éticos universais. Se fizer isso, poderá esperar, sem ter a certeza, de que a sociedade possa ser transformada no sentido que esses valores indicam.

Mas, para isso, terá de abandonar a linha mercantilista que deixou instalar, com a conivência política e, também social, ou seja, nossa. Linha derivada de um neoliberalismo desgovernado cujo intento é obter, a partir dos sistemas educativos públicos, produtores-consumidores, e “capital humano”. Devo lembrar que linha diferente guardam os mentores desta “transformação” para as suas crianças e jovens, que confiam a escolas de elite. 

Não vejo que a “transformação” desta “transformação em curso” nos sistemas educativos públicos, que tem sido operada desde há mais de meio século, possa acontecer a curto prazo pois as estratégias de marketing usadas para conseguir levá-la a bom termo são altamente sofisticadas e poucos lhe resistem, mesmo aqueles que têm formação em Educação, até porque elas andam associadas a contrapartidas muito sedutoras.

Mas nada é eterno, nem mesmo o poder que se apresenta como absolutamente poderoso, que promove a “transformação em curso”: um poder económico-financeiro que se impõe em todos os sectores da nossa vida, um poder que é manipulador, que vê a pessoa, e recorrendo a Kant, como um meio e não como um fim em si mesmo.

A realidade é que estão a emergir acções e publicações de grande qualidade que explicam a importância de, no quadro da educação escolar pública, voltarmos ao humano “como fim em si mesmo”, que explicam a necessidade de tentarmos uma transformação neste sentido.

Não obstante a força da propaganda global e nacional centrada na figura que é a “Educação do século XXI / do Futuro”, na América do Sul – no Brasil, Chile e Argentina – e na Europa – em Espanha, Inglaterra, na Itália, Alemanha, Suécia, Finlândia… – tem voltado a ser reivindicado o “direito à educação”.

Mesmo que as organizações supranacionais, que tomaram de assalto a educação, e os governos que são coniventes com elas, tudo façam – e fazem-no – para que a “transformação em curso” seja levada a bom termo, há uma coisa que não conseguem, sobretudo em regimes democráticos: é que quem se queira informar se informe e, em função disso, decida reorientar a educação, tendo por referência o que é bem, o que está certo. 

Esta é uma ideia que precisamos de reafirmar, uma ideia que, não parecendo, veicula esperança. 

E não há educação sem esperança. 

“Deus nos livre de perdermos a esperança”, disse Zygmunt Bauman pouco tempo antes de morrer, bem consciente dos problemas do mundo. 

Dei-vos uma nota palpável de esperança, de como pessoas que se importam com a educação, com o direito à educação escolar pública, podem organizar-se construtivamente a nível global, para contestar a “transformação em curso”, que é da mesma escala, ou seja, global. 

Essa nota é a campanha com a designação “Os alunos antes do lucro” ou “Educar, não lucrar” (“Students before profit” / “Les etudiants avant le profit” / “Educar, no lucrar”), que a Education International”, uma organização sindical em que Portugal tem representação, tem em curso.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

A FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM DESTAQUE NA REVISTA EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO

A Revista Educação e Emancipação, periódico de acesso aberto, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão faz vinte anos. Para assinalar a data, elegeu a formação contínua de professores como tema central. 

O seu volume 15, número 3, acabado de publicar, no formato de "dossier temático", com edição de Lélia Cristina Silveira de Moraes, tem por título: Formação continuada de professores da educação básica: investimento no processo de emancipação humana.

Eis o início do editorial que co-assino com Ilma Vieira do Nascimento e Joana Paulin Romanowski.
"As reformas dos sistemas educativos que se encontram em curso no mundo ocidental –declaradamente alinhadas a princípios neoliberais, integram desígnios de corporações globais – intentam transformar as finalidades da escola, o seu currículo e a avaliação, bem como o sentido do ensino e da aprendizagem. Em consequência, intentam transformar a formação de professores, multiplicando-se as recomendações supranacionais que incidem no modo de exercer a docência, as quais se vêem acompanhadas de programas, modelos e exemplos, constituindo-se, inclusivamente, consórcios para os implementar. 
Em termos de formação continuada, multiplicam-se as recomendações supranacionais para mudar rápida e radicalmente o modo de exercer a docência, as quais se fazem acompanhar de exemplos e programas, formando-se consórcios para os implementar. A formação em causa, que não deveria perder de vista a escola nem os seus professores, tendo sempre por referência os alunos, passa a ser determinada por intentos alheios aos educativos; e, em vez de se pautar por princípios de emancipação do trabalho do professor, pode contribuir, de modo dissimulado, para a sua cativação. Contraditoriamente, a pesquisa sobre a formação aponta para o acolhimento da reflexão crítica. 
O foco escolhido [neste número] é o processo de emancipação humana a ser contemplado nos estudos e pesquisas sobre formação continuada em que os professores desenvolvem sua emancipação e profissionalização. Na verdade, a revista (...) desde sua criação,tem privilegiado esse entendimento de que a emancipação humana é um processo inerente à educação assumida como intencionalidade para uma política de transformação social.

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

O FINITO E O INFINITO

Alguma vez terá nascido um deus?
Preocupado com este planeta,
uma pequena poeira nos céus?
Um deus bem equipado com profeta?

Na imensidão deste universo,
um imenso deus todo poderoso
preocupar-se-ia, em prosa ou verso,
com este pobre planeta pomposo?

O infinito olhará o finito?
Que sentido faz o imenso universo
preocupar-se com terreno grito?

Não será o infinito adverso
às pretensões daquilo que é pequeno,
tonto, obsceno e cheio de veneno?

