sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Celebrar a evolução do conhecimento é o mote do Mês da Ciência e Educação da FFMS


Meu artigo, a propósito do Mês da Ciência e Educação da FFMS, publicado no Jornal de Letras:

A evolução do conhecimento. A expressão soa quase como um pleonasmo, tão entranhada está hoje a idea que o conhecimento pode ser melhorado. Mas nem sempre assim foi, o conhecimento com progressos constantes é uma marca do pensamento moderno, que surgiu com a Revolução Científica dos séculos XVI e XVII, sendo que até então a verdade era procurada nos grandes mestres da antiguidade. Em 1580 o pensador francês Montaigne escreveu: “Aristóteles diz que todas as opiniões humanas existiram no passado e existirão no futuro, num número infinito de outras vezes; Platão, que elas devem ser renovadas e voltar a existir passados 36 000 anos.” Ao longo da Idade Média o conhecimento novo nem sequer era muito bem visto — quanto muito poderia-se-ia recuperar conhecimento dos antigos que se havia extraviado. É com a descoberta da América pelos europeus em 1492 que se impõe a ideia de conhecimento novo: se havia terras que ninguém conhecia, poderia haver outras coisas que ninguém sabia. O filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) foi o primeiro a tentar sistematizar a ideia de um conhecimento com progressos constantes. Ele colocou no frontispício da sua obra Novum Organum, publicada em 1620, um barco a passar entre as colunas de Hércules, que representam o estreito entre Gibraltar e o Norte de África, a abertura do Mediterrâneo para o Atlântico, depois de explorar um mundo desconhecido. As descobertas geográficas serviram de metáfora para as descobertas noutras áreas, como a astronomia, a física, a anatomia e, mais tarde, a biologia e a química (celebramos este ano os 150 anos da Tabela Periódica, na versão proposta pelo químico russo Dmitri Mendeleev, que é uma forma de organizar toda a matéria de que é feito o Universo, de acordo com as propriedades de cada elemento químico). A prensa tipográfica possibilitou a circulação de milhões de exemplares de livros pela Europa, fazendo com que muitos tivessem acesso aos factos e pudessem verificá-los. Passaram a ser publicados livros que eram compilações de erros, um claro desígnio de melhoria do conhecimento. Num piscar de olhos na grande história humana este tipo de pensamento colocou homens na Lua e telemóveis nos nossos bolsos.

O conhecimento continua a evoluir. E o Mês da Ciência e da Educação de 2019 da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) celebra essa evolução. Abre com a conferência GPS, que neste caso significa Global Portuguese Scientists, a rede que liga os investigadores portugueses espalhados pelo mundo (mais em gps.pt). A conferência GPS, que realizamos pelo terceiro ano consecutivo, procura contribuir para a visibilidade e o reconhecimento da diáspora científica na sociedade portuguesa. Desta vez será na Galeria da Biodiversidade, no Porto, no dia 15 de Outubro às 18h30. Três investigadoras portuguesas irão debruçar-se sobre um tema em que pensamos todos os dias: o que comer? Plantas mais resistentes ou mais nutritivas? Carne artificial? Como pode a ciência ajudar a alimentar uma população em crescimento, num contexto de alterações climáticas? As oradoras serão Sofia Leite, especialista em cultura de células animais, que trabalha no Joint Research Center, uma organização sediada em Ispra, Itália, que tem por missão fazer aconselhamento cientifico à Comissão Europeia; Sónia Negrão, professora na University College Dublin, investigadora em melhoramento de plantas; e Marta Vasconcelos, docente e investigadora na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, que se dedica ao estudo da nutrição e genética de plantas. Um painel exclusivamente feminino, o que reflecte a elevada participação das mulheres portuguesas na ciência.

A par com a ciência tem crescido também a pseudociência, ou seja, práticas ou teorias que se fazem passar por ciência, mas que de facto não o são. A saúde é uma área particularmente assolada pela pseudociência, problema que será discutido na conferência “O logro das chamadas terapias alternativas: a importância da medicina baseada na ciência”, para a qual contaremos com Edzard Ernst, médico alemão e ex-praticante de terapias alternativas (como a acupunctura, a fitoterapia e a homeopatia)  que nas últimas décadas se dedicou à avaliação crítica de vários aspectos das terapias alternativas; com Armando Brito de Sá, em representação da Ordem dos Médicos; e com João Júlio Cerqueira, médico e autor do projecto Scimed. Será no dia 18 de Outubro às 18h00, no Instituto Politécnico de Leiria.

