Começo a preocupar-me deveras com um país em que as finanças parecem administradas numa espécie de contabilidade de merceeiro que se preocupa com o dinheiro entrado nas gavetas do balcão e se despreocupa com o dinheiro que delas sai.
E porque, segundo, Henri Bergson, “não existe cómico fora do que é propriamente humano”, a estas contas de merceeiros prefiro os cálculos feitos por economistas com uma boa mochila de conhecimentos da matéria com que lidam no seu dia-a-dia profissional. Pese embora o conceito irónico, que paira sobre esta profissão de exigentes estudos universitários, quando define o economista como o indivíduo que leva metade do tempo a dizer-nos o que vai acontecer e outra metade a dizer-nos por que é que não aconteceu!
Mas o tempo de crise económica e social que preocupa os cidadãos nacionais não está para cigarras que deixam o trabalho para as formigas como nos conta a fábula de Esopo, recriada por Jean de La Fontaine.No PEC IV, um nado-morto que persiste nas lágrima saudosistas de José Sócrates, constava, ao que se diz, que os subsídios de Natal e de férias era uma benesse para esquecer quando, na maioria das vezes, servem, apenas, para fazer compras úteis que a magra bolsa de ordenados mensais está longe de suportar.
Este facto, motivou da minha parte o parágrafo de prosa que transcrevo do meu post “Será que a política em Portugal não tem emenda?” (18/04/2011):
“Por outro lado, fala-se também em cortes no subsídio de férias e no subsídio de Natal (desconhecendo-se a percentagem desses cortes). Esta última medida, a acontecer, terá como consequência a falência de médios e pequenos estabelecimentos comerciais que sobrevivem à custa de balões de oxigénio das vendas natalícias, passando a recair sobre o já martirizado povo (que não usufrui rendimentos de economias paralelas), sobrecarregado por uma já tão pesada carga fiscal, o ónus de pagar os impostos, que, ipso facto, deixarão de ser cobrados pela fazenda pública. Aumentará, ademais, a taxa de desemprego, com particulares consequências na população jovem, de meia-idade ou, mesmo, mais idosa, aumentando a instabilidade socioprofissional que mina, de há tempos a esta parte, uma juventude de licenciados que é obrigada a ter que lamentar os seus estudos como um sacrifício vão para si e para o agregado familiar que os suportou”.
Nem de propósito, uma dúzia de dias depois, dou comigo a ler, num semanário de referência, um bem documentado artigo de opinião (a página inteira), intitulado “Programa para Portugal é mais vasto do que o da Grécia ou da Irlanda” (Expresso, 30/04/2011). Desse artigo, transcrevo este pequeno parágrafo:
“A subida do IVA é mesmo inevitável mas nada está ainda fechado quanto à eliminação total ou parcial dos subsídio de Natal e férias (ou o seu pagamento em títulos da dívida pública). As negociações ainda decorrem para que se encontrem medidas com efeitos semelhantes. Estas medidas foram aplicadas noutros países por terem efeito imediatos, mas quer o FMI quer a Comissão Europeia estão particularmente atentos aos efeitos colaterais que podem ter na economia".
Julgo que alguns destes efeitos colaterais estão bem expressos na análise por mim feita, três parágrafos acima, aos reflexos que esses cortes de subsídios podem trazer, a saber: 1. falência de pequenos e médios estabelecimentos comerciais; 2. fecho de pequenas e médias fábricas nacionais que os abastecem de mercadoria; 3. aumento acelerado da taxa de desemprego; 4. em consequência, diminuição substancial do caudal de impostos que entram nos cofres do Estado.
Para além de poder estar a pregar no deserto, corro, ainda, o risco de ser havido como sapateiro que foi além da chinela pintada por Apeles. Seja como for, encontro confortável arrimo nos versos de Irene Lisboa: “Mas assim me apetece, / que o entendam ou não, / que o admitam ou não, / escrever…”
Na imagem: livro de contas de merceeiro.
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2 comentários:
Caro Rui Baptista,
As consequências por si enumeradas relativamente ao corte parcial ou total dos subsídios de férias e natal são claras como a água limpa da nascente. Como dizia o Padre António Vieira, "Ou o sal não salga ou a terra não se deixa salgar". (se a memória não me falha, estou a recuperar de uma intervenção cirúrgica recente). Mas parece que é um dado adquirido que a voz da razão e do bom senso é, na presente conjuntura, atributo de uma minoria que não é ouvida pelas massas que querem é "putas e vinho verde", o equivalente popular de "panem et circenses". Estou a repetir-me, acabei de escrever isto num comentário, mas estou consigo, entendam-me ou não, pouco me importa.
Gostei imenso deste seu texto, a inteligência e o sentido de humor encantam-me.
HR
Meu Caríssimo HR: O seu comentário trouxe-me o agrado da sua concordância, mas, essencialmente, o facto de me dedicar a sua atenção em período de convalescença pós-operatória.
Com um abraço, os meus votos de pronta convalescença.
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