Eugénio Lisboa

Nobel Prize lecture: Svante Pääbo, Nobel Prize in physiology or medicine...

Ciência, Pseudociência e Desinformação. David Marçal e Carlos Fiolhais

Já tem algum tempo este debate organizado por jovens da Academia de Ciências comigo e pelo David Marçal, mas estive agora a rever para escrever um artigo que me foi pedido:

Nobel Minds 2022

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

O MEU POSTAL DE NATAL DE 2022

 


O meu postal de Natal  de 2022 é «Cosmic Cliffs»,  uma das imagens mais espectaculares do Telescópio Espacial James Webb da NASA, "Breakthrouth of the Year" para a "Science".

Tendo o telescópio sido lançado no dia de Natal de 2021, em Julho foi divulgada esta imagem e já há trabalhos  ientíficos baseados nela divulgados há dias numa conferência em Baltimore. Parece uma montanha recortada contra o céu nocturno, mas trata-se de uma nuvem de gás do agregado estelar da constelação Carina  NGC 3324 (também chamado Gabriela Mistral em homenagem à poeta chilena, cuja face alguns descortinam no céu), com uma cavidade por cima aberta por luz energética.

 Nos limites dessa nuvem, devido à grande pressão,  há uma «maternidade» de estrelas, reveladas aqui pela emissão de infravermelhos. Um dos objectivos do James Webb é precisamente conhecer melhor o nascimento das estrelas, que resulta da junção de hidrogénio molecular. As estrelas da NGC 3324 estão a nascer a escassos 7600 anos-luz do nosso Sol.

Escolhi a imagem porque Natal significa nascimento. E porque em breve vai nascer um novo ano e - haja esperança! -  vão continuar a nascer estrelas, muito provavelmente todas elas com planetas.

Boas Festas e Óptimo Ano Novo!
Natal de 1922
Carlos Fiolhais

NOTA PREFACIAL AO LIVRO DE HOMENAGEM A MIGUEL REAL


Minha nota prefacial ao livro de homenagem a Miguel Real, que acaba de sair, na Lusosofia, para assinalar os 40 anos da sua vida literária.

O meu encontro com Miguel Real aconteceu através dos livros e foi um encontro feliz. Desde que fui, no final da década de 1970, fazer estudos de doutoramento para a Alemanha, me passei a interessar pelos estudos que, à falta de melhor designação, podem ser chamados de Portugalidade.  Como definir Portugal, não tanto o território físico mas mais o território mental, isto é, os Portugueses e a Cultura Portuguesa? Habitantes de um país antigo no extremo do Velho Continente, construímos ao longo  de séculos uma cultura, traduzida entre outras manifestações pela língua, que se foi metamorfoseando até chegar ao que é hoje no cruzamento fértil com outras culturas, designadamente nos tempos dos Descobrimentos. Depois do alvoroço desses tempos, interiorizámos a ideia, que terá a sua justificação, de atraso. Fernando Pessoa, ou melhor Álvaro de Campos, resumiu esse sentimento ao dizer no «Opiário» (1914), dedicado ao «Senhor Mário de Sá-Carneiro»: «Pertenço a um género de portugueses/ Que depois de estar a Índia descoberta/ Ficaram sem trabalho. A morte é certa. Tenho pensado nisto muitas vezes». E, no entanto, houve nalguns a consciência da necessidade de construir o futuro sem as sombras do passado, como aconteceu no tempo do Iluminismo, com a ajuda de alguns «estrangeirados», com a «geração de 70» no século XIX  e com muitos resistentes no nosso estagnado século XX. Nunca nos conseguimos libertar de uma corrente saudosista, projectada em glórias passadas que poderão um dia, como D. Sebastião no imaginário sebastianista, regressar. A revolução do 25 de Abril inaugurou uma nova era, com ligação reforçada à Europa da qual sempre fizemos parte, aproximando-se um tempo de balanço e reflexão que será proporcionado pela celebração dos 50 anos de liberdade. É óbvio que o passado passou, mas a ponderação dele é indispensável na construção de novos caminhos. Por mim, vi-me a pensar Portugal lá fora, no rescaldo da Revolução, e ainda antes da adesão à Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia.

Um punhado de bons autores portugueses têm reflectido sobre a Portugalidade. No nosso século XX, prolongando-se pelo seguinte, é justo destacar Eduardo Lourenço, cujo pensamento profundo e iluminante sobre a cultura nacional (principalmente na Literatura e na Filosofia) é assistido por uma bela escrita. Terá ajudado à sua perspectiva o facto de observar Portugal de Vence, no Sul da França, pois ao longe vê-se por vezes melhor. Mas há outros como, por exemplo: do lado da História, Josué Pinharanda Gomes e José Eduardo Franco; do lado da literatura, Hernâni Cidade e António José Saraiva; do lado da Filosofia, Onésimo Teotónio de Almeida e José Gil; do lado da religião, Manuel Antunes SJ e Frei Bento Domingos OP; do lado da sociologia, Moisés Lemos Martins e Boaventura Sousa Santos, etc.

Pois o Miguel Real, pseudónimo de Luís Martins desde 1987, que eu descobri a partir do seu livro Portugal. Ser e Representação (Difel, 1988), Prémio Revelação Ensaio da Associação Portuguesa de Escritores de 1995, merece bem enfileirar nessa galeria de distintos autores. Esse seu primeiro livro sobre Portugalidade invoca, entre outros, os nomes de Eduardo Lourenço e de António José Saraiva, reflectindo o facto de ele próprio, formado em Filosofia, sempre ter manifestado forte propensão para a Literatura, propensão que se tem que tem passa pela escrita de numerosas obras de ficção e pela longa e contínua prática de crítica literária.

