domingo, 19 de setembro de 2010

"Pedagogicamente é um erro crasso"

Em comentário ao texto Não anotes!, o nosso leitor José Ricardo Costa assinalou que "muitos manuais já são elaborados, tendo a negrito os conceitos mais importantes, trazendo pequenas sínteses e anotações nas margens. Ou seja, o aluno não precisa de escrever pois já vem tudo escrito para facilitar o seu trabalho. Pedagogicamente é um erro crasso. O aluno não precisa de ler com olhos de ler, interpretar, pensar e, já agora, de escrever." Pego num manual ao acaso, dos muitos que tenho à mão, com a intenção de ilustrar as suas palavras. Trata-se de um manual de Geografia para o 7.º ano de escolaridade e, devo confessar que não precisei de me esforçar para concretizar o meu intento.

Na Introdução, dirigida ao aluno, consta o seguinte:

"Para obteres sucesso nesta disciplina, criámos para ti um manual que é:
- fácil de usar;
- claro na transmissão de conhecimentos, mas simultaneamente divertido;
- estruturante dos teus conhecimentos, pois tem sínteses de conteúdos;
- virado para a prática, com muitas actividades para realizares;
- ..."

Apesar de se afirmar que o manual é "fácil de usar", ocupam-se, de seguida, duas páginas com a explicação detalhada do tratamento de cada tema, recorrendo-se a figuras que representam as páginas do manual e várias linhas indicadoras. São nove os passos enunciados:
- Uns passos atrás…
- Tema/abertura do capítulo
- Páginas de conteúdos
- Explora
- Dossier
- Num instante… o capítulo
- Mostra o que sabes
- À descoberta (estudo de caso)
- Glossário


No que respeita às “Páginas de conteúdos”, refere-se que se trata de...
“Texto explicativo com destaques. Se o destaque estiver na cor do capítulo quer dizer que deves consultar o Glossário,
No que respeita ao “Num instante… o capítulo”, refere-se que se trata de...
“Uma síntese do capítulo, muito útil para melhor organizares o teu estudo.”
Folheio o dito manual e, nas escassas "Páginas de conteúdos", onde figuras ocupam espaço equivalemente ao do texto, lá estão as palavras essenciais destacadas a bold, bem como quadros-síntese, estratégias excelentes para evitar que o aluno tenha o trabalho de ler e compreender, seleccionar os conceitos e ideia-chave, organizá-las e explicá-las.

Passo para o “Num instante… o capítulo”, onde constam mapas de conceitos, que deviam ser feitos... pelo aluno. E quadros-síntese de síntese, que deviam também ser feitos… pelo aluno.

Tendo em conta o nível de escolaridade, destaques, mapas de conceitos e quadros-síntese devem feitos com indicações, acompanhamento e verificação do professor, mas sempre pelo aluno.

16 comentários:

Ana disse...

Como alguém que sempre gostou de riscar todos os livros e apontar as questões mais importantes e a fixar, não podia estar mais em concordância com a Dra Helena Damião :).

Fartinho da Silva disse...

A Cara Helena Damião ainda apanha com um "cientista" e/ou "especialista" da educação e leva nas orelhas... :)

Depois de levar nas orelhas e de a olhar de cima a baixo com um olhar de reprovação ainda a apelida de:
- preconceituosa;
- salazarenta;
- bolorenta;
- anti-democrática;
- elitista;
- conservadora;
- reaccionária;
- etc..

Depois disto, ainda afirma que a Cara Helena Damião é uma vergonha para a classe!

:)

Anónimo disse...

Talvez livros com estas características, se forem de muito boa qualidade, sejam apropriados para os auto-didactas. Por exemplo, eu que sou "minucioso/picuinhas" não me causam estranheza os nove passos enunciados, desde que o conteúdo esteja à altura.

Jose Antonio Salcedo disse...

A nova geração de políticos que não governa mas que controla ou influencia fortemente os media (pelo financiamento condicionado dos seus patrões) e faz negócios importantes com o nosso rico dinheirinho, estimula a estupidificação da população ("dumbing down", na expressão recente de Stephen Hawking), porque assim a população não desenvolve pensamento crítico e fica mais fácil de influenciar e controlar. De estúpido eles não têm nada, quem tem somos nós - país, educadores, cidadãos... -, por permitir que tal ocorra.

Anónimo disse...

Há uma ideia generalizada de que tudo tem de ser ensinado ou seja de que os cidadãos são, em geral, incapazes de estudar por si, de ter alguma autonomia intelectual, tudo deve ser explicado. Nem sabem aprender, têm de aprender a aprender. Nota-se nos professores (e não só)quando á menor alteração das matérias a leccionar clama: não me deram formação. Até na actividade sexual...se não houver aulas não se chega lá autonomamente.