Uma área do conhecimento que tem conhecido extraordinários avanços é a da genética, a ponto de nos permitir conhecer a surpreendente história das actuais populações humanas, graças à genética populacional (área tornada possível pela redução dramática do custo de “ler” todo o ADN de um ser humano) e aos estudos de ADN antigo (a sequenciação de ADN de pessoas que viveram há milhares de anos). Os primeiros estudos de ADN antigo foram demorados e incompletos. Mas, a partir de 2010, um conjunto de novas tecnologias permitiu que esses trabalhos se tornassem rotineiros. Desde então foram publicados milhares de genomas antigos, o que tem permitido conhecer cada vez melhor a história das populações humanas de todo o mundo. Os resultados são tão surpreendentes que há quem fale de uma “revolução do ADN antigo”. Será desse revolução que falaremos na conferência “Como a genética conta a nossa grande história humana”, no dia 22 de Outubro às 18h00 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Contaremos com o geneticista sueco Svante Pääbo, que trabalhou extensivamente no genoma do Neandertal, com a investigadora em genética  populacional Luísa Pereira e com o arqueólogo João Zilhão, numa sessão moderada pela antropóloga Eugénia Cunha.

Se a educação é fundamental para a ciência, o conhecimento científico também ajuda a educação. É esse o tema da conferência “Como o cérebro aprende? O papel das ciências cognitivas na educação”, que contará com o psicólogo francês Johannes Ziegler, que é um dos mais destacados investigadores da aprendizagem da leitura e da dislexia; com Alexandre Castro Caldas, médico e investigador em neurociências; e com Célia Oliveira, investigadora na área da aprendizagem e da memória. A moderação estará a cargo de Teresa Firmino, jornalista e editora de ciência do jornal Público. Dia 30 de Outubro às 15h00, no Liceu Camões, em Lisboa.

Dia 7 de Novembro, na Universidade de Aveiro, haverá uma sessão dupla a partir das 15h00. Será apresentado o estudo “A evolução da ciência feita em Portugal (1987-2016)”, coordenado por Nuno Ferrand e Ester Serrão. No debate estará o químico Nuno Maulide, considerado o Cientista do Ano na Áustria em 2019. Noutro painel discutir-se-á o já referido problema da confusão entre ciência e pseudociência, que reside no desconhecimento das características da ciência, tema que iremos tratar na conferência  “A atitude científica: o que é ciência e o que não é?”, com o filósofo norte-americano Lee McIntyre e os filósofos portugueses Olga Pombo e Desidério Murcho.

O Mês da Ciência e Educação encerra com o Encontro da Fundação “Ciência e Universo”, no dia 16 de Novembro, a partir das 15h00 na Aula Magna, em Lisboa, na esteira de quatro outros grandes encontros de celebração do 10.º aniversário da FFMS, e para o qual contaremos com uma constelação de oradores: Michio Kaku, físico teórico e autor de vários livros de divulgação científica, Carolyn Porco, que trabalhou nas missões Voyager e Cassini, Carlo Rovelli, físico italiano considerado pela revista Foreign Policy como um dos 100 pensadores mais influentes do mundo, e outros, como as investigadoras portuguesas Zita Martins e Maria Manuel Mota. O programa completo pode ser consultado em ffms.pt.

A ciência é indissociável da sua comunicação, pois requer a existência uma comunidade de especialistas com uma base comum de conhecimento que permita estabelecer se um resultado é correcto e original. Mas o papel da ciência no mundo depende da sua divulgação mais ampla. Esperamos que o Mês da Educação e da Ciência possa ajudar a debater as novas esperanças e desafios que vêm com a evolução do conhecimento.

David Marçal
Co-comissário (juntamente com Carlos Fiolhais) do Mês da Ciência e Educação da FFMS

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