Desde Portugal. Ser e Representação que tenho acompanhado a escrita ensaística de Miguel Real sobre a Cultura Portuguesa (e, penitencio-me, não tanto os seus romances e os seus ensaios de índole mais filosófica). Julgo possuir nas minhas estantes senão todos pelo menos a maioria dos seus livros dessa área, enfileirados ao lado de outras obras com as quais dialoga. Destaco, como aliás o próprio autor destacou numa «Auto-biografia imperfeita» que escreveu, em 2018, para a Vaca Malhada, revista de Filosofia dos estudantes da Universidade do Minho, Traços Fundamentais da Cultura Portuguesa (Planeta, 2017, com prefácio de José Eduardo Franco) e Pensamento Português Contemporâneo. O Labirinto da Razão e a Fome de Deus. 1890 – 2010 (Imprensa Nacional – Casa da Moeda), um espesso e muito útil manual universitário que resultou de seminários e cursos que o autor deu na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Relevo sobretudo a sistematização de ideias que o autor empreende assim como a claridade da sua escrita, uma qualidade que não é suficientemente cultivada entre nós. Foi para mim sempre estimulante ler Miguel Real, que um dia conheci pessoalmente. Quis, na ocasião em que a Universidade da Beira Interior lhe organizou uma homenagem, assinalando os seus 40 anos de vida literária, agradecer-lhe publicamente o seu pensamento. Este volume dá conta que esse agradecimento não é apenas meu, mas é partilhado por muitos admiradores do ensaísta, romancista e dramaturgo. Se há sempre alguma subjectividade no grau de apreciação por um autor, podemos falar de objectividade quando vemos confluir tantos e - ressalvando o meu caso -  tão autorizados testemunhos.

Miguel Real não hesitou em confrontar-se com as míticas ideia de «morte» e «ressurreição» do país, como fez nas suas obras, todas elas com títulos muito sugestivos, A Morte de Portugal (Campo das Letras, 2007), A Vocação Histórica de Portugal (Esfera do Caos, 2012, com novo prefácio de José Eduardo Franco) e Nova Teoria do Sebastianismo (Dom Quixote, 2014), este inserido num conjunto de pequenos ensaios filosóficos com capas duras. Estando ciente da atracção que tiveram e ainda têm em Portugal muitas teses da chamada, talvez impropriamente, «Filosofia Portuguesa», devo dizer que não nutro simpatia por elas. Julgo ser uma rejeição instintiva, mas a análise crítica de Miguel Real dessas correntes ajudaram decerto a formar o meu pensamento. Apesar do grande prazer que encontro a ler a prosa do padre António Vieira e a poesia de Fernando Pessoa, dois «imperadores da língua portuguesa», sobre o destino luso, não penso que se possa extrair mais dessas linhas do que prazer literário. Não creio que Portugal tenha qualquer missão histórica especial a cumprir no concerto das nações. Não penso que o nosso país possa encontrar algum desígnio na «lusofonia», qualquer que seja a forma desta. E também não penso que o seu passado colonial lhe possa, no recalcamento sentimentos de culpa, tolher as vontades de construção do futuro em conjunto com os outros países europeus. A história foi o que foi, embora a possamos permanentemente reinterpretar. E o futuro será o que será, fruto tanto da vontade humana como de acasos circunstanciais.

Quaisquer que sejam as opiniões de quem lê e de quem escreve (e lê-se e escreve-se para formar opinião!), o certo é que Portugal continua a ser um desafio para todos aqueles que nele vivem e para todos aqueles que por ele se interessam, mesmo vivendo lá fora.  Alexandre O’Neill sumaria a questão nacional, nos bem conhecidos  versos do poema «Portugal» que abre o volume Feira Cabisbaixa (1965): «Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,/ golpe até ao osso, fome sem entretém,/ perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,/ rocim engraxado,/ feira cabisbaixa,/meu remorso,/ meu remorso de todos nós...»  Significativo é o facto de terminar com reticências. E é com a nossa identidade, sedimentada pela história como Miguel Real tão bem tem explicado, que temos de construir o futuro que as reticências simbolizam.

 

 

Dois Poemas

 I)

Ó eterno amor, amor de morrer,

Da aurora ainda a pose rememoro.

Eu acordava só com o teu rosto

E o coração de um pássaro a bater.

II)

Afasta minhas lágrimas, criança.

Eu ainda aqui estou,

Porque o céu também se alcança.



domingo, 25 de dezembro de 2022

CD a “A Química do Amor”



[Escrevi esta recensão para o Boletim da Sociedade Portuguesa da Química (todos os artigos estão online). Mas como esta pode demorar algum tempo a aparecer fica aqui o que escrevi e o link para obter o CD.]

“Há química em toda parte” é o título da primeira canção do CD, “A Química do Amor”, do grupo “Encerrado para Obras”. Este reúne uma parte das canções do espetáculo “Quimicomic” estreado em 2019, Ano Internacional da Tabela Periódica. São sete canções bem humoradas, com Letras e Música de David Cruz, cantadas por este e Cláudia Santos, dirigidas por João Balão e com arranjos muito interessantes e divertidos de David Cruz e João Balão. 

As seis primeiras canções são do espetáculo e a sétima foi composta para este disco e pensada para professores e alunos que queiram decorar a Tabela Periódica com mnemónicas divertidas. Estamos certos de que este CD e as suas músicas terão interesse não só para os professores de Química e para os amantes desta ciência, mas para todos, dada a qualidade e originalidade do resultado.  

