quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

OS DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO NO PRESENTE SÃO OS MESMOS DE SEMPRE


A segunda pergunta que um grupo de estudantes do Mestrado em Ciências da Educação da Universidade de Coimbra me colocou sobre o presente da educação foi a que se segue:

Quais os principais desafios da Educação para esta primeira metade do século XXI? 
São os mesmos de sempre: educar. Limito-me a repetir o que João Boavida disse há uns anos, num congresso em Espanha, e que deixou registado num capítulo de livro... cito de cor: “O que é pedido hoje aos educadores? Que eduquem!” 
Acontece que para educarem, diz a filósofa espanhola Victoria Camps, têm de fazer o que sempre fizeram: “remar contra a corrente”. E, acrescento, se fizerem isso, não se preocupem demasiado com os juízos negativos que recaírem sobre si. “Conservadores” será o menos mau. 
Gert Biesta, autor que tem sido muito citado em Portugal, defende que vivemos num “paradigma de aprendizagem”, o qual tende a recusar o ensino. Relembra este (também) filósofo que é o ensino que assegura a educação escolar, logo, quem procura ensinar, quem procura educar na escola deve preparar-se para os problemas que daí advenham. Há que perceber isso, consciencializar isso.
É, de facto, fundamental robustecer o pensamento – o nosso, como educadores, e o dos outros em relação aos quais temos responsabilidades formativas – com conhecimento devidamente escrutinado. E desenvolver um sentido crítico, procurar o que confirma e infirma as ideias que temos ou que nos são apresentadas. Este exercício implica uma atitude de cepticismo, mas um cepticismo que se quer, como é bom de ver, prudente e construtivo. 
Precisamos, sobretudo, de aceitar o desafio que é voltar às finalidades da educação, perguntar: quais são as suas (verdadeiras) finalidades? 
E, na resposta, saber discernir o que contribui para a formação do ser humano, no sentido humanista, clássico, do termo, o que contribui para formar os mais jovens como seres humanos, seres que possam organizar o seu carácter por essas entidades que designamos por virtudes (justiça, liberdade, verdade, etc.), seres capazes de viver com os outros, num mundo que é de todos e que não é propriedade de ninguém, num mundo que tem de ser cuidado, preservado, pois sem isso, a vida extingue-se. 
E, nisto, sem deixar de lado o que contribui para o contrário, para a produção de seres submissos e egoístas, cujo único sentido que podem encontrar na vida é o “estar-bem”. 
Só mais uma nota: para, como educadores, podermos entender e assumir este raciocínio, precisamos, antes de tudo, de ter um apurado sentido do dever. Dever que é de ordem ética. Não nos podemos esquecer que temos ao nosso cuidado seres humanos que dependem de nós para ampliarem a sua humanidade.

6 comentários:

Rui Ferreira disse...

Caro Alberto,

Creio que os professores não têm que recuperar a sua autonomia pedagógica e científica, creio sim que a devem exigir, uma vez que se encontra consagrado enquanto direito docente, Estatuto da Carreira Docente em vigor, artigo 5.º, n.º 2, alínea c), "O direito à autonomia técnica e científica e à liberdade de escolha dos métodos de ensino, das tecnologias e técnicas de educação e dos tipos de meios auxiliares de ensino mais adequados, no respeito pelo currículo nacional, pelos programas e pelas orientações programáticas curriculares ou pedagógicas em vigor".

Cumprimentos.

Rui Ferreira disse...

Uma proposta pedagógica de educação deve ser a favor da formação de sujeitos sociais ativos, educados para a crítica da sociedade atual e não para a sua conformação, sujeitos que hão de questionar a lógica compulsiva do mercado e não procurar se adaptar a ela cegamente (Saviani, 1994).

Alberto disse...

Caro Rui,

Se eu quiser, enquanto professor do quadro, exigir a minha autonomia técnica e científica, a quem me posso dirigir?
Se for sozinho para tribunal, provavelmente terei de esperar uma década por um acórdão. Será que os sindicatos não são competentes em matéria de autonomia?