Ana disse...

Anónimo das 17h42 :), se me permite, a educação sexual não visa o ensinamento das artes do kamasutra... ;-) Mas isso é outra conversa... :p :D

Anónimo disse...

Devo viver segundo um modelo diferente... Num em que o conteúdo exposto (em suporte de livro, ou outro qualquer) deve ser simplificado de modo a que o leitor apreenda o máximo da informação da maneira mais simples possível. Pensava que as indicações a respeito da matéria, os esquemas resumo, et cetera, seriam instrumentos para se aprender melhor.

Afinal, não. Têm que ser uma charada. Para treinar... Porquê? Para o aluno fazer um exercício paralelo.

Não percebe que o aluno que não faz esses apontamentos, seja por inércia ou incapacidade, não o vai fazer se estes não forem incluídos no livro?!

Esse treino tem que ser feito de maneira específica, p.e., na requisição dum trabalho que envolva a pesquisa e síntese de informação, ou através da orientação directa do professor para a criação de metodologia de estudo, para o treino na descodificação das informações mais importantes num conjunto de dados...

A falta de perspicácia, por parte dos pedagogos, na identificação da origem destas lacunas, principalmente entre os alunos com poucos anos de escolaridade é um dos problemas da educação em Portugal.

Meireles

Fartinho da Silva disse...

Peço desculpa pelo facto de este comentário estar um pouco fora de contexto, mas parece-me muito importante.

Deixo aqui mais um exemplo em como as ciências da educação são hiper beneficiadas em relação a todas as outras no nosso sistema de "ensino" público.

Acabou de sair a portaria que regula a avaliação dos docentes sem componente lectiva (Portaria n.º 926/2010 - http://dre.pt/pdf1sdip/2010/09/18300/0412604127.pdf) e pode ler-se no Artigo 5º o seguinte:
"Artigo 5.º
Júri
A apreciação do trabalho compete a um júri, com a
seguinte composição:
a) O director, que preside, ou um docente, por ele
designado, do agrupamento de escolas ou escola não
agrupada;
b) Um especialista na área de incidência do trabalho,
designado pelo conselho pedagógico de entre individualidades
de reconhecida competência na área da educação,
sempre que possível com o grau de doutor;
c) Um docente do ensino não superior, de preferência
de agrupamento de escolas ou escola não agrupada do
mesmo concelho ou concelhos limítrofes, indicado pelo
docente autor do trabalho."

A alínea b) desta Portaria diz bem ao que se vai e confirma que qualquer docente que se atreva a não seguir o status quo, arrisca-se a ter uma classificação semelhante à conseguida há muitos anos atrás pelos alunos cábulas...

Concluindo, as ciências da educação são beneficiadas na progressão docente quando este obtém o grau de mestre e/ou doutor (como atesta a Lei), as ciências da educação são beneficiadas na certificação das competências em tecnologias da informação e da comunicação (como atesta a Lei) e agora são beneficiadas na avaliação docente (como atesta a Lei).

Em resumo, um docente de Física que obtenha o grau de Doutor em Filosofia da Educação, tem a bonificação para a progressão na carreira de forma automática, tem automaticamente o nível máximo de competências em tecnologias da informação e da comunicação e pode ser nomeado como membro de um júri de avaliação docente. Ao contrário, se o mesmo professor obtiver o grau de Doutor na sua área científica tem que demonstrar perante uma comissão administrativa de sábios que o seu doutoramento é relevante para a profissão, tem que fazer uma série de formações e um relatório que será avaliado por outra comissão administrativa de sábios para obter a certificação de nível máximo nas competências das tecnologias da informação e da comunicação e finalmente, muito dificilmente poderá ser nomeado para um Júri de avaliação docente.

O cerco está muito fechado e acrescento mesmo que já não permite a nenhum docente respirar.

Fartinho da Silva disse...

"Não percebe que o aluno que não faz esses apontamentos, seja por inércia ou incapacidade, não o vai fazer se estes não forem incluídos no livro?!

Esse treino tem que ser feito de maneira específica, p.e., na requisição dum trabalho que envolva a pesquisa e síntese de informação, ou através da orientação directa do professor para a criação de metodologia de estudo, para o treino na descodificação das informações mais importantes num conjunto de dados..."

Posso estar a fazer uma interpretação completamente errada, mas este texto parece-me um hino à ideologia dominante com os resultados que se conhecem.

Anónimo disse...

Car Vani:
Então a Educação Sexual ainda é pior do que eu pensava. Não tomei a devida atenção.

Anónimo disse...