As canções são muito divertidas e seguem a peça de teatro, onde são realizadas várias demonstrações científicas, em particular de Química. Lino Alcalino, um cientista distraído e bastante cómico, encontra o grande amor da sua vida em Fiona Fosfato, que veio do Brasil e por isso canta com sotaque. A primeira canção começa com Fiona a limpar a sujidade originada pelas experiências de Lino, mas rapidamente evolui para um dueto que é também uma análise do mundo centrada na Química. Naturalmente, há alguns atritos entre Fiona e Lino, os quais fazem parte da trama da peça e originam novas canções. Em algumas alturas, Fiona acusa Lino de ser “ácido,” mas isso é que ele não é, diz ele! O seu nome é “Lino Alcalino” e responde-lhe com um fado também muito engraçado sobre esse aspeto do pH.  

A canção seguinte, a qual dá nome ao disco, “A química do amor,” é também muito bem humorada e, de certa forma, bastante profunda. O resultado, envolvendo os neurotransmissores noradrenalina, dopamina e seritonina e as proteínas oxitocina e vasopressina e é também bastante interessante em termos musicais. 

Segue-se um “lamento” de Fiona por Lino lhe ligar menos de que esta esperaria, pois Lino distrai-se com as suas experiências: “Onde está a química do amor?” e a “Dança da couve roxa” onde Fiona mostra  que também sabe Química. Esta canção é especialmente interessante, pois procura contrariar alguns dos estereótipos da peça de teatro (os quais, sendo usados para potenciar o efeito cómico, podem acabar por contribuir tanto para o descrédito como para o reforço social destes). Assim, nunca é demais reafirmar a igualdade das mulheres perante a ciência.

As canções do espetáculo terminam com “Criogénica” que dá conta de uma discussão mais grave entre os dois. A letra é também muito divertida. É especialmente engraçado o verso “Você é mais fria que zero absoluto.” Ora os autores e os cientistas, assim como o público em geral, sabem (ou deveriam ser) que isso não é possível, mas as relações humanas envolvem muitas vezes estas impossibilidades e paradoxos. Felizmente, no espetáculo tudo acaba bem. É a “Química do amor” que é muito mais do que oxitocina, claro, mas também passa por esta molécula.

Finalmente, como referi, a última música “O Alfabeto do Universo”, apresenta várias mnemónicas divertidas para a Tabela Periódica e tem a particularidade de contar na orquestração com uma banda de música, a “Sociedade Filarmónica Lousanense.” 

Em resumo, é um CD muito interessante, original e bem humorado, de um espetáculo bem conseguido que vale a pena rever e ouvir.

(Para obter o CD pode usar-se https://encerradoparaobras.net/ que tem um formulário para esse efeito)

sábado, 24 de dezembro de 2022

NÃO OUSES NEGAR AS LÁGRIMAS DE UM POETA

I)

Não ouses negar as lágrimas de um poeta

Nem a pulcritude onde esquece o malogro,  

Negar-lhe até a encarnada folha de um bordo.

Quem tem palavra, amanhã sempre desperta

Na face tão pulcra, no fulgor de um corpo.


II)

Tanta luz que não é tua…

E a que não cruzou a rua.


NOVOS CLASSICA DIGITALIA

 Os Classica Digitalia têm o gosto de anunciar 3 novas publicações com chancela editorial da Imprensa da Universidade de Coimbra. Os volumes dos Classica Digitalia são editados em formato tradicional de papel e também na biblioteca digital, em Acesso Aberto.

NOVIDADES EDITORIAIS

 Coleção de Estudos Globais – Compreender a Globalização [estudos]

-José Eduardo Franco & António Manuel Ribeiro Rebelo (coord.), Utopia Global do Espírito Santo. Cultura, cultos e inspirações utópicas. Vol. I (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2021). 651 p.

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2171-5

- José Eduardo Franco & António Manuel Ribeiro Rebelo (coord.), Utopia Global do Espírito Santo. Expressões regionais e projeções globais. Vol. II (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2021). 776 p.

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2173-9 

- José Eduardo Franco & António Manuel Ribeiro Rebelo (coord.), Utopia Global do Espírito Santo. Santidade, instituições e património. Vol. III (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2021). 766 p.

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2175-3

[Obra em três volumes que oferece, pela primeira vez, um saber de espectro enciclopédico sobre a génese, o desenvolvimento e as expressões históricas e atuais de correntes, tradições, figuras e instituições marcadas pela idealização de uma era de concórdia, fraternidade e justiça sobre a Terra, sob o influxo do Espírito Santo. A abordagem caleidoscópica desta edição única foi preparada por qualificados especialistas e investigadores, oriundos de diferentes áreas disciplinares. Estabelece-se aqui um conhecimento crítico atualizado sobre as raízes e as elaborações teológico-filosóficas da diversidade dos cultos populares do Espírito Santo, assim como sobre os percursos multisseculares das suas inscrições e manifestações sociais, políticas e artísticas, que testemunham a fecundidade criativa de um pensamento utópico de longa duração com surpreendente projeção global.]

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Livro “Lições de Química”


“Lições de Química” é um livro publicado pela ASA em 2022. Trata-se de tragicomédia negra, mas também muito luminosa e séria. Tem a química como mote, mas trata de relações humanas e é, dessa forma, para todos os leitores - não apenas para os aficionados da química ou para os que sabem desta ciência. (Deste livro, está a ser feita uma série televisiva que estreará em 2023). 