Muito obrigado!

Helena Damião disse...

Caros Alberto e Rui, agradeço os vossos comentários.
Lee Shulman entende que uma das áreas de conhecimento profissional do professor é o conhecimento do currículo. Melhor: o conhecimento aprofundado do currículo. Entendo eu, que o conhecimento do currículo começa no conhecimento da lei, e da lei mais geral. Se nos circunscrevermos a Portugal, esse conhecimento começa antes até da LBSE, começa no conhecimento da Constituição da República Portuguesa.
E não pode o conhecimento do currículo negar o que consta na lei que regulamenta o exercício docente. Assim, o Estatuto da Carreira Docente, sendo um documento estruturante desse exercício deve ser tido em conta pelos professores para tomarem as suas decisões pedagógicas.
Um professor, no verdadeiro sentido da palavra, bem formado, consciente da sua função como educador, sabe que lhe cabe escolher "como ensinar". O Estado (e o que está por detrás dele) deve estabelecer os conteúdos e... vá lá... os objectivos (desde que eles traduzam finalidades verdadeiramente educativas) não pode prescrever as metodologias. Estas têm de ser escolhidas em função da eficácia que demonstram para levar os alunos a aprender o que (conhecimento) a escola deve ensinar e com as intenções (objectivos) que sejam, de facto, legítimas.
Penso que, como professores, precisamos de ter isto bem presente, em mais um momento em que se tenta levar os professores a serem (meros) aplicadores.
Cordialmente, MHD

Rui Ferreira disse...

Caro Alberto,
Claro está que a maioria dos professores nem quer saber se esse direito se encontra salvaguardado no ECD, quase sempre por sobrevivência profissional aceitam o que lhes é dito.
Eu sempre o exigi. Uma exigência sempre correspondeu a uma guerra. Nunca perdi uma queixa à inspeção e já lá vão dezenas delas. Os sucessivos aperfeiçoamentos, alguns deles conseguidos com auxílio de juristas, levaram a que hoje o processo se encontre mais elaborado.
Dou em exemplo prático:
1. No seio do Conselho Pedagógico aprovaram uma grelha de avaliação que todos os professores deveriam usar;
2. Não a adotei por razões metodológicas (inadequada à minha disciplina);
3. Pressão do Diretor para passar a adotar a dita grelha, alegando a obrigação determinada em sede regulamentar (regulamento interno);
4. Queixa à inspeção nos seguintes termos:
4.1 A obrigação do uso da grelha contraria o meu direito à autonomia técnica e científica...
4.2 Se eu sei, à partida, que essa obrigação se encontra fora da lei, ou seja, consiste em cometer um crime, eu não o devo fazer, alegando o preconizado na Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Artigo 177.º - Exclusão da responsabilidade disciplinar, 5 — Cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime.

Obviamente que desta postura resulta uma incomodidade permanente. No início tudo fizeram, formal e informalmente, para me fazerem desistir. Até de um processo kafkiano tive que responder. Como qualquer ser humano também eu não gosto de ambientes hostis, mas não me dou nada mal. Num processo genuíno de democracia a divergência deve ser tratada com frontalidade e lealdade. Vender a alma é que não.
Bom Natal.

Alberto disse...

Caro Rui,
Estou sem palavras.
O professor Rui Ferreira, com a lei e a razão por si, não permitiu, às chefias intermédias, que o obrigassem, fora da lei, a usar uma grelha de avaliação aprovada em Conselho Pedagógico, o que contrariaria o seu direito à autonomia técnica e científica.
Que dignidade!
Que coragem!
Que exemplo!
Quem não tem a mesma atitude de Rui Ferreira perante leis criminosas que lhe apresentam à frente, tem de se habituar a sentir o pó do chão. O dever de obediência cessa quando nos querem obrigar a preencher grelhas com dados inventados e falsificados, contrariando a nossa autonomia técnica e científica.
Muito obrigado!
Bom Natal!

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