Subscrevo completamente as suas ideias relativamente ao uso dos manuais. É necessário que os alunos se esforcem no sentido de assimilar de forma consistente os conhecimentos que veiculam. E isso passa por escrever e sublinhar. Ou seja, apropriar-se do livro. Chamo a atenção para um aspecto que, tanto quanto me recordo, não foi assinalado por nenhum comentador na entrada anterior que a Professora Helena Damião. O preço dos livros escolares em Portugal raia o obsceno. E como existem muitas famílias que têm filhos com 2/3 anos de diferença e como o prazo de vigência dos manuais escolares é de 4 anos, muitos pais usam os livros dos filhos mais velhos para os mais novos, particularmente se eles vão para a mesma escola, o que sucede muitas vezes. A única alternativa que vejo, como já foi referida, é mesmo usar o lápis. Mas diz-me a experiência pessoal, não generalizável, que a utilização de cores (marcadores, etc.) tem vantagens.
Este tópico imbrica noutro que sugeria à Professora Helena Damião abordar numa outra entrada. Refiro-me à forma como os alunos estudam. Na esmagadora maioria dos casos que conheço parte-se do princípio de que os alunos sabem como estudar. Isto é completamente falso. Saber estudar implica treino. Em Portugal a área de Estudo Acompanhado do currículo do ensino básico foi pensada para isso mesmo. Infelizmente foi sendo completamente desvirtuada e colonizada por outras disciplinas do currículo. Penso que é um erro grave. Esta área poderia ser muito útil, particularmente para os alunos que têm pouco apoio em casa por parte dos seus pais, para o treino de competências muito básicas (como organizar um caderno, como sublinhar as partes mais importantes de um texto) até às mais complexas (como organizar em esquemas cognitivos gradualmente mais complexos e diferenciados conceitos nucleares de determinadas disciplinas).
Para isso é necessário que os professores tenham a devida formação, o que é raríssimo. Mas acima de tudo que se reserve um tempo do currículo para o treino destas competências que exigem um trabalho consistente.

P.S. O texto do New York Times que a comentadora Susana A. sugeriu em entrada anterior (http://www.nytimes.com/2010/09/07/health/views/07mind.html?_r=1&src=me&ref=health) é excelente.

PJ

Anónimo disse...

"Posso estar a fazer uma interpretação completamente errada, mas este texto parece-me um hino à ideologia dominante com os resultados que se conhecem."

Se o que eu sugeri não está a ser executado não pode ser a causa de nenhum resultado.

Meireles

Fartinho da Silva disse...

Cara Meireles,

"Se o que eu sugeri não está a ser executado não pode ser a causa de nenhum resultado."

Não está a ser executado???? Está em execução desde há muitos anos na escola dos filhos dos outros, ou seja na escola pública! E com os resultados que se conhecem.

Anónimo disse...

"Não está a ser executado???? Está em execução desde há muitos anos na escola dos filhos dos outros, ou seja na escola pública! E com os resultados que se conhecem."

Frequentei o ensino público durante 12 anos; frequentava-o há dois. E nunca vi tal plano em acção. Acho difícil ter-me passado ao lado...

Ou acha, porventura, que criar uma disciplina nova com designação bonita como "Estudo Acompanhado" - na qual se faz tudo, menos acompanhar o estudo - é de alguma maneira a concretização de medidas como as que falei?

Seja objectivo e responda à pergunta que citou: um aluno que não tem hábito de tirar apontamentos ou formatar a matéria que está a ler para uma forma sucinta, vai fazê-lo se os livros não incluírem essas características que a autora do post falou (quadros-síntese, indicações sobre a importância da informação, etc.)? É que a respectiva resposta faz do post em discussão propositado ou despropositado.

Meiriles

Anónimo disse...

Não dão Kmasutra? Bolas, aposto que o que está planeado é uma lenga-lenga sobre doenças horríveis e conversa mole sobre os afectos.

Anónimo disse...

Existem muitas formas de estudar, uns sublinham, outros não, há alunos que gostam de fazer resumos e quadros e esquemas e todo esse género de aparato. Outros preferem que esteja tudo escrito e bem explicado, que o que é importante esteja realçado, não vá o professor esquecer-se de o fazer, e que também seja o mais importante a ser mais perguntado nos exames. Estudo acompanhado é, perdoem-me, uma grande treta. De livros em que está tudo bem explicado, realçado, com gráficos, resumos e afins que facilitam a compreensão e a memorização é que os alunos precisam. Haverá aqueles que ainda assim farão resumos e esquemas e tabelas, outros poderão simplesmente ler e perceber o que lá estar escrito e aprender o que se quer ensinar.

Miguel, 20 anos, estudante, Porto

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