Curiosamente, se pensarmos bem, poderem existir escolas para jovens feiticeiros ou haver relações amorosas e sociais entre vampiros e humanos é tão improvável como uma cientistas química ter um programa culinário de sucesso na televisão. Mas, curiosamente, esta última possibilidade, embora fosse infinitamente mais provável, também não existe que eu saiba. Isso tem a ver com a forma como está organizado o mundo que nos rodeia. O que é uma pena pois assim estamos a deitar fora uma boa parte da cultura e literacia que, ainda por cima, é interessante e libertadora. 

E, sempre que mostrei a capa, havia alguma retração das pessoas. “Química?!” - diziam, ou pensavam! Um professor de literatura, que conheço, disse a propósitos de “Os Lusíadas” que esse tipo de retração das pessoas revela "um trauma." De facto, quando dizemos que somos químicos, a maioria das pessoas ou fica calada ou diz que “nunca percebeu nada de química.” Ora não é razão para tal. O livro é muito divertido, sendo que ao ao mesmo tempo é muito sério, como já referi. Com bastante humor negro refere as atitudes machistas e conservadoras da sociedade americana dos anos 1950, de que ainda hoje temos reflexos. Mas tem, além disso, de tudo um pouco: pessoas más, pessoas boas e pessoas assim-assim. Tem remadores que se tornaram obstetras ou cientistas, tem cientistas medíocres, cientistas abusadores e prepotentes, jornalistas que se redimem, cães sábios, filhas acutilantes, violência doméstica, eclesiásticos que não acreditam em Deus ou que são cínicos. É uma girândola de possibilidades e personagens que tem como cenário a sociedade americana da altura e a química. Vale a pena referir de novo o conservadorismo e o machismo, pois há duas personagem (uma delas a heroína) que não acabam o doutoramento devido a assédio sexual. Talvez não seja assim agora, mas li noutro livro que muitas internas de medicina passavam por esse tipo de problemas. 

Sobre as carreiras na química. É, em geral, um epifenómeno; não é dinástico como o direito ou a medicina. Contam-se pelos dedos os casos, que conheço, de filhos que seguiram as carreiras dos pais na química. Uma coisa interessante, é que o livro também retrata de forma indireta, que esses epifenómenos vêm, muitas vezes, das partes menos favorecidas das sociedades. Por exemplo, uma personagem do livro e que seria candidata ao prémio Nobel (se não tivesse morrido) vem de um lar para rapazes. A heroína, por outro lado vem uma família problemática. Vou referir, nesse contexto, dois Nobel, Frederick Sanger, que teve dois prémios e só foi para a universidade devido a ter bolsa. Sendo que o mesmo aconteceu com Robert Burns Woodward.

Os leitores já perceberam que eu não contei muito da história. Mas esta está cheia de partes cómicas, de algumas que são tragicómicas e outras que são mesmo trágicas. E, há momentos delirantes, como a árvore genealógica que tem bolotas e inclui, entre outras mulheres, Amelia Earhart, a aviadora solitária que desapareceu nos anos 1930 e é um ícone da independênca feminina (Mad, a filha da heroína, Elizabeth Zott, refere que os humanos são 99% iguais geneticamente, mas Elizabeth, sempre atenta a esses detalhes, corrige: 99,9% diz ela). O livro, tem, apresar de tudo, um final mais ou menos feliz. Gostei. 

Esplêndido arroubamento é o amor

Esplêndido arroubamento é o amor,

Estado em que não se teme o futuro.

E a vida é o caminho onde o amor

É a luz que nos guia ao tempo mais puro.


quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

NOVA REVISTA DE CIÊNCIAS NO MINHO

 Journal UMinho Science (JUS) é uma revista científica da Universidade do Minho (https://revistas.uminho.pt/index.php/jus), dinamizada por estudantes de todos os ciclos de ensino superior da Escola de Ciências da mesma Universidade (ECUM). Este projeto foi criado com o apoio da ECUM e da UMinho editora, tendo como principal objetivo a publicação semestral de artigos científicos originais, em versão digital, debruçando-se sobre os domínios da Biologia, Ciências da Terra, Física, Matemática e Química. É de referir que, a JUS funcionará em regime aberto (open access), e que nos empenhamos em garantir a qualidade da revista através de revisão por pares. Esta revista científica destina-se a toda a comunidade académica (incluindo Alumni) da UMinho, de outras instituições nacionais, internacionais e ao público em geral. 

Carla Fernandes, pela equipa da Journal UMinho Science (JUS)

A CIÊNCIA EM 2022


 Um balanço da ciência em 2022, publicado no As Artes entre as Letras:

A revista Science, órgão da Associação Americana para o Avanço das Ciências, anuncia anualmente, em Dezembro, a «descoberta científica do ano» (Breakthrough of the Year), acrescentando uma lista de outras descobertas notáveis (Runners-up).

O prémio de 2022 recaiu nas observações efetuadas pelo Telescópio Espacial James Webb, que a NASA colocou em órbita com sucesso no dia de Natal de 2021. No passado dia 11 de Julho, numa emissão da Casa Branca, o Presidente Joe Biden divulgou a primeira imagem, uma vista panorâmica de numerosas galáxias, algumas delas muito antigas: cerca de 13 mil milhões de anos, que é quase a idade do Universo. Pouco depois, a NASA divulgava outras imagens tiradas pelo mesmo telescópio de vários sítios do cosmos, incluindo um registo de um aparelho que assinala gases na atmosfera de um exoplaneta. Desde então várias outras fotografias – todas elas tiradas com luz infravermelha, que é invisível– têm sido divulgadas, enriquecendo o nosso conhecimento do mundo. Por exemplo, já foram registadas imagens de galáxias mais antigas do que as que se conheciam a partir das imagens do telescópio Hubble, que continua a funcionar. O James Webb, que está em órbita solar, acompanhando a Terra, vê mais longe e melhor do que o Hubble, que está em órbita terrestre e não possui um espelho tão grande. Ainda estamos no início: os próximos anos vão fornecer abundantes imagens que expandirão o nosso conhecimento do Universo, chegando mais perto do Big Bang. Se o Hubble deu, até agora, origem a cerca de 22 000 artigos, o James Webb (o nome vem de um antigo administrador da NASA) dará decerto origem a muitos mais.

Vale a pena indicar quais foram os Runners-up. Na astronáutica, para além do James Webb, um avanço para a prevenção e colisões de asteroides com a Terra foi a experiência de colisão de uma nave com uma pequena lua de um asteroide, modificando-lhe a trajectória.

Nas ciências agrárias, foi notícia o arroz perene 23, criado por investigadores da Universidade de Yunnan, na China (este país já publica mais artigos do que os Estados Unidos). A grande diferença em relação ao arroz convencional é que este não tem de ser plantado todos os anos, facto que permite poupanças enormes na mão de obra. Já há resultados de plantações feitas no Sul na China, aguardando-se os de plantações em África. Ainda há informação a obter, por exemplo saber se exige mais herbicidas do que o arroz normal ou se as plantações emitem mais óxido nitroso, um gás de efeito estufa, muito menos abundante do que o dióxido de carbono (CO2) e o metano.

Outros progressos científicos ocorreram na área em grande expansão da Inteligência Artificial. É agora possível, recorrendo a machine learning, criar imagens a partir de descrições textuais. Além disso, software da empresa Deep Mind, do grupo da Google, que tinha ganho o prémio da Science em 2021, conseguiu prever a estrutura tridimensional de proteínas a partir da sequência dos sus aminoácidos constituintes. Foram assim fabricadas novas proteínas, que poderão revelar-se úteis. A mesma empresa anunciou ainda um software que permite acelerar a multiplicação de matrizes, uma operação matemática muito comum em simulações de fenómenos físicos.

Em 2022 foi também anunciada a descoberta de uma nova bactéria de tamanho gigante: com a forma de um filamento, é 5000 vezes maior do que as bactérias comuns, sendo visível a olho nu. Foi encontrada sobre folhas mortas em florestas das Antilhas Francesas. Ao contrário das bactérias convencionais, esta contém invólucros no seu grande espaço interior, o que coloca em causa um dos critérios da classificação dos reinos biológicos.

Na biomedicina, foi comprovada a eficácia de uma vacina para o vírus respiratório sincicial em testes clínicos de larga escala. A infecção que ele causa afecta principalmente crianças até dois anos, podendo ocorrer reinfecções em qualquer idade. Ainda nesta área, percebeu-se que um vírus do herpes desempenha um papel essencial na esclerose múltipla, uma doença na qual o sistema imunitário ataca os neurónios.

Na questão premente das alterações climáticas, um avanço relevante foi a aprovação de legislação nos Estados Unidos que promove as energias alternativas. É uma esperança para que um dos países com mais emissões de CO2 diminua a sua contribuição para o aquecimento global, num panorama internacional em que não reina o optimismo sobre o cumprimento de um dos objetivos do Acordo de Paris (limitação do aquecimento da Terra a menos de 1,5 ºC acima do nível pré-industrial).

A genética continua a avançar. Analisando os genes de pessoas mortas pela peste negra, durante a Idade Média, percebeu-se a vantagem genética dos sobreviventes, dos quais nós somos descendentes. Um outro feito científico relacionado com a genética foi, através da análise do ADN antigo, a reconstrução de todo um ambiente do Árctico de há dois milhões de anos, quando existiam uma fauna e uma flora hoje desaparecidas.

Não está na lista, por ser muito recente, o resultado alcançado no Lawrence National Laboratory, na Califórnia, de que a fusão de uma mistura de deutério e trítio (duas formas de hidrogénio), despoletado por luz laser, fornece mais energia do que a que entra. A notícia é dada no número da Science com os eventos do ano. Confirma-se assim o potencial da energia de fusão nuclear, embora pareça longo o caminho até que ela seja viável na prática. Para acabar bem o ano da ciência, tem de se acrescentar o bom acordo conseguido em Montréal na última cimeira sobre a biodiversidade.


IDEIAS E TEORIAS EM EDUCAÇÃO

Na continuação de textos anteriores (aqui e aqui), eis a terceira pergunta que um grupo de estudantes do Mestrado em Ciências da Educação da Universidade de Coimbra me colocou: 

Como vê a relação das teorias ou ideias pedagógicas com as políticas de educação de hoje?

Uma ideia não é uma teoria ainda que uma teoria possa partir de uma ideia. Uma teoria científica é um articulado consistente que procura explicar algo. De modo simples ou, até, simplista, alguém, no singular ou no plural, percebe um fenómeno, algo que o deixa perplexo, avança uma ou várias explicações, que sujeita à verificação empírica. Essa verificação pode confirmar ou infirmar a teoria. Mesmo que a explicação seja confirmada, ela nunca pode ser declarada como definitiva, nunca pode ser dada como fechada. 

Voltando à pergunta, não vejo que seja dada importância às teorias dignas desse nome no delineamento das políticas educativas, nem no trabalho escolar. Lamentavelmente, também não vejo que elas sejam tidas em devida conta em muitas instituições que formam educadores, pedagogos, professores. Prevalece nestes diversos contextos a opinião desinformada, mas também, sobretudo nas políticas educativas, a ideologia interesseira e o doutrinamento calculista.

Ideias incoerentes, superficiais, confusas, erradas, perversas são apresentadas como teorias. Como "teorias" declaradas como certezas absolutas, globais, inquestionáveis que, por isso mesmo, se replicam na sociedade e nas academias sem serem objecto de crítica, ou, sequer, de atenção. 

É muito curioso que esta confusão entre "ideia" e "teoria" (acientífica) faça parte de um modo de pensar colectivo que mistura características do racionalismo moderno, do positivismo objectivista com características da pós-modernidade e da pós-verdade. Esta mistura é, à partida, impossível, mas, afinal, não o é. Sem percebermos a incoerência, a contradição vivemos confortáveis com ela. Limitamo-nos a ir atrás de… a seguir ideias... Dou exemplos. 
Sabemos que as crianças não conseguem aprender o que está alocado à escola sozinhas nem com os seus pares, precisam de adultos educados para as ensinar, mas insistimos em dizer que as crianças “são”, à partida, autónomas. 

Conhecemos os malefícios cognitivos, relacionais e afectivos que as novas tecnologias provocam nas crianças e nos jovens, malefícios que comprometem, nomeadamente, a aprendizagem da leitura e da escrita, a atenção e a concentração, mas insistimos – ou consentimos – em substituir os documentos em papel por aparelhos digitais. 

Sabemos que a memória é o nosso “aparelho” de aprendizagem, mas confundindo-a com a capacidade de memorização, negamos ambas para valorizarmos a compreensão e a criatividade, que não existem fora desse “aparelho” que é a memória, nem dispensa a memorização.
Em suma, se por “educação de hoje”, entender o que é determinado pelos sistemas educativos, penso que eles, muitas vezes dizendo socorrer-se de conhecimento teórico, tendem a seguir o que é contrário ao conhecimento teórico credível. Insisto: nem tudo o que se apresenta como conhecimento teórico o é, mesmo que se encontre publicado em revistas científicas.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

NATAL, DIGAMOS…

Não consigo deixar de pensar no que será o Natal,
na Ucrânia e noutras partes do globo…

Que natal é este, que sabe a morte,
a destruição, a estupro e frio?
É isto promessa, é isto sorte?
Valerá mesmo o curso deste rio?

O natal foi então feito para isto?
Prometer, em vez dum começo, um fim?
Em vez de Jesus Cristo, um Mefisto?
E ter, no fim, um toque de clarim?

Mas que música ouvir, nesse fim?
A sinfonia selvagem do vento?
Os raios que presidem ao festim?

O horror visitado com espavento?
Um furacão, com música de Wagner,
e concebido por fino designer?

Eugénio Lisboa

O REGIME DO EU E DOS QUE SENTEM COMO EU

Moisés Adão Martins, professor catedrático do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, foi, em 2019, convidado especial do Dia da Escola Superior de Educação de Coimbra, tendo, nessa ocasião, dado uma entrevista a estudantes da área de Comunicação. Vale a pena que educadores, professores, directores, investigadores... a ouçam e voltem a ouvi-la. Muito do que o sociólogo diz, reportado ao modo contemporâneo de pensar, entrou na educação escolar, instalou-se e dita a sua essência. Mas é da responsabilidade dos estudiosos e profissionais pensar nisso e escolher. Esta é a mensagem com que termina a sua intervenção. 


NOTA: Em 2016, Carlos Fiolhais escreveu uma excelente nota ao livro do mesmo autor "Crise no Castelo da Cultura. Das Estrelas para os Ecrãs". Estando ele disponível online, recupero o link (aqui) para que o Leitor, caso queira, o possa consultar.

O natal era um ramo de azevinho

O natal era um ramo de azevinho

E arbustos redolentes enraizados   

Nas ruínas de pedra de um musgoso muro.

O natal era um ramo de azevinho,

O verdor das ervas húmidas, sob um nimbo,

E o coração no caminho de volta ao mundo.

OS DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO NO PRESENTE SÃO OS MESMOS DE SEMPRE


A segunda pergunta que um grupo de estudantes do Mestrado em Ciências da Educação da Universidade de Coimbra me colocou sobre o presente da educação foi a que se segue:

Quais os principais desafios da Educação para esta primeira metade do século XXI? 
São os mesmos de sempre: educar. Limito-me a repetir o que João Boavida disse há uns anos, num congresso em Espanha, e que deixou registado num capítulo de livro... cito de cor: “O que é pedido hoje aos educadores? Que eduquem!” 
Acontece que para educarem, diz a filósofa espanhola Victoria Camps, têm de fazer o que sempre fizeram: “remar contra a corrente”. E, acrescento, se fizerem isso, não se preocupem demasiado com os juízos negativos que recaírem sobre si. “Conservadores” será o menos mau. 
Gert Biesta, autor que tem sido muito citado em Portugal, defende que vivemos num “paradigma de aprendizagem”, o qual tende a recusar o ensino. Relembra este (também) filósofo que é o ensino que assegura a educação escolar, logo, quem procura ensinar, quem procura educar na escola deve preparar-se para os problemas que daí advenham. Há que perceber isso, consciencializar isso.
É, de facto, fundamental robustecer o pensamento – o nosso, como educadores, e o dos outros em relação aos quais temos responsabilidades formativas – com conhecimento devidamente escrutinado. E desenvolver um sentido crítico, procurar o que confirma e infirma as ideias que temos ou que nos são apresentadas. Este exercício implica uma atitude de cepticismo, mas um cepticismo que se quer, como é bom de ver, prudente e construtivo. 
Precisamos, sobretudo, de aceitar o desafio que é voltar às finalidades da educação, perguntar: quais são as suas (verdadeiras) finalidades? 
E, na resposta, saber discernir o que contribui para a formação do ser humano, no sentido humanista, clássico, do termo, o que contribui para formar os mais jovens como seres humanos, seres que possam organizar o seu carácter por essas entidades que designamos por virtudes (justiça, liberdade, verdade, etc.), seres capazes de viver com os outros, num mundo que é de todos e que não é propriedade de ninguém, num mundo que tem de ser cuidado, preservado, pois sem isso, a vida extingue-se. 
E, nisto, sem deixar de lado o que contribui para o contrário, para a produção de seres submissos e egoístas, cujo único sentido que podem encontrar na vida é o “estar-bem”. 
Só mais uma nota: para, como educadores, podermos entender e assumir este raciocínio, precisamos, antes de tudo, de ter um apurado sentido do dever. Dever que é de ordem ética. Não nos podemos esquecer que temos ao nosso cuidado seres humanos que dependem de nós para ampliarem a sua humanidade.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Tanta boca ordinária e pequenina

Quem me conhece bem, sabe que sou uma pessoa muito reservada, que raramente faço uso de linguagem obscena e de coprolalia, que não traio nem difamo os amigos pelas costas nem lhes peço favores, que assumo os meus erros, que sempre me dirijo às pessoas de uma forma direta, sem recorrer ao anonimato, que jamais usaria quem quer que fosse em proveito pessoal. O tempo e a vida ensinaram-me a não temer o futuro nem a ter receio de represálias. Há valores dos quais nunca abdicarei, como a fidelidade e a amizade verdadeira. Talvez tudo o que sou o aprendesse com dois escritores que admiro muito: Vítor Hugo e George Orwell. Enquanto que a penúria me ensinou a acreditar no valor da palavra e a respeitar o próximo, a vida ensinou-me que tantas vezes as pessoas solitárias são tão mal interpretadas que até podem ser acusadas de repreender meninos por destruírem ninhos. 


Tanta boca ordinária e pequenina

Durante um ou dois almoços te disse;

Melhor dirias que falo pouco menina

E o que não falei tua boca o engolisse.

Não vamos falar em exclusão social,

Quando és agente e sabes que o és,

Eu só me excluo de quem mente tão mal

E amiúde troca a cabeça pelos pés.

Soube que há aqui gente da terra mãe,

Conhecem-me, embora eu não os conheça;

Não desejo as minhas dores a ninguém

Nem mesmo a alguém que as mereça.

Para não aturares um pobre sem siso,

Enxotaste-me, como se fazem às moscas;

Se até aí não era nada, fiz-me preciso,

Ao teu redor já não me perco às voltas.

Dizias que te sentias perseguida por mim,

Quando até onde moravas eu desconhecia,

De início moravas onde o mundo tinha fim

E não vislumbravas nada quando eu me erguia.

Quando erro, digo errei, a culpa é minha,

Seja diante de quem for, até de ti;

Erros teus grosseiros e lapsos também vi

E que prazer eu tinha em ver-te miudinha.

Eu sei que gostaste de trabalhar comigo,

Disseste-o diante de quem quis ouvir;

Só não te ouviu o paupérrimo menino

Que presságios maus já vinha a sentir.

Não sou, nunca serei um ser maravilhoso:

Nunca traio os amigos e minto pouco;

Via maravilhas em ti e tudo era misterioso,

Se espírito não tinhas, tinhas muito sopro.

Para ser sincero nunca me ofereceram cargos,

Deveria ter feito mais para os merecer;

Se os mereceste, por ti ponho as mãos nos cardos,

Já no fogo não as ponho para não me surpreender.

Quanto às notas académicas e profissionais,

Obtive-as com muitas noites em branco;

A amigo meu nunca pedi favores, jamais,

Quero é que para mim seja sempre franco.

Por hoje me detenho, amanhã é outro dia.

Na sala de aula, sei que me aguardará a cruz;

Claro, mais do que eu, sabes tu, já o sabia,

Só não sabes que me guarda o clarão de uma luz.


domingo, 18 de dezembro de 2022

LITTLE CATS

Os felinos merecem um soneto na língua de Shakespeare! 

The day I met Ísis, my little cat,
was the beginning of a beautiful friendship!
A little cat is as blind as a bat
and moves funnily like a drunken ship.

Even if funny, they are beautiful, 
as they obviously invented all grace. 
A little cat is weak but forceful 
and his story does not need a preface!

A cat will never understand a dog,
because a dog will never be a cat!
To obey orders is just a prologue 

to slavery, to pain and all that! 
Cats are not inclined to live like slaves,
as they were born belonging to the braves! 

Eugénio Lisboa

A professora que dilatou o imaginário de Nélida Piñon

Nélida Piñon, escritora brasileira com raízes familiares na Galiza e ligações a Portugal, primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, faleceu ontem.

A breve nota que aqui deixo não é relativa à sua extensa e sólida obra - ela bem o merecia -, mas à recordação que, num determinado momento, expressou acerca de uma das suas primeiras professoras. Uma professora que, por certo, contribuiu para Nélida se ter tornado na escritora que foi.

As palavras que deixou registadas em vídeo podem ser escutadas aqui Valeu, professor.
"Ela dilatava completamente o meu imaginário". Nélida revela hoje que a troca de conhecimento com sua professora favorita era recíproca. Como a educadora era monja beneditina, não podia frequentar determinados espaços da cidade. Cabia a Nélida, assídua nos teatros e óperas do Rio de Janeiro, relatar o que se passava no mundo à mestra. "Houve entre nós um intercâmbio deslumbrante de conhecimento